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Nem mulheres votam em mulheres por causa de uma expectativa masculina, afirma antropóloga
20/08/2018 - GABRIEL HIRABAHAS - ÉPOCA

Segundo Débora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brasília, se não fossem as cotas estipuladas para que as mulheres representem 30% do número de candidatos, a representação feminina ainda seria menor.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou nesta semana que as mulheres representam 30% do total de candidatos registrados para as eleições de 2018.

O percentual é o mínimo estipulado por lei. Segundo a antropóloga da Universidade de Brasília e ativista pela igualdade de gênero, Débora Diniz, a baixa representatividade das mulheres na política (elas são mais de 50% da população) está relacionada à “expectativa masculina” que se tem de quem deve ocupar os cargos políticos.


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Enquanto isso não mudar, de acordo com Débora, nem as mulheres votarão nas mulheres.

Débora, que é a favor da descriminalização do aborto, sofreu ameaças de morte recentemente e recebe medidas protetivas do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo federal.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Débora.

Os partidos conseguiram, para as eleições deste ano, atingir a margem mínima de 30% das vagas de candidatos para mulheres. Mas elas formam a maioria da população. Por que elas são sub-representadas nas candidaturas e na política?

– O Brasil é um dos países da América Latina com menor representação das mulheres na política. Uma história de desigualdade de gênero, machismo, está em todos os países da nossa região.

E outros países como o México já conseguiram atingir uma representação política que não conseguimos. A Argentina também, por exemplo. Precisamos mudar a forma de fazer política.

Há formas, estilos, expectativas que são extremamente masculinas. Precisamos alterar formas de reconhecimento das meninas, no processo educacional, como representações, vozes ativas, como legítimas para serem reconhecidas como lideranças políticas.

Por que mulheres não votam em mulheres? Precisamos mudar as formas de reconhecimentos sobre qual a expectativa de quem me representa no poder político.

Enquanto for essa expectativa masculina, as mulheres não conseguem furar o cerco dos 30% nem serem elas as eleitas, porque sequer as mulheres vão votar nelas.

O fato de haver ploucas mulheres nas cúpulas dos partidos alimenta essa baixa representatividade?

– São as duas coisas. É um sintoma e um regime de silenciamento. As mulheres nem nos partidos ascendem a cargos de poder e liderança. Mas também é sinal do silêncio.

Pautas das mulheres não são consideradas pautas universais como as masculinas. Quando falamos de direitos de trabalhadores e depois os de trabalhadoras, parece que é algo específico, mas é algo universal.

Pautas essencialmente femininas são em geral consideradas pautas perigosas para os partidos.

Como isso poderia ser mudado?

– Essas pautas enfrentam resistência em setores conservadores da sociedade e os partidos optam pelo pragmatismo de não perder o voto dessas pessoas.Eu não chamaria de pragmatismo. É quase um oportunismo. Não podem ceder a isso.

Um exemplo: quando mulheres vão ao confronto e há exaltação, os homens são bravos, as mulheres são histéricas. Situações como essa deslegitimam e desqualificam as mulheres no ambiente político.

Quando vemos mulheres sendo desqualificadas pelas roupas, corpo ou até saúde mental, são desqualificações moral de sua capacidade de representação política. Nós não vemos isso sendo imputado aos homens.

Como a baixa representatividade das mulheres reflete nas políticas públicas?

– Quando temos ausência de um grupo tão importante, como o das mulheres, temas fundamentais são ignorados, como a urgência de creche. Ou o transporte público para mulheres trabalhadoras à noite.

Garantia de políticas públicas para o principal emprego de mulheres no Brasil, que é o emprego doméstico. Desde questões relacionadas à infância no cuidado de crianças, como creches, até transporte, saúde ou trabalho, não temos uma discussão sobre a precarização do trabalho.

O que a senhora colocaria como política pública viável para o programa dos candidatos?

– Qualquer candidato, para ser levado a sério, tem que enfrentar seriamente a questão das creches públicas, o retorno das mulheres ao mundo do trabalho imediamente após o fim da licença maternidade, a garantia de que o aborto seja considerado uma questão de saúde pública.

E nenhum candidato sério pode evitar o debate sobre igualdade de gênero e o ensino nas escolas.

Se passar a dizer que não se pode falar sobre igualdade de gênero nas escolas, daqui a dez anos nem os 30% de mulheres vamos ter.

Para os que acreditam na naturalização do feminino, o lugar da mulher não é na política. É na casa.

Qual avaliação faz da política pública de cotas, tanto na representação quanto na distribuição de recursos? É o suficiente?

– Nenhuma política de cotas é suficiente para a igualdade. É um instrumento forçoso em extrema desigualdade. Representam uma correção em situação de desigualdade extrema. Sem ela, seria ainda pior.


  

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