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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Bolsonaro e Haddad foram ao JN para fazer atos de contrição
09/10/2018 - BLOG DE REINALDO AZEVEDO

Os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) concederam entrevista ontem à noite, ao vivo, ao Jornal Nacional.

Cada um deles teve direito a quatro minutos e meio de fala. Nos primeiros dois minutos, puderam se dirigir livremente ao público. Dois outros foram dedicados à resposta a uma pergunta formulada pelos jornalistas. E dispuseram depois de meio minuto para se despedir.

Ambos fizeram atos de contrição e juraram subordinação à Constituição e ao regime democrático, sob os quais um deles será eleito no dia 28.


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Sim, nos dois casos, isso era necessário. Como jornalismo é precisão e, pois, tudo tem de ser dito em benefício do público, cumpre salientar que Bolsonaro corrigiu duas barbaridades ditas pelo general Hamilton Mourão, vice na sua chapa.

E Haddad corrigiu uma que consta de seu programa — segundo ele, aquilo não vale mais. A segunda mea-culpa do petista, em razão de uma fala de José Dirceu, era até desnecessária porque o ex-ministro não disse o que lhe foi atribuído. Havia um erro na pergunta.

De toda sorte, foi uma boa oportunidade para o petista reafirmar um fundamento da democracia.

Explico tudo.

Aí veio a pergunta. Willian Bonner lembrou que Mourão defendeu, em uma palestra, a elaboração de uma nova Constituição, que seria redigida por notáveis e depois submetida a referendo.

Mais: em entrevista à Globonews, o vice de Bolsonaro também flertou com a possibilidade de um autogolpe — vale dizer: a depender das circunstâncias, o presidente da República poderia apelar às Forças Armadas ao arrepio das exigências postas na Constituição.

Bolsonaro desautorizou de forma clara, inequívoca e inquestionável o seu vice.

Reproduzo:

“Eu o desautorizei nesses dois momentos. Ele não poderia ir além daquilo que a Constituição permite. Jamais eu posso admitir uma nova Constituinte, até por falta de poderes para tal. E a questão de autogolpe: não entendi direito o que ele quis dizer naquele momento, mas isso não existe. Se estamos disputando as eleições, é porque nós acreditamos no voto popular. E seremos escravos da nossa Constituição.”

Errando o nome do general, afirmou: “José Augusto (sic) Mourão, agradeço a sua participação, mas, nestes dois momentos, ele foi infeliz, deu uma canelada. Mas repito, o presidente jamais autorizaria qualquer coisa nesse sentido”.

Quem primeiro concedeu a entrevista, por sorteio, foi Haddad. Na sua fala livre, agradeceu aos eleitores e afirmou a existência de “dois projetos”.

Disse:

“Nós, do lado da social-democracia, do estado de bem-estar social”…

Pregou também a ampliação das “oportunidades educacionais”, maior efetividade do “poder público”, com “inclusão social”, em benefício dos “mais vulneráveis”.

Algo de errado nessas coisas todas?

Acho que até o adversário, Bolsonaro, concordaria com o conjunto da obra.

Tenho para mim que Haddad precisa chamar pobres de “pobres”, em vez de “mais vulneráveis”.

O “poder público” é, na sua fala ao menos, sinônimo de “governo”, e “oportunidades educacionais” quer dizer “escola”.

A fala do petista ainda tem um certo acento de javanês para partes consideráveis do eleitorado.

Educado, cordato, amigável, mas talvez muito professoral.

Aí veio a pergunta, feita por Renata Vasconcellos, com dois tópicos também, a Fernando Haddad.

Lembrou que o programa do petista defende uma nova Constituinte e evocou uma entrevista de José Dirceu ao jornal El País.

Disse ela:

“José Dirceu afirmou que não acreditava numa vitória eleitoral de Jair Bolsonaro e declarou o seguinte: ‘Dentro do país é uma questão de tempo para a gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é coisa diferente de ganhar uma eleição'”.

Aqui cabe uma correção. Dirceu deu essa resposta quando indagado pelo jornal o que aconteceria se o PT vencesse a disputa e fosse impedido de tomar o poder.

Da forma como perguntou Renata, fica a impressão de que Dirceu ameaçou “tomar o poder”, ainda que sem eleição, não importa a circunstância.

Já escrevi a respeito.

Haddad retirou a proposta da Constituinte. Deixou claro que ela não vale mais. Não corrigiu o erro da pergunta, mas isso acabou tendo uma utilidade.

Afirmou Haddad sobre a Constituinte:

“Nós revimos o nosso posicionamento. Nós vamos fazer as reformas devidas por emenda constitucional. Quais delas? A primeira é a reforma tributária. No Brasil, quem sustenta o Estado é o pobre. (…) Quem paga mais imposto proporcionalmente é o pobre, e os muito ricos não pagam absolutamente nada. (…)”

Sobre Dirceu: “O ex-ministro não participa da minha campanha, não participará do meu governo, e eu discordo da formulação dessa frase. Para mim, a democracia está sempre em primeiro lugar”.

Embora a alegada ameaça de Dirceu não tenha existido, não cabe, com efeito, a distinção entre “tomar o poder” e “ganhar eleição”.

O erro acabou servindo para ele também afastar qualquer tentativa de golpe, aí à esquerda.

A sinceridade de um e a de outro vão ser testadas quando um deles chegar ao poder, e o outro estiver na oposição.

A entrevista serviu para que ambos dissessem que não estão dispostos a fraudar as regras do jogo.

Cabe agora ao eleitor julgar a credibilidade da palavra de cada um nesse particular — caso, claro, considere que esse papo de democracia tem alguma importância.


  

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