Parece pérola, mas é arroz 16/02/2012
- Coluna Paladar - O Estado de S.Paulo
Um pequeno grão com formato de pérola tem um terço do tamanho do arroz branco tradicional, mas carrega um sonho ambicioso: o de ser o primeiro ingrediente de uma linha de produtos brasileiros cultivados por pequenos produtores achatados pelo agronegócio.
Apresentado com exclusividade ao Paladar, o miniarroz plantado pelo rizicultor de Pindamonhangaba José Francisco Ruzene, o Chicão, será lançado em março sob o rótulo Retratos do Gosto.
Chicão foi escolhido por Alex Atala, idealizador e curador do movimento gastronômico. "A concepção do projeto e a vontade de montar esta cadeia são antigas", conta Atala, que tem como parceira a Mie Brasil, empresa de desenvolvimento de marcas de alimentos. "Todo ingrediente brasileiro pode entrar, desde que tenha um DNA sustentável e venha de um esforço humano real. A ideia é mostrar uma diversidade de produtos e também de profissionais brasileiros engajados não só na cozinha brasileira, mas também na conscientização ambiental e social. Não dá para pensar na conservação da natureza sem proteger mar, rios e florestas. Mas é necessário cuidar de um elemento natural que está compreendido nesse conjunto, o homem. Queremos dar viabilidade ao pequeno produtor rural."
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Apadrinhado pelo chef do D.O.M. quando começou a plantar arroz preto, Chicão vendeu integralmente a primeira safra comercial de seu miniarroz, colhida em janeiro, para a Retratos do Gosto. "Banquei antecipadamente as quase 40 toneladas", diz o empresário Gustavo Succi, da Mie Brasil. "Ele deu um preço, e eu não discuti, porque queremos trabalhar nosso comércio da maneira mais justa possível."
Por dois anos, a Retratos do Gosto terá exclusividade na comercialização do miniarroz - ah, não ouse chamar o grão de bolinha; Chicão não quer que o apelido pegue. A intenção é lançar, a cada três meses, um novo produto. Os próximos serão os nibs e as amêndoas de cacau da Amma.
"Eu poderia facilmente lançar dez produtos, mas não quero fazer uma cesta gigantesca. Porque meu sonho não é só mostrar os produtores. É mostrar a quantidade de bons chefs que a gente tem hoje. Não deixa de ser uma convocatória a quem quiser participar. A ideia é que outros chefs abençoem seus produtores ou seus produtos. O desdobramento do projeto serão novos Chicões e novos Atalas", diz o chef.
Sócio da marca, Atala não receberá os 25% que lhe caberiam (nem os outros chefs que forem participar). A quantia será revertida ao próprio produtor, que poderá usar o dinheiro no desenvolvimento de projetos agrícolas ou sociais. "O Chicão foi chacota dos produtores do Vale do Paraíba durante um tempo. Todo mundo plantando arroz branco, e o louco foi cultivar o preto. Hoje ele está transformando o entorno dele e outros produtores estão plantando os arrozes dele", diz o chef.
A expectativa de Atala e Succi é que a Retratos do Gosto tenha, em três anos, ao menos 30 produtos. "Se em menos de dez anos apareceram estes dois arrozes (o preto e o míni), outras coisas devem estar para vir. Precisa continuar alimentando a curiosidade do pequeno produtor rural", diz Atala. "Vamos tentar quebrar a barreira e entrar nos supermercados. A mais longa caminhada começa com o primeiro passo. A frase é de um cara de que eu não gosto, o Mao Tsé-tung, mas é boa."
Cacau em pedacinhos
Os nibs e amêndoas de cacau da Amma serão os próximos lançamentos da Retratos do Gosto. Orgânico, o cacau é cultivado no sul da Bahia, na fazenda de Diego Badaró. Ambos podem ser usados no preparo de sorvete, bolos e em receitas salgadas. "Dá para empanar carne nos nibs e grelhar numa chapa bem quente", diz Diego, que sempre quis difundir o consumo de cacau além do chocolate. "E o projeto tem tudo a ver com a nossa missão, de conectar o homem à natureza", diz.