Leio Burke, mas arroto Stalin 17/11/2018
- SÉRGIO PARDELLAS - ISTOÉ
Sobre toda e qualquer mesa — do mais reles ao mais alto hierarca do governo Bolsonaro — deveria repousar uma plaquinha de bronze.
Nela, estaria gravado o alerta sincero entoado por Janaína Paschoal, durante a campanha: “Reflitam se nós não estamos correndo risco de fazer um PT ao contrário”.
A cada reunião convocada, audiência concluída, ordem emitida ou tarefa iniciada, o incauto ficaria incumbido de dar uma conferida na epígrafe, para se assegurar de que nada saíra do controle.
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A frase a ser repetida como mantra e obedecida como profissão de fé por integrantes do governo Bolsonaro revolve a essência de Friedrich Nietzsche em Assim Falou Zaratustra.
Para o filósofo “quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme num deles”.
Em resumo: acostumado a guerrear contra o petismo, o bolsonarismo precisa tomar cuidado para não ficar a cara e o focinho de seu principal antagonista, só que à direita.
Há semelhanças nos pendores despóticos materializados em propostas como o “Big Brother docente nas universidades” e a obscurantista Escola Sem Partido.
A propósito, Escola Sem Partido deve ser escola com pluralidade, não escola sem o partido do outro, mas com o meu partido enfiado goela abaixo.
Ideologias ou eventuais doutrinações se combatem no terreno das ideias, não a partir da coerção do Estado.
Para que se faça justiça, nada disso pode ser atribuído ao governo Bolsonaro ainda nem empossado.
Mas para que um passado enterrado pela população nas urnas fique apenas no retrovisor, o presidente eleito Jair Bolsonaro não pode demonstrar tibieza na hora de conter ou mesmo desautorizar seus radicais — a turma do “leio Burke, mas arroto Stalin”. Não são poucos.
A responsabilidade sobre os ombros do futuro governo é tremenda.
Pelo que 58 milhões de eleitores esperam dele e pelo que pode provocar caso fracasse.
As palavras do general Augusto Heleno traduzem a atmosfera de expectativas.
Para ele, o governo Bolsonaro é a última chance de sua turma.
“Tenho um orgulho: jamais perdi um jogo do Pelé no Maracanã. Vi todos. Hoje eu estava brincando: se esse troço aí der errado, a única coisa boa da minha geração será ter visto o Pelé jogar.”
Pelé à parte, governos podem ser comparados menos com futebol do que a viagens de avião: ainda que o voo apresente intempéries, desconfortos e turbulências, o risco de toda gestão, em geral, reside na partida e na chegada.
Que Bolsonaro entenda a importância de decolar em céu de brigadeiro para transmitir tranquilidade e segurança a todos.
E que, ao enfrentar o que o filósofo espanhol Ortega y Gasset chamava de “fundo insubornável do ser”, ou seja, o mais íntimo pensamento naquele exato instante em que o homem encara o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a própria face, Bolsonaro jamais se depare com o reverso da estrela rubra do PT.
Se acontecer, não terá sido por falta de aviso. Janaína que o diga.