Mato Grosso concentra usinas de biodiesel 19/03/2007
- Patrícia Cançado - O Estado de S.Paulo
O interior de Mato Grosso transformou-se num verdadeiro canteiro de obras. Boa parte das usinas que irá entrar em operação daqui em diante escolheu a região por conta da proximidade da matéria-prima - no caso, a soja e o algodão -, do alto consumo e do custo do diesel, um dos mais elevados do País.
A expectativa é de que o combustível alternativo seja fonte mais barata para abastecer as frotas locais. Boa parte do combustível que sairá das duas usinas da Agrenco em Mato Grosso, por exemplo, será destinada aos 1.800 caminhões da empresa, às locomotivas da ALL e à frota dos agricultores, fornecedores de matéria-prima. ¨Mato Grosso será, disparado, o maior produtor brasileiro de biodiesel. Sua produção deve chegar a 800 milhões de litros por ano em dois a três anos¨, diz o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira.
É uma questão de lógica, segundo o presidente do Grupo Maeda, Jorge Maeda. ¨A conta começa a ser economicamente viável mesmo no interior do Brasil, que é longe dos portos, das refinarias da Petrobrás e da infra-estrutura logística. O biodiesel tem mais chances de dar certo no meio do mato¨, acredita o empresário.
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Maeda é um dos mais novos entusiastas do combustível alternativo. Ele e outros 380 produtores de algodão de Mato Grosso se reuniram para criar a Cooperbio, uma usina de biodiesel com capacidade para 100 milhões de litros por ano, que terá o algodão como principal matéria-prima. As obras estão em andamento e a previsão é de que a usina entre em operação em outubro.
¨A usina tem matéria-prima e consumo garantido. Quanto maior o produtor, maior é a cota na Cooperbio¨, diz João Luiz Persa, presidente da cooperativa e produtor de algodão em Primavera do Leste (MT). Os produtores estão investindo R$ 30 milhões na usina, com financiamento do Banco do Brasil e do BNDES.
¨Esse é um projeto espetacular. A gente vai produzir na ´porta da cozinha´ e não vai pagar imposto, pois não se trata de uma operação comercial. Isso gera eficiência e competitividade para o agronegócio brasileiro¨, diz Maeda.
Os grandes agricultores não querem ficar de fora. O Grupo Amaggi, maior produtor de soja do País, está fazendo estudo de viabilidade econômica do negócio. No fim de 2006, uma turma de 18 produtores de soja e algodão do Centro-Oeste contratou a consultoria Metacortex, do grupo português Espírito Santo, para conduzir um estudo sobre o combustível verde.
¨Estamos em fase de apresentação do projeto a investidores brasileiros e estrangeiros. Boa parte do dinheiro já está captada¨, diz o presidente da Metacortex, Renato Giraldi.
A usina vai nascer com capacidade de produção de 100 milhões de litros. Após os primeiros cinco anos de operação, o plano é dobrar a capacidade. O combustível terá como base os óleos de soja, girassol, dendê, pequi, macaúba, algodão e mamona. ¨Trata-se de uma usina integrada que, além de biodiesel, produzirá óleos vegetais¨, explica Giraldi. Estima-se que o projeto consumirá mais de R$ 300 milhões.
Biodiesel atrai grandes grupos e investimentos de R$ 1,2 bi
A Agrenco é um bom retrato do agronegócio moderno brasileiro. O escritório de São Paulo fica em um edifício de última geração. Na sala do presidente, a tela do computador é de cristal líquido, tem 42 polegadas e está pregada na parede. Ali, o paulista Antonio Iafelice, fundador e maior acionista, faz contato com os escritórios da Argentina, Inglaterra, Itália, França e de Cingapura. Dos 106 funcionários, 26 têm mestrado e 6 são PHD. Iafelice é um dos três do time com mais de 50 anos.
O grupo agrícola, criado há 15 anos na França e com sede na Holanