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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Mulher e Previdência
01/03/2017 - MÍRIAM LEITÃO - O GLOBO*

É totalmente sem sentido, e desatualizada, a proposta de que a mulher deve ser compensada com uma idade menor de aposentadoria. Defendida por algumas profissionais — as quais, aliás, respeito profundamente —, a ideia acaba fortalecendo o papel tradicional da mulher, quando já passa da hora de rever essa divisão envelhecida dos papéis masculino e feminino.

A diferença de tempo para se aposentar é defendida com o argumento de que a mulher trabalha mais em casa e faz o esforço biológico da reprodução.

Quanto ao trabalho doméstico desigual, ele vem do machismo. Se as mulheres passarem a ser compensadas pelo sistema previdenciário, é como se o Estado convalidasse esse comportamento dos homens e as indenizasse para tudo permanecer como está.


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A briga hoje, que tem tido avanços, é a de dividir as tarefas e mudar os conceitos.

Não desconheço as estatísticas do IBGE que mostram essa desigualdade dentro do lar, medida em horas dedicadas ao trabalho em casa, mas o remédio não há de ser a Previdência compensar a mulher, como se isso fosse uma situação inevitável.

O corpo da mulher, claro, é onde acontece a reprodução e por isso há quem defenda essa redução da idade de aposentadoria, argumentando que esse “trabalho” é indelegável e importante para a sociedade.

Raciocinando por absurdo: se todas decidissem não ter filhos, o país acabaria.

Mesmo isso não é argumento convincente para manter a diferença de tratamento junto à Previdência.

De novo, seria como se o Estado dissesse que este é o papel fundamental da mulher: a reprodução.

E as mulheres têm inúmeras funções na sociedade.

Se essa ideia prosperar vamos criar duas classes de mulheres: as que têm filhos biológicos e as que não têm.

Mães que adotam crianças podem se perguntar: o que dá mais trabalho, a gestação ou a criação dos filhos?

E o que aconteceria com o casal homoafetivo que tenha filhos?

Há uma infinidade de situações no complexo e diversificado mundo atual que não entra nessa divisão binária e tradicional dos papéis sociais.

O mundo, felizmente, está mudando.

Está na hora de fazer o contrário do tradicional e mirar-se em países cuja licença maternidade é substituída, após as primeiras semanas, pela licença para cuidado com a criança, que pode ter como beneficiário o pai.

Mesmo em período de aleitamento, os pais em países nórdicos tiram licença do trabalho para cuidar dos filhos pequenos e, como consequência, desenvolvem uma paternidade mais completa.

É dessa forma que se fará um mundo com nova percepção do que seja o papel do homem e da mulher na sociedade, velho sonho das feministas.

A mulher vive mais do que os homens, no Brasil essa diferença chega a sete anos.

Não há motivo para fugir da tendência internacional de igualar a idade de aposentadoria.

A idade mínima não é punição, nem sua redução pode ser prêmio de consolação por desequilíbrios domésticos e preconceitos.

O país precisa rever seu contrato social porque ele está em profundo desequilíbrio.

Tudo está em discussão neste momento em que há um déficit previdenciário enorme com apenas 14% de brasileiros com 60 anos ou mais.

Com 86% da população com menos de 60, o Brasil é jovem demais para estar com esse rombo e ele, evidentemente, vai aumentar, mesmo no cenário da retomada do crescimento que eleva a receita da Previdência.

O paternalismo em relação à mulher faz parte da discriminação contra ela.

É a outra face da mesma moeda.

Foi partindo do equivocado pressuposto de que elas seriam incapazes de prover sua subsistência, se não se casassem e ficassem sem o pai, que se criou o absurdo das pensões para filhas de servidores de algumas categorias do setor público, principalmente das filhas de militares.

Isso mudou, mas o peso do passado continua sendo carregado pelo conjunto da sociedade.

O país está com a Previdência quebrada porque homens e mulheres se aposentaram precocemente, filhas de servidores tiveram benefícios excessivos, e a desigualdade da sociedade foi reproduzida no acesso à Previdência.

Isso à custa da exclusão de milhões de brasileiros, a quem só foi dada a possibilidade de um benefício ao fim da vida.

Quanto menos desigualdade houver no sistema, melhor ele será.


...

*Com Alvaro Gribel, de São Paulo.

  

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