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Produto das abelhas nativas do Brasil não pode ser chamado de mel
08/08/2009 - Janaína Fidalgo - Folha de S.Paulo

De sabor especial, o produto das abelhas indígenas sem ferrão, nativas do Brasil, não pode ser chamado de mel, nome exclusivo daquele produzido pelas abelhas estrangeiras, introduzidas no país a partir do século 19.

Antes da chegada das abelhas europeias e africanas, voavam tranquilas pela flora brasileira uruçus, mandaçaias, tiúbas e jataís. Abelhas indígenas sem ferrão, medo não causavam. Seus méis eram os únicos disponíveis e alimentavam quem se dispunha a coletá-los em troncos ocos e ninhos no chão.

De certo não há um mel igual ao outro, pela variedade de espécies e pela localização geográfica. Mas, uma vez provado o das Meliponíneas, difícil se satisfazer novamente com o sabor do das introduzidas Apis melliferas, produzido em larga escala no Brasil por abelhas africanizadas e encontrado em qualquer supermercado.


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O curioso é que o produto das abelhas indígenas sem ferrão, nativas do Brasil, não pode ser chamado "simplesmente de mel". "A norma do Mercosul, que estabelece os padrões de identidade e qualidade do mel, define que mel é um produto oriundo de abelhas melíferas, que remete à Apis mellifera", diz Carlos Turchetto Junior, 28, chefe da Divisão de Inspeção de Leite e Derivados, Mel e Produtos Apícolas do Ministério da Agricultura.

"[O das abelhas indígenas] Não é mel, porque a composição é muito diferente, é específico da América do Sul. Ao se chamar simplesmente de mel, estará se referindo ao de Apis."

Até 2004 o manejo de abelhas indígenas era proibido, por serem espécies selvagens. "Quem a domesticava e fazia colmeia podia ser preso, crime inafiançável. Olha o absurdo. Tínhamos um patrimônio nacional, único no mundo, com diferencial, e proibia-se o uso para apenas permitir o da Apis mellifera", diz Roberto Smeraldi, 49, diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.

"Saímos da clandestinidade da criação, porém estamos nessa transição. Pode-se manejar e produzir mel, mas não há um RG para ele. É um produto sem nome nem sobrenome. Não pode ser chamado de mel." O regulamento em vigor, de 1952, está em revisão. "Esperamos que a nova versão seja publicada até o final do ano. Lá está previsto o mel de abelha indígena", diz Turchetto Junior.

Smeraldi compara o tratamento ao mel de abelhas indígenas sem ferrão à proliferação do eucalipto na silvicultura. "Não se pode manejar a floresta nativa, o mogno, o jatobá, a andiroba, que são de grande qualidade e de valor altíssimo. Usa-se o eucalipto, da Austrália, e as espécies nativas ficam para o mercado clandestino."

Mais úmido e ácido

Menos adocicado, o mel de Meliponíneas tem um toque ácido que torna seu sabor especial. A composição físico-química, de fato, é diferente. "O mel das abelhas indígenas é bem mais úmido que o de Apis mellifera [europeia] e o de Apis mellifera scutellata [africana]. E é mais ácido", diz Paulo Nogueira-Neto, 87, professor titular emérito da USP e um dos maiores especialistas em abelhas indígenas sem ferrão.

"Hoje, só há mel da abelha africana. Praticamente não existe mais europeia aqui. A Apis produz mais, mas o mel das indígenas vale dez vezes mais, porque tem um gosto diferente e possui mais antibióticos. Isso foi constatado pelo Instituto Adolfo Lutz."

Na tabela de parâmetros para o controle de qualidade do mel, a umidade exigida para a Apis é de, no máximo, 20% -as indígenas chegam a 35%. E é necessário um mínimo de açúcares redutores: 65%, na Apis -- nas Meliponíneas é de 50%.

Esses índices influenciam a vida do mel. A concentração maior de água favorece a fermentação, diminuindo a vida útil. "Muitos identificam fermentação com algo necessariamente ruim", diz o diretor da Amigos da Terra. "Para mim, é exatamente a coisa extraordinária do mel de abelha nativa, porque isso proporciona um leque de usos em cada estágio."

O chef Alex Atala, do D.O.M., já usou mel de jataí em seu menu-degustação, sobre uma sardinha grelhada. "São méis de notas particulares e complexas, evito interferir no sabor dele."

Metamorfose do mel

Se o que difere o mel das abelhas indígenas, além do sabor, é a umidade, há produtores que optam pela desumidificação. "Foi a orientação que muitos receberam de órgãos públicos, até de governos estaduais", diz Smeraldi. "Ou seja, para o índio ser chamado gente, tem de pintar a pele dele e fazê-lo mais branquinho. É essa a resposta simplista inicial. Você admite a diversidade desde que o mel se torne próximo do outro. Ele não pode ser como é", lamenta.

Para o professor emérito da USP, que tem "umas 500 colmeias" só para observação e pesquisa, o macete "tem suas vantagens", porque diminui a fermentação, facilitando a armazenagem, "mas perde" no quesito sabor. E não só.

Quando a desumidificação é feita por meio de processos associados a aquecimento, há outro porém: "Se você o aquece, ele perde o valor nutricional e os antibióticos naturais", diz Marilda Cortopassi-Laurino, 59, pesquisadora do Laboratório de Abelhas da USP. "Vira um açúcar. E é muito caro para ser usado como adoçante."

"O problema não é técnico, é de boa vontade. [A demora na definição de uma legislação específica] É por causa de uma lei. A lei do menor esforço", diz o professor Nogueira-Neto.

Na Amazônia, mel se adapta e obtém SIF

Quase sempre clandestino, o mel de abelhas indígenas sem ferrão está sendo produzido legalmente (isto é, com Selo de Inspeção Federal), em Boa Vista do Ramos (AM), desde janeiro. "O mel passou por análises físico-químicas e biológicas que atestaram a inocuidade e a qualidade", diz Fernando Oliveira, 46, diretor do Instituto Iraquara. "Para se enquadrar na legislação, desumidificamos o mel, igualzinho se faz com o de Apis. Sai do entreposto como o mel de Apis, com 20% de umidade."

  

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