Safra de R$ 56,1 bi aponta para a recuperação da agricultura 09/01/2007
- Márcia De Chiara e Cleide Silva - O Estado de S.Paulo
Aumento na receita é de 22,7%, após dois anos de queda; em volume, é apenas 1,1 milhão de toneladas a mais
O inferno astral da agricultura está chegando ao fim, apesar da safra deste ano ainda não ser nada espetacular em volume. A receita com a produção de grãos que começa a ser colhida no mês que vem deve somar R$ 56,1 bilhões, segundo estimativas da RC Consultores.
O crescimento é de 22,7% em relação à receita de 2006. São mais de R$ 10 bilhões adicionais no bolso do agricultor, depois de dois anos consecutivos de queda na renda e descapitalização. Entre arroz, feijão, milho, soja, algodão e trigo, o País deverá colher 118 milhões de toneladas, só 1,1 milhão a mais do que no ano passado.
O motor da recuperação da agricultura de grãos é a disparada dos preços do milho e da soja no mercado internacional, impulsionados pelo programa de produção de álcool nos Estados Unidos, além da quebra na produção de trigo americana. Os agricultores dos EUA vão reduzir a área plantada de soja e destinar maior volume de milho para extração do álcool.
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O impacto dessa decisão nos preços do milho e da soja já é visível. A saca de milho de 60 quilos está cotada atualmente em R$ 26 no mercado doméstico de Campinas (SP). É o maior nível de preço desde 2002 e quase 50% acima do mesmo período do ano passado, segundo a consultoria Safras & Mercado.
O valor da saca de soja de 60 quilos para ser entregue neste semestre já atingiu no mercado interno R$ 32. A cotação é considerada acima da média de R$ 25 para o período.
¨Há uma mudança estrutural na agricultura com a decisão dos EUA de ampliarem a produção de álcool de milho¨, afirma o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira. Segundo ele, esse efeito sobre os preços da soja e do milho não se esgota nesta safra e deverá ter reflexos nos próximos anos. ¨É óbvio que em algum momento os preços tenderão a ceder um pouco¨, pondera.
Como os EUA não têm área de fronteira agrícola, ampliar a produção de milho significa reduzir a produção de soja. Com isso, o Brasil ganha com os dois produtos, observa Silveira.
A produção de milho deverá somar neste ano 42,5 milhões de toneladas, só 1% mais do que a obtida em 2006. O motivo do crescimento inexpressivo é a redução da área plantada em torno de 2% e a descapitalização do agricultor, atropelado pela valorização do real, a relação de troca desfavorável em relação aos insumos e o acúmulo de dívidas.
Para 2008, a RC consultores projeta um acréscimo de 8% na produção de milho, que deve alcançar 45,5 milhões de toneladas. O aumento do consumo doméstico e das exportações são os fatores que devem puxar o crescimento do plantio.
Com a explosão dos preços do milho, o presidente da Perdigão, Nildemar Secches, acredita que o grão pode mudar o perfil da agricultura brasileira, como ocorreu com a soja a partir dos anos 70, que se tornou um forte produto de exportação.
As perspectivas para a agricultura de grãos começaram a melhorar desde meados do ano passado, por causa da escassez do produto no mercado doméstico. Mas, segundo Silveira, a recuperação se intensificou a partir de outubro por causa de fatores externos. Tanto é que a venda de tratores e máquinas agrícolas já mostrou uma reação no último trimestre de 2006 e deve ter forte impulso neste ano. Também a venda de fertilizantes, estável em 2006, deve crescer pelo menos 7% neste ano.
Paulo Molinari, consultor da Safras & Mercado, também acha que a agricultura está saindo do buraco.
¨Não é a Alice no País das Maravilhas, mas certamente o agricultor começa a se equilibrar depois de um longo período de descapitalização.¨
Na avaliação do consultor, o efeito do avanço do programa de álcool dos EUA só deixou mais evidente a recuperação que estava em curso. No caso do milho, Molinari aponta como fatores de alta de preço a queda na área plantada no Centro-Sul do País, o fato de o câmbio ter atingido o fundo do poço e a redução pela metade dos estoques americanos do grão. ¨O efeito do etanol está ampliando a demanda por milho entre 5 e 6 milhões de toneladas por ano nos últimos cinco anos.¨
No caso da soja, a produção brasileira deste ano será de 52,5 milhões de toneladas, praticamente o mesmo volume de 2006. Mas o avanço na receita de R$ 24,5 bilhões é significativo, de 18,9% ante 2006. Molinari diz que a cotação de R$ 32 a saca para entrega neste semestre é um preço ¨muito bom¨.
