Escândalo das carnes afeta credibilidade das marcas, dizem especialistas 18/03/2017
- Bruno Rosa - O Globo
A operação da Polícia Federal pôs em xeque a estratégia de comunicação dos principais fabricantes de carne do país.
Se nos últimos anos os frigoríficos fortaleceram as marcas de seus produtos e contrataram uma legião de famosos para falar com os consumidores, agora as denúncias de que vendiam itens estragados vão afetar em cheio a sua credibilidade, dizem publicitários.
Isso porque, segundo eles, o pilar principal das campanhas era justamente a qualidade.
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Para Fabio Astolpho, diretor de Criação da agência de publicidade F.biz, a credibilidade é afetada de “forma estrondosa”.
O caminho para recuperar a imagem torna-se longo e muito difícil, diz ele.
— Uma denúncia desse porte afeta anos de trabalho de construção de marca. Afeta no ambiente on-line, onde as pessoas tendem a ser mais críticas. Esse é o tipo de problema que não se dribla. Muda-se o comportamento da empresa, e a comunicação vai refletir isso.
Armando Strozenberg, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), também acredita que a imagem da marca é afetada:
— A extensão do dano vai depender do tamanho do suposto erro, que ainda não está dimensionado em relação a cada empresa ou marca. E a maneira de enfrentar o problema vai determinar se ele será agravado ou minimizado. .
Nos últimos anos, a JBS investiu na comunicação da marca Friboi.
A estratégia da campanha foi incentivar o consumidor a pedir a carne pela marca, criando, pela primeira vez, esse conceito na categoria.
Do outro lado, a BR Foods apostou no reposicionamento da Perdigão.
Marcelo Boschi, coordenador do MBA de Marketing da ESPM, compara o problema do setor de carne com a crise no segmento de leite, quando empresas adulteravam seus produtos com soda cáustica, água oxigenada e formol.
O problema afetou diversas marcas, como a Parmalat, uma das primeiras da categoria a fazer investimento em marca.
— O caso da Friboi é muito semelhante ao da Parmalat. Foram empresas que impulsionaram a construção de marca nas categorias. Porém, nesse caso específico, os frigoríficos investem em marcas corporativas, o que minimiza os impactos em suas marcas de consumo.
José Luiz Meinberg, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas, acredita que a ação da PF afeta as empresas de forma diferente.
Ele diz que a marca Friboi sai mais arranhada por estar muito presente na cabeça do consumidor:
— O impacto vai depender de como essa crise vai afetar o dia a dia do consumidor.
Para Bruno Dreux, sócio da agência Amo, a categoria não conta com muitos concorrentes, o que ajuda a minimizar os impactos nas vendas:
— O consumidor não tem muito para onde migrar. Mas, sem dúvida, as marcas têm um problema para resolver.
EUA E UNIÃO EUROPEIA PEDEM INFORMAÇÕES
Após a Operação da Polícia Federal que revelou a existência de um esquema de comércio de carne adulterada, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, foi procurado por representantes dos Estados Unidos e da União Europeia, que pediram informações.
O escândalo abala a imagem do país, maior exportador de carnes do planeta, e preocupa o governo brasileiro, que teme, nos bastidores, que parceiros internacionais usem esse problema como pretexto para adotar medidas protecionistas contra o Brasil não só nas carnes, mas também em outros setores do agronegócio.
O secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, admitiu preocupação com a repercussão no exterior. Porém, ele observou que o Brasil é um grande player no mercado internacional do agronegócio e ressaltou que as denúncias se referem a casos isolados e que o produto brasileiro tem reconhecimento no exterior:
DESCULPA PARA PROTECIONISMO
O governo americano, que em meados de 2016 passou a autorizar a importação de carne in natura do Brasil, afirmou que está monitorando a situação do país após a operação da PF. Autoridades temem que o episódio possa ser uma desculpa perfeita para que a administração de Donald Trump, com viés protecionista, barre o produto brasileiro novamente.
“Neste momento, o Serviço de Segurança e Inspeção de Alimentos (FSIS) do Departamento de Agricultura (USDA, na sigla em inglês) está trabalhando com funcionários do USDA no Brasil para saber mais sobre esse assunto. Também estamos em contato com o Ministério da Agricultura do Brasil e continuaremos monitorando a situação”, diz a nota.
O organismo, contudo, tentou tranquilizar a população americana, lembrando que toda a carne que entra nos EUA passa por testes e “reinspeção”. “O FSIS recusará a entrada para importar remessas contendo patógenos que colocam os consumidores americanos em risco”, indicando que todos os produtos que entraram até agora do Brasil são “seguros e saudáveis”.
Fontes ligadas a autoridades do comércio entre os dois países, entretanto, afirmam que a notícia afeta fortemente a imagem do produto brasileiro e pode gerar problemas. Além de impedir um aumento de importação, pode ser usado como argumento para novas barreiras sanitárias aos alimentos brasileiros.
O episódio ainda afeta a credibilidade de empresas brasileiras que atuam nos EUA — a JBS, por exemplo, é dona da Swift e da Pilgrim, líderes nacionais em diversos alimentos.
Tarso Veloso, analista da consultoria especializada em alimentos AG Resources, de Chicago, estima que os danos serão generalizados para diversos alimentos e afetarão empresas de carne brasileiras em todo o mundo.
— A imagem de todo o setor fica arranhada, este caso passa a impressão de que falta regulamentação e qualidade por parte do governo brasileiro.
Embora não haja queixa contra o Brasil, espera-se que o representante brasileiro no Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio (OMC) seja bombardeado por perguntas em reunião do órgão na próxima segunda.