Euclides e a Amazônia 16/09/2008
- Antonio Olinto*
O ano que vem será o do centenário da morte de Euclides da Cunha, ano em que não só dedicaremos a enaltecer a obra que nos deixou, mas também a defender a Amazônia, que tão bem estudou e à qual dedicou seus últimos textos de brasilidade. O livro ¨À margem da história¨ mostra a lucidez de dois brasileiros - Euclides e o Barão do Rio Branco - na missão ao Alto Purus, que abriu uma fase nova no entendimento de uma região que despertava - como desperta ainda - a cobiça de países estrangeiros.
O pioneirismo de Tavares Bastos, cujo livro ¨O Vale do Amazonas¨ foi publicado no mesmo ano do nascimento de Euclides da Cunha - 1866 - iria produzir seus melhores frutos com o assomar da República brasileira e através do entusiasmo idealista, inclusive no significado filosófico do adjetivo, dos republicanos. A escolha de Euclides para chefiar a missão no Alto Purus revela a sabedoria administrativa do Barão do Rio Branco.
O livro que Euclides da Cunha se preparava para escrever - ¨O Paraíso perdido¨ - deixaria de existir por causa de uma bala assassina. Mas o que escreveu mostraria sua luta, não só em ¨À margem da história¨, mas também em ¨Contrastes e confrontos¨ e em ¨Peru versus Bolívia¨. Se, em ¨Os sertões¨, o nordestino era antes de tudo um forte e vivia em multidões, em ¨À margem da história¨, o ¨seringueiro é obrigatoriamente, profissionalmente um solitário¨.
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Se em ¨Canudos¨, havia multidões, homens, mulheres e crianças por toda a parte, na Amazônia dos seringais as pessoas como que sumiam no meio das árvores, ficando isoladas em pequenos grupos, ferindo caules e esperando que o leite se acumulasse num repositório.
De modo diferente do que vira no Nordeste, a Amazônia exigia festas religiosas diferentes, que Euclides descreve com a força de suas palavras, inclusive no mostrar a figura de Judas que, amarrado num barco, desce o rio, os homens e seus rifles atacando a embarcação e destruindo o símbolo detestado.
Por escolha própria, deixara Euclides de aceitar postos no exterior para ir ao encontro da Amazônia, para vingá-la, para resgatá-la. Foi talvez com uma sensação de cientista messiânico, de profeta, que ele se dirigiu a uma região caluniada, e disto é sinal a carta que enviou então ao Rio de Janeiro e que Leandro Tocantins reproduz em seu livro ¨Euclides e o Paraíso perdido: ¨... Nada te direi da terra e da gente. Depois, aí, e num livro, ¨Paraíso perdido¨, onde procurarei vingar a Hiléia maravilhosa de todas as brutalidades que a maculam desde o século XVIII.¨ A indignação de Euclides da Cunha deve ser também a nossa diante das brutalidades que a atingem ainda hoje, em grau maior, sem que tomemos a iniciativa real que evite o roubo incessante de nossas matas.
A Amazônia, conquista portuguesa legada ao Brasil, provoca paixões e cobiças e, por uma estranha influência de seu mistério, atrai religiões, a católica e as protestantes de vários matizes, misturados com uma nova religião inteiramente amazônida, baseada no Santo Daime, que vem a ser uma folha amazônica fortemente alucinógena.
¨O Paraíso perdido¨ de Euclides da Cunha opôs-se ao ¨Inferno verde de Alberto Rangel ou talvez ambos nos levem à decisão de que o importante é uma luta permanente contra o desmatamento contínuo que tem levado a teses de outros países que desejam nos ¨ajudar¨ a dirigir a região. Tento imaginar o livro final e definitivo que teria escrito Euclides da Cunha, com os personagens que sentissem a força de uma terra que precisava de amor e de amanho. Neste centenário de morte de um escritor que entendeu sua terra (e entendeu a Terra), vale a pena lutarmos para que a Amazônia seja a terra brasileira por excelência e, como tal, seja defendida contra os que fazem tudo para destruí-la.
Os livros amazônidas de Euclides da Cunha têm sido reeditados, embora sem a freqüência desejada. A mais recente edição de ¨À margem da história¨, em que a defesa daquele vasto e rico território brasileiro é de uma veemência inesquecível, saiu pela Academia Brasileira de Letras, de que ele foi membro.
O volume aparece com uma boa apresentação de Alberto Venancio Filho e com projeto gráfico de Victor Burton. Faço votos para que o ano do centenário de morte de Euclides da Cunha tenha comemoração condigna e que seus livros sejam relidos e que surja uma verdadeira campanha nacional contra os inimigos da Amazônia.