Além do reiterado recurso aos fundos do Tesouro Nacional – como se estes constituíssem uma espécie de “limite de crédito” disponível para os reveses de ocasião –, governadores e prefeitos poderão ter mais um incentivo à irresponsabilidade na gestão das finanças de Estados e municípios.
Aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, seguiu para votação no Plenário da Casa – em dois turnos – uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que é um convite ao descalabro administrativo e fiscal.
A chamada “PEC do cheque em branco” visa a alterar o artigo 166 da Constituição Federal, permitindo que deputados e senadores direcionem diretamente para o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) as verbas de emendas individuais feitas ao Orçamento da União.
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No momento mesmo em que o País passa por um severo processo de reequilíbrio das contas públicas, após o descalabro fiscal que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, é no mínimo inoportuna a proposta da senadora petista, que, caso seja aprovada, mudará substancialmente a dinâmica e o controle da destinação dos recursos provenientes das emendas parlamentares.
Atualmente, os recursos das emendas parlamentares são direcionados aos Ministérios, sobretudo às pastas da Saúde, da Educação e das áreas de infraestrutura.
Quando desejam receber esses investimentos em seus Estados e municípios, governadores e prefeitos têm de submeter seus pleitos – detalhadamente – à pasta correspondente.
Esta, então, vai determinar os critérios para liberação das verbas e as regras para implementação dos projetos. Tudo sob a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU).
Sob o argumento quase irrefutável da simplificação – quem há de discordar que a máquina pública padece de uma exasperadora burocracia? –, a proposta da senadora Gleisi Hoffmann pretende dar a governadores e prefeitos carta branca para dispor livremente das verbas liberadas por meio das emendas parlamentares, sem a “inconveniência” dos intermediários.
Por determinação do artigo 159 da Carta Magna, os créditos do FPE e do FPM são repassados automaticamente pela União aos Estados e municípios, na proporção de 21,5% e 22,5%, respectivamente, da receita com a arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Os repasses são feitos três vezes ao mês, em geral nos dias 10, 20 e 30.
Absurdo ainda maior que o afrouxamento das regras para liberação dos recursos das emendas parlamentares é a maliciosa permissão de uso dessas verbas para o custeio da folha de pagamento de servidores estaduais e municipais.
Ora, a situação de crise fiscal por que passam 22 das 27 unidades da Federação se instalou justamente porque a despesa com o funcionalismo ultrapassou a porcentagem permitida da receita corrente líquida.
Os Estados que ainda não ultrapassaram o teto de 49% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para a folha do Poder Executivo estão muito próximos de chegar ao limite que enquadra os governadores nas punições previstas pela LRF.
A PEC entrou na pauta de votação do Senado, ainda que parte dos senadores desconheça o teor da proposta, conforme apurou a repórter Isadora Peron, do Estado.
Houve os que disseram não saber do que se trata e aqueles que recomendaram a devida cautela na análise do repasse de recursos de emendas parlamentares diretamente aos Estados e municípios.
Diante deste quadro, é recomendável que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), retire a PEC da pauta de votação para que seu conteúdo possa ser estudado pelos senadores que ainda o ignoram.