Retomada chega ao setor de máquinas agrícolas
Fabricantes de máquinas agrícolas, que nos últimos quatro anos viram os negócios despencar 40%, esperam consolidar a recuperação iniciada em 2006, quando as vendas apresentaram aumento de 10%, interrompendo ciclo de três anos de queda. O setor acredita que o bom rendimento esperado pelos agricultores na safra a ser colhida entre fevereiro e abril vai reverter na aquisição de novos tratores e colheitadeiras para o plantio do segundo semestre.
A aposta é de aumento de 13% nas vendas de máquinas agrícolas este ano, quase o dobro dos 7% projetados pela indústria automobilística para o mercado de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus.
O índice é considerado ¨um piso¨ pelas empresas de equipamentos agrícolas.
¨Talvez seja até uma projeção conservadora, pois o agricultor precisa do maquinário que não conseguiu comprar nos últimos anos¨, diz o vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Persio Luiz Pastre.
Para ele, a recuperação será consistente a ponto de, no próximo ano ou mais tardar em 2009, as vendas voltarem à média de quase 40 mil unidades alcançada no período 2002-2004.
A expectativa de firme retomada do mercado agrícola ajuda empresas a dar andamento em novos projetos. A John Deere inicia no meio do ano a produção de tratores em uma fábrica no município de Montenegro (RS), a 50 quilômetros de Porto Alegre. A inauguração vai ocorrer um ano depois do previsto. No ano passado, as vendas de tratores da marca caíram 0,9% ante 2005, para 1.739 unidades, e as de colheitadeiras diminuíram 37,3%, para 549 unidades.
O segmento de colheitadeiras foi um dos mais atingidos pela crise agrícola. As vendas totais, que em anos anteriores ficavam na casa de 5 mil unidades desabaram para cerca de mil máquinas em 2006, ¨um volume ridículo¨, atesta Pastre. Todas as fabricantes suspenderam a produção durante quatro meses e deram férias coletivas aos funcionários. ¨Esse quadro não vai se repetir este ano¨, afirma o executivo da Anfavea.
A John Deere investiu US$ 220 milhões na nova fábrica, que deve empregar cerca de 500 trabalhadores. A atual, em Horizontina (RS), vai concentrar a produção de colheitadeiras e plantadeiras e também recebeu US$ 30 milhões em investimentos. Outra unidade em Catalão (GO) produz colhedoras de cana-de-açúcar.
MAIS RENTÁVEL
A safra dos produtos plantados a partir de julho terá preços melhores, pois os custos de insumos diminuíram, as condições climáticas foram boas e a produtividade aumentou. Será uma safra mais rentável, acredita Franco Pallaro, vice-presidente comercial para América Latina da Case New Holland (CNH). A empresa espera crescimento de 20% nas vendas da marca este ano. Em 2006, o grupo vendeu 4.150 tratores e 473 colheitadeiras. ¨Enxergo uma boa retomada neste ano para o mercado agrícola brasileiro, mas não sei em que velocidade¨, diz Pallaro.
Para Fabio Piltcher, diretor de Marketing da Massey Ferguson, do grupo Agco e líder no mercado de tratores, o endividamento dos agricultores ainda é elevado, o que pode impedir aumento maior do consumo. Ele aposta em aumento de 8% a 13% nas vendas este ano, puxadas pelos segmentos com bom desempenho como cana-de-açúcar, café, milho e soja, este último com importante ajuda da utilização do biodiesel. As vendas da Massey cresceram 10% em 2006, para cerca de 6.400 tratores.
A estabilidade na área de grãos e o preço das commodities em alta ajudam o agricultor a recuperar a capacidade de compra, confirma Silvio Rigoni, gerente da Agrale. Com fábrica em Caxias do Sul (RS), a Agrale concentra sua produção em tratores pequenos, utilizados na agricultura familiar, e teve aumento de 27% nas vendas em 2006 em relação a 2005, com 1.717 máquinas.
¨A estabilidade nesses últimos meses nos deixa otimistas para 2007 e projetamos pelo menos mais 15% de crescimento¨, diz Rigoni. A empresa prepara pelo menos dois lançamentos para ampliar a linha de produtos.
A indústria de máquinas agrícolas encerrou 2006 com cerca de 13 mil funcionários, 200 a menos do que em 2005.