Consumidor compulsivo: quando comprar pode ser doença 22/12/2006
- Mônica Loureiro
O consumismo é uma das molas mestras da sociedade contemporânea e isso toma proporções bem maiores em época de festas do final de ano. Só que, como qualquer outro hábito, a compulsão pode ser sinônimo de patologia quando ultrapassa limites toleráveis na conta corrente. Segundo um estudo da Associação Americana de Psiquiatria, 1,1% da população do mundo sofre desse mal. No Brasil, de acordo com o Serasa, 3% da população é consumidora compulsiva.
A situação dos viciados em compras se agrava quando, ao contrário do jogo, álcool, cocaína ou outro tipo de droga, consumir é um ato socialmente aceito. E pior, incentivado principalmente pelas campanhas publicitárias massacrantes e sedução de templos de consumo. Como, por exemplo, a autora Valquíria Padinha define em seu livro ¨Shopping center - A catedral das mercadorias¨: os shoppings unem consumo e lazer, são opções de ocupação do tempo livre.
Neles, desejos, projetos, paixões, realizações pessoais se materializam em objetos. O resultado é um gasto muito acima do salário em coisas que nem sempre têm significado ou utilidade e orçamentos cada vez mais descontrolados.
PUBLICIDADE
O consumo em demasia tem nome e registro no DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Trata-se da oneomania, um transtorno de ansiedade. Dez entre dez psicólogos dizem que a doença tem origem numa tentativa de suprir alguma carência. ¨A meu ver, uma das causas para o consumismo desenfreado é uma total carência afetiva das pessoas, que tentam preencher esse `buraco´ emocional comprando coisas em exagero, freqüentemente bastante acima do padrão financeiro que possuem¨, confirma a psicóloga Celina Bernardes.
Com mestrado em Teoria Psicanalítica, a profissional diz que é comum que esses consumidores não tenham consciência dos gastos abusivos que fazem. ¨Assim, acabam sempre dando um jeito de comprar mais, contraindo dívidas, tendo vários cartões de crédito, dividindo em inúmeras parcelas que, mal acabam de pagar, e já estão gastando mais¨, conta.
Quando a situação chega a limites intoleráveis o indicado é que essas pessoas procurem um psicólogo ou um psiquiatra. ¨Se elas não conseguem ir por conta própria, aí é importante que a família interfira. É fundamental a terapia e, às vezes, é necessário também o uso de algum medicamento, que seria administrado pelo psiquiatra¨, orienta.
¨Devedores Anônimos¨ no Brasil
Pesquisas indicam que 10,6% dos consumidores brasileiros se tornam inadimplentes por gastarem mais do que podem. E que 30% se endividam por gastos com supérfluos. Nos Estados Unidos, um número significativo da população deve até 10 vezes mais do que têm - os chamados ¨shopping addicted¨. O fenômeno fez surgir grupos de auto-ajuda, que, aqui no Brasil, começaram a se organizar há menos de uma década com o nome de ¨Devedores Anônimos¨. Hoje, dez atuam em quatro estados (endereços e informações no www.devedoresanonimos-rj.org).
¨A estrutura é baseada nos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos. São grupos com 20, 30 pessoas que, ao procurar ajuda, vêem que lá todos falam a mesma linguagem enquanto que aqui fora são taxadas de 171 e malucas¨. O depoimento é do funcionário público aposentado P.R. (ele pediu para manter-se no anonimato), de 56 anos. Ex-membro do grupo que se reúne todo último sábado do mês no Centro do Rio, ele diz que já atingiu sua meta: quitou a dívida de R$ 25 mil.
Ele conta que há três anos, quando se aposentou, começou a procurar algo interessante para fazer. Com grande gosto por música, chegou a fazer cursos, mas nada que o agradasse. O consumo começou a falar mais alto e, quando se deu conta, as dívidas se acumulavam e no armário, havia mais de 600 CDs. ¨Eu entrava em casa com os discos escondidos para minha mulher não ver. Mas aí você pergunta: R$ 25 mil só em CDs? Não, havia um descontrole total, um conserto da geladeira aqui, uma outra compra ali...Isso gerou empréstimo atrás de empréstimo, dívidas com agiotas e faltou pouco para que eu perdesse um apartamento¨, lembra P.R.
Apoio familiar
O aposentado chegou ao ¨Devedores Anônimos¨ através da mãe. ¨Ela fez o primeiro contato, mas eu fui numa boa. É aquela história: se a própria pessoa não quiser dar o primeiro passo, não adianta¨, recomenda. Mesmo porque é uma vivência dolorosa: ¨O negócio é violento, tanto que o ideal é que se freqüente, no mínimo, seis reuniões. A parte financeira, um dia você paga. A dívida emocional é bem mais lenta¨, afirma ele, que também teve acompanhamento de psicólogo e neurologista.
Nessas horas, o apoio da família é fundamental. ¨Minha mulher e meus filhos me ajudaram muito. Ela, que é supercontrolada, chegou a ser taxada como facilitadora da situação. A primeira coisa que fez, quando comecei o tratamento, foi se livrar dos CDs, vendendo tudo a preço de banana. Foi muito doloroso, mas a gente aprende. Até hoje tem um pé atrás comigo, controla meus gastos¨, diz.
Diferente do que se pensa e até do que pesquisas indicam - que as mulheres são maioria entre os consumidores compulsivos - P.R. diz que, pelo menos no grupo, é impossível se traçar um perfil dessas pessoas. ¨Até arrisco dizer que fica meio a meio entre homens e mulheres. Tem médicos, artistas, militares, gente nova e gente velha. Mas acho que as maiores vítimas vêm da classe média, que quer sempre ter um padrão maior e gasta mais do que ganha¨, analisa.
Características do consumidor compulsivo
- Compra na tentativa de preencher problema emocional
- Nem sempre admite que tem problemas
- Por gastar mais do que o planejado, acaba contraindo dívidas, que podem chegar a dez vezes o valor de sua renda mensal
- Pode apresentar outros tipos de distúrbios emocionais
- Não resiste ao impulso e compra coisas que não usa ou usa muito pouco
Como se controlar
- Procurar tratamento para descobrir as origens do problema
- Não tentar preencher a sensação de vazio interior com produtos materiais
- Não cair em tentação diante dos estímulos das propagandas e das ¨facilidades¨ oferecidas pelos comerciantes
- Prestar atenção aos excessos e analisar o motivo da compra, sabendo distinguir o supérfluo do que é realmente necessário
- Evitar o uso de cartões de crédito e cheques - se possível, deixe-os em casa
- Faça listas do que precisa ser comprado e não adquira nada fora dela