Quando os pais devem contar a verdade sobre Papai Noel? 24/12/2006
- Ricardo Westin - O Estado de S.Paulo
Não é preciso preocupar-se com o momento certo. Iniciativa parte das próprias crianças
“Ele já está desconfiado. No começo do mês perguntou por que existem tantos Papais Noéis na televisão”, preocupada, conta Annick Vauriac, de 40 anos, enquanto observa de longe o filho Enzo, de 5. Com os olhos brilhantes e bem abertos, o menino presta atenção a cada palavra dita pelo Papai Noel - com barba de verdade - sentado à sua frente, num shopping center do bairro de Higienópolis, em São Paulo.
Como ocorre com muitas outras mães nesta época do ano, Annick se inquieta diante do inevitável. Sabe que mais cedo ou mais tarde o encantamento do filho vai acabar. “Queria que ele continuasse acreditando no Papai Noel até os 9, mas acho que ele logo virá com perguntas mais difíceis. Não sei se vou conseguir dizer a verdade.”
Especialistas afirmam que os pais não devem se preocupar com a hora adequada de contar essa verdade, porque cada criança tem uma idade própria para descobrir que o bom velhinho não existe. “É a criança que vai nos dizer, de uma forma ou de outra, qual é o momento certo. Pode ser aos 4 anos, pode ser aos 10. Isso varia muito de criança para criança”, explica a psicanalista Diana Corso, autora do livro Fadas no Divã (Artmed Editora).
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Como um velho dá conta de levar presentes para o mundo inteiro? De que forma sabe se eu fui bonzinho ao longo do ano? As renas voam mesmo? E como o Papai Noel consegue estacionar o trenó no telhado? Esse tipo de dúvida pode surgir naturalmente ou a partir de conversas com crianças mais velhas. Ou ainda quando se descobre que os presentes foram deixados embaixo da árvore pelo pai.
Não importa como a dúvida venha, o psiquiatra e escritor de livros infantis Celso Gutfreind dá uma dica a pais e mães: “Uma boa forma de saber se o filho está preparado é devolvendo a pergunta: ‘O que você pensa? Você acha o Papai Noel não existe?’. É a resposta que vai dizer ao pai se ele deve ou não prolongar essa ilusão”.
TRAUMA
A economista Rose Reich, de 37 anos, tinha 9 quando ficou sabendo a verdade - para ela, uma “dura verdade”. Quem contou foi a irmã mais velha, durante uma briga. “Foi um choque saber que o Papai Noel não existia. Foi, sem exagero, um tapa na cara”, ela lembra. Decidiu que o filho João David, de 5 anos, nunca passaria pela mesma decepção.
O menino sempre soube que quem traz os presentes de Natal são os pais. “Não dizemos: ‘Se você não se comportar, o Papai Noel não vai trazer presentes. Dizemos: ‘Se você não se comportar, o papai e a mamãe não vão comprar presentes’. Acho que assim é mais justo”, conta Rose.
Isso, porém, não quer dizer que João David viva sem fantasias nesta época do ano. Ele acredita, sim, no Papai Noel - a diferença é que, para o menino, a figura natalina não tem nenhuma relação com presentes. No mesmo shopping em São Paulo, ele se sentou no colo do velhinho barbudo para tirar fotos e também se extasiou ao responder às perguntas.
Uma análise fria das encenações que a cada ano se repetem em casas de todo o mundo sugere que a história de Noel seja uma farsa - e, pior, uma farsa envolvendo crianças. Não é nada disso, respondem os especialistas.
“O mundo do faz-de-conta não é o mundo da mentira”, esclarece Laércia Abreu Vasconcelos, psicóloga, professora da Universidade de Brasília (UnB) e autora de Brincando com Histórias Infantis (Esetec Editores). “A menina diz que é uma princesa, e a mãe responde: ‘Claro, vossa alteza’. Não dá para dizer que uma está mentindo para a outra”, exemplifica Diana Corso. “Quando vamos ao cinema, sabemos que aquela história não é verdadeira. Mas acreditamos nela. Naquele momento, não vivemos uma mentira, uma farsa. Vivemos uma ilusão, uma fantasia”, compara Celso Gutfreind.
CRESCIMENTO
De acordo com os especialistas, esse tipo de faz-de-conta é importante para o desenvolvimento das crianças -- ajuda principalmente a criatividade -- e reforça os laços familiares, já que a fantasia é compartilhada com os pais e os irmãos. O mito do Papai Noel, como as histórias de fadas, pode ensinar virtudes como a bondade e a solidariedade.
A própria revelação de que o senhor do Pólo Norte não existe, embora possa ocorrer de forma traumática, também é importante. “Todos já sabem que a fantasia é importante para a saúde mental. Mas precisam saber que a desilusão também é importante para a saúde mental, faz parte do amadurecimento. Queiramos ou não, a frustração nos acompanha ao longo de toda a vida”, explica Gutfreind.
Embora não se dêem conta disso, alguns pais chegam a sofrer mais que os filhos no momento em que se acaba com o mito do Papai Noel. “A revelação marca mais um pedaço que cai da infância do filho. Os pais têm uma relação bem dolorosa com cada etapa que se encerra”, diz Diana Corso.