Remédio para acne pode afetar crescimento, dizem especialistas 27/05/2009
- Cláudia Collucci - Folha de S.Paulo
Crianças e até recém-nascidos têm sido medicados com isotretinoína oral (Roacutan), uma substância de uso adulto indicada para casos de acne grave e que, entre outros efeitos, pode interromper o processo de crescimento ósseo na infância e adolescência.
O assunto é polêmico, divide opiniões médicas e foi um dos temas discutidos em um simpósio de dermatologia ocorrido na última sexta em São Paulo.
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), não há estudos que atestem a segurança do uso infantojuvenil da droga. A utilização nesses casos não tem aprovação (off-label), "é por conta e risco do médico".
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A Folha entrevistou ao menos três pediatras que dizem já ter utilizado o remédio em bebês e crianças pequenas que tinham acne persistente. "Já mediquei até recém-nascido, tamanha a certeza que tenho da segurança e da eficácia", diz uma pediatria que pediu para não ser identificada.
Em nota, o laboratório Roche, fabricante do Roacutan, informou que o medicamento é contraindicado a menores de 12 anos, conforme já consta na bula do remédio.
O dermatologista Omar Lupi, presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), afirma que a isotretinoína não é recomendada antes dos 15 anos porque há riscos de a droga diminuir o ritmo de crescimento da criança. Mas ressalta que não há veto formal à sua utilização antes dessa idade.
"É preciso discutir caso a caso. Se uma menina menstruar aos 12 anos, sabemos que ela vai crescer por mais dois anos. Então, o uso da droga não comprometeria o crescimento [após os 14 anos]. Já com os meninos é diferente. É necessário pesar os riscos e benefícios porque a responsabilidade em indicações off-label é totalmente do médico."
O dermatologista Emerson de Andrade Lima, que coordena o ambulatório de cosmiatria da Santa Casa do Recife (PE), diz já ter medicado com isotretinoína ao menos 20 crianças de 12 anos, sempre com o comprometimento dos pais de seguirem as instruções de segurança de uso da droga.
No caso das meninas, por exemplo, ele conta que só inicia a terapia diante de um teste de gravidez negativo. "Já tive o caso de uma menina de 12 anos em que o pai dizia que o exame era desnecessário porque a filha era virgem. Insisti, e o resultado deu positivo. A menina tinha engravidado do menino que namorava havia um mês."
A isotretinoína tem efeito teratogênico, ou seja, se uma mulher engravidar durante o tratamento, corre o risco de abortar ou de gerar um bebê com má-formação. Por isso, é recomendado que, durante o tratamento, a mulher utilize dois métodos contraceptivos (DIU e pílula, por exemplo).
Lima afirma que, no caso das crianças, além dos exames já pedidos aos adultos (medição de glóbulos vermelhos e brancos, colesterol, triglicérides e funções hepáticas), ele também pede um raio-X para saber se a droga não está interferindo no crescimento ósseo.
"Mas, às vezes, é uma questão de escolha. Correr o risco de crescer um pouco menos ou ficar com o rosto cheio de cicatrizes de acne. Sou totalmente favorável ao uso precoce [da isotretinoína] porque o impacto emocional de um rosto cheio de acne é devastador."
O médico Humberto Ponzio, professor de dermatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diz que, em geral, a criança não tem acne tão grave que justifique o uso da isotretinoína. "Mas, quando há uma acne muito violenta, tem que se pesar os riscos e os benefícios, e pode ser usada, sim."
Para Ponzio, o risco em relação ao crescimento ósseo surge quando o remédio é usado em doses maiores e por tempo mais prolongado. "Por períodos curtos, apenas o tempo de melhora dos sintomas, não há perigo", afirma.
A pediatra Ana Maria de Cerqueira, do departamento de dermatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, ressalta que a utilização precoce do remédio pode levar a uma reincidência da acne em 60% dos casos. "Como as glândulas responsáveis pelo surgimento da acne ainda não estão formadas, a doença pode voltar."
Jovem diz ter parado de crescer aos 15 anos
Desde os 12 anos, o estudante Luís (o nome é fictício), de São Paulo, fez quatro tratamentos com Roacutan. Hoje, aos 18 anos, queixa-se que parou de crescer há três anos.
"Minha mãe desconfiou que meu crescimento estava lento e fizemos um raio-X das mãos. Para minha surpresa, a idade óssea era de uma pessoa de 19 anos", conta ele.
"Os outros efeitos colaterais, como boca seca, pele sensível e dores de cabeça são toleráveis, mas o período de crescimento é só uma vez na vida."
Luís diz que sua altura estacionou em 1,70 m. "Poderia ter crescido mais. Meu pai tem 1,88 m, minha mãe, 1,75 m. Se eu tivesse que escolher entre ter crescido mais ou ter ficado com espinhas, preferiria uma altura maior."
Nos EUA, há várias ações judiciais em que usuários da isotretinoína se dizem prejudicados pelo tratamento.