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DIA A DIA

Dona Eduwirges, caminhoneira, hoteleira e 1º "banco" de Vilhena
25/12/2010 - Julio Olivar - Especial para Agência Amazônias

Quem vê a velhinha com semblante tranqüilo preparando o almoço não pode imaginar o quanto de história ela protagonizou. Até hoje, aos 89 anos, ela mantém organizada sua casa, florida e cheirando a limpeza. A bagagem de dona Eduwirges Duarte bem caberia num roteiro cinematográfico. Mulher destemida e de vanguarda, a pioneira vilhenense viveu uma bela história de amor e se impôs num universo dominado pelos homens.

Filha de uma italiana e um mineiro enérgicos, nasceu em Chavantes, uma centenária cidadezinha paulista, na divisa com o Estado do Paraná. Ainda hoje aquela cidade não passa de 15 mil habitantes. Foi lá que nasceu em 10 de março de 1921, com a sina de ser igual às tantas moças prendadas da época.

Ela até tentou ser mais uma. Não estudou em escola formal, aprendeu apenas a assinar o nome e ainda hoje ostenta na parede da sala de sua casa o certificado de conclusão do curso de corte e costura, datado de 1934. Precoce, ainda adolescente montou um ateliê, que garante ter sido muito prestigiado num tempo em que não existiam lojas com roupas feitas.


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Da costura ao caminhão

O espírito inquieto não a deixou contentar-se com aquele universo reservado às “moças de família”. Com visão e coragem para encarar tarefas antes designadas apenas aos homens, parou de costurar para tornar-se caminhoneira. Era década de 1940. “Comprei o caminhão por 40 contos [de réis, moeda corrente à epoca]. Eu tinha quatro filhos e o mais velho estava com dez anos. Estava separada e comecei a viajar transportando telhas das cerâmicas de Ourinhos (SP). E foi assim que conheci essa região de Rondônia, que era apresentada como uma terra nova e de futuro”, revela.

Eduwirges não estava com o pai de seus filhos. Desde 1940 vivia um romance com um argentino que conhecera em Cândido Mota (SP). Era Augusto Mailho, um ex-delegado de polícia atuante no Estado do Paraná. Inteligente e seguro de si, Gustão, como era conhecido, tinha uma cultura avançada para os padrões de então. Não censurava a independência da mulher e, pelo contrário, se associava a ela nas suas “aventuras”. Os dois nunca se casaram oficialmente. Foram eternos namorados e viveram em harmonia; os descendentes dele costumam visitá-la em reverência a tudo o que ela representou para o patriarca da Família Mailho, que deixou muitos descendentes na região.

Hoteleira

Juntos por longos 46 anos, só se separaram em 1986, com a morte de Gustão, aos 72 anos. O casal chegou a Rondônia em 1967. A princípio, eles se instalaram num sítio em Pimenta Bueno e, cada qual, manteve o seu caminhão toreiro. Em 1973 vieram para Vilhena e, no começo, tocaram um bar nas proximidades do antigo aeroporto. Em seguida, compraram o primeiro hotel que havia na cidade, o Cinta-Larga, que rebatizaram de Hotel do Gustão.

Na ausência de um titular, seu Gustão atuou, por um curto período, como delegado de polícia em Vilhena. “Naquele tempo, iam acordá-lo de madrugada para prender alguém numa cadeia de tábua”. Enquanto isso, dona Eduwirges tomava a frente do seu bem-sucedido hotel.

Não conhece as letras, mas sabe de memória a gênese de Vilhena; conviveu com as autoridades e vultos que construíram a cidade. Antes de existir agência bancária, era o casal que fazia o papel de banco; cuidava dos malotes de dinheiro de empresários e fazendeiros de várias partes do País que vinham para cá abrir fazendas no Cone Sul. Dentre eles estava o célebre pecuarista Ovídio Miranda Brito, cujo nome foi dado ao Parque de Exposições de Vilhena.

“Nunca fui assaltada. Guardava tudo em um velho sofá, ninguém sabia que às vezes estava sentado sobre uma fortuna”, recorda. Foi o casal quem se empenhou para a vinda da primeira agência bancária vilhenense, a do Bamerindus [hoje HSBC], em 1976. “Mostramos que Vilhena tinha futuro, que era viável virem para cá”, afirma.

Índios nus e falantes

Dona Eduwirges sempre foi destra no trato com todo o tipo de gente. Caminhoneira, comerciante e exímia atiradora [aprendeu a atirar com o eterno namorado Gustão], não se abismava com nada. Isso até encontrar, em Vilhena, uma nova cultura: a indígena.

“Confesso que eu achava estranho. Eles andavam todos nus e em bando pelas ruas da vila. Às vezes, chegava aquela turma para me visitar e eu não entendia nada do que falavam”, relembra.

Apesar do choque cultural, dona Eduwirges garante ter sempre respeitado os nativos e que a recíproca era verdadeira. “Eram pessoas boas”, resume. Para distingui-los, já que não compreendia a língua nambiquara, ela rebatizou um a um. Chamava-os por nomes comuns na cultura dominante. “Passaram a ser, para mim, Maria, João, Ana, e assim por diante. E de tanto eu chamá-los assim, eles também começaram a se tratar pelos nomes de brancos”, conta.

Eduwirges também providenciava roupas para os índios, enquanto eles estavam em sua presença. “Mas não adiantava muito. Bastava eu virar as costas que eles arrancavam tudo, penduravam nas cercas e árvores e seguiam nus para as tribos”.

Aos poucos, os índios Joões e Marias foram se “aculturando” e muitos se tornaram desaldeados. Era o fim de um tempo mágico do qual dona Eduwirges sente muitas saudades.

  

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