A agroindústria e o bem-estar animal 15/10/2015
- Alexandra Forbes - Folha de S.Paulo
Metade dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos é administrada em animais, especialmente aqueles confinados em jaulas e gaiolas pela agroindústria, como profilaxia.
Esses remédios podem passar para a carne, o leite e os ovos consumidos por humanos, e para seus corpos, tornando-se menos eficazes na hora de tratar doenças (as bactérias transformam-se para resistirem ao remédio ao qual que já foram expostas).
Quem diz é o escritor e jornalista Mark Bittman, que depois de anos assinando uma coluna sobre comida no jornal "The New York Times" pediu as contas para dedicar-se em tempo integral à advocacia em prol de alimentos sãos.
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No Brasil, esse número não é divulgado, mas sabe-se que quase todo o gado toma antibióticos como profilaxia, em maior ou menor quantidade.
Peixes de criatório, porcos e galinhas, mais ainda, porque, em sua maioria, vivem engaiolados em condições nada saudáveis e propensas ao alastramento de doenças.
O desagradável tema da crueldade a que são submetidos esses bichos pela agroindústria -- e os efeitos dos maus tratos no produto final que acaba na nossa cozinha -- entrou em pauta há anos na América do Norte e na Europa mas aqui quase nunca é discutido.
Chefs famosos vivem pregando o uso de ingredientes orgânicos, o consumo de carnes de animais criados soltos e sem remédios e peixes selvagens pescados com consciência, mas o discurso deles é como agulha no palheiro.
Perde-se perante a monumental indústria alimentícia e seus números nos bilhões.
A verdade é que mudanças significativas na maneira com que produzimos e consumimos comida só acontecem a força, quando os grandes players usam seu peso e influência.
O melhor exemplo foi o anúncio do McDonald's americano, no mês passado, de que deixará a partir do ano que vem, gradualmente, de comprar ovos de galinhas criadas em gaiolas (cada uma passa a vida em um espaço equivalente a um papel tamanho A4).
A rede de fast food consome 4% do total dos ovos produzidos nos Estados Unidos e no Canadá.
A agroindústria será obrigada, portanto, a ouvir e fazer mudanças, instalando galinheiros mais cômodos e maiores.
O Mc Donald's não faz mais do que seguir a tendência mundial.
Além de banirem as gaiolas de galinhas, muitas empresas de alimentação nos Estados Unidos, inclusive Subway e Burger King, prometeram parar de comprar carne suína de produtores que criam as porcas nas chamadas gaiolas de gestação.
Essas gaiolas de porcas foram banidas da União Europeia em 2013 e se tornarão ilegais no Canadá e na Nova Zelândia até 2017.
O Brasil está atrasado e aqui mal se fala nesse assunto tabu.
Algumas iniciativas fogem à regra.
O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) assinou acordo em novembro em que se compromete a ajudar suinocultores a melhorarem suas práticas e defasarem o sistema de gaiolas.
O Walmart premia anualmente empresas que comprovem a implantação de medidas que minimizem os danos ao meio ambiente e/ou melhorem as condições de criação de animais.
Como recompensa, os produtos premiados são promovidos, aumentando consideravelmente as vendas na rede de hipermercados.
Um exemplo: a maionese Hellmann's, da Unilever Brasil, incentiva os fornecedores de óleo de soja certificado e os produtores de ovos de galinhas criadas soltas.
Segundo o Walmart, a JBS, maior vendedora mundial de carne bovina -- quem diria! -- "atuou em toda a cadeia produtiva do hambúrguer bovino Friboi, com ações para melhoria do monitoramento socioambiental dos fornecedores de gado (...) e para adoção de cuidados visando o bem-estar animal".
É um começo, mas a JBS, como outras gigantes da pecuária nacional, ainda tem muito o que melhorar.
A empresa já foi impedida mais de uma vez de exportar por detectarem em lotes de carne quantidades de vermífugo acima do tolerado por países como Rússia e Estados Unidos.
O tema, além de árido, envolve inúmeras outras variáveis -- desde o fato de criações de gado contribuírem mais até do que carros, caminhões e aviões somados para o efeito estufa, pelo metano que soltam na atmosfera, aos milhares de quilômetros quadrados de floresta derrubados anualmente para fazerem pastos.
Só que, enquanto o consumidor não se importar e a grande imprensa pouco reportar, nada vai mudar.
Comer e comprar comida não são atos inconsequentes.
Pense nisso na próxima vez que fritar ou ovo ou se deparar com uma geladeira repleta de carne industrializada no seu supermercado.