Para criadores, moda é arte e merece incentivo fiscal 29/10/2012
- Pedro Diniz e Vivian Whitman - Folha de S.Paulo
"O governo tem de fazer como a Antuérpia [Bélgica] fez com seus estilistas, como o Japão fez: nesses lugares há incentivos para apresentações de moda", afirma o estilista Reinaldo Lourenço.
Lourenço foi um dos estilistas que pediram à ministra Marta Suplicy que a Lei Rouanet possa ser usada para o financiamento de desfiles.
O texto atual do mecanismo de incentivo à cultura via renúncia fiscal não inclui normas que possam ser aplicadas a esse tipo de evento.
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O designer estende seu raciocínio. "Temos de compreender que a moda é uma forma de arte. Quando a crítica especializada escreve sobre desfiles, por exemplo, sua argumentação se baseia na ideia de que aquela apresentação é um objeto artístico."
No encontro dos criadores de moda com Marta Suplicy na semana passada, também foram discutidas questões da cadeia de produção, como taxas de importação, acesso a matéria-prima, decadência da indústria têxtil local e especialização de mão de obra.
Para o estilista Samuel Cirnansck, medidas de apoio devem vir acompanhadas de outras de cunho educacional.
"A população não pode achar que desfile é um bando de loucos fazendo festa. E não se trata de popularizar as apresentações, mas de torná-las bens culturais. Na França, desde o século 15 o Estado reconhece a moda como patrimônio cultural e a apoia financeiramente", analisa.
Em entrevista à Folha em 2010, Juca Ferreira, então ministro da Cultura, disse que a moda tem estrutura de produção similar à do cinema.
"Para a realização de um filme, você precisa de dinheiro para produzi-lo, dinheiro para pós-produção e, depois, distribuição. Há um trabalho artístico ali, com fins lucrativos. A moda segue a mesma lógica", disse na ocasião.
Marta Suplicy frisa seu interesse em ajudar o setor. Mas indica que o apoio deve vir de outros caminhos que não a Rouanet -- até porque o projeto de reforma da lei, chamado Procultura, encontra-se em tramitação no Congresso.
Defendido como uma proposta capaz de definir uma visão mais abrangente do setor cultural -- o que interessa à moda --, o projeto, se aprovado, substituirá a lei atual.
"É preciso estudar mais, e a solução pode estar na nova lei em tramitação ou em outro recurso do ministério. Mas o certo é que reunir o grupo, pensar soluções, compreender que o universo de possibilidades pode ser maior é um grande passo", diz Marta.
O ProCultura, que propõe descentralizar e equilibrar a distribuição de recursos pelos Estados, pode atender a uma das maiores queixas da moda e de todos os setores culturais no Brasil: a de que o eixo Rio-São Paulo concentra a quase totalidade dos projetos que recebem apoio financeiro, seja do governo, seja de empresas privadas.
"Somos um país com talentos espalhados, isso ficou bem claro nas minhas pesquisas para o ministério na época do Juca [Ferreira]. A gestão Ana de Hollanda escolheu ignorar todas as demandas que identificamos, e acho que uma das grandes missões da nova ministra é dar voz a quem não é ouvido", afirma a consultora Didi Rezende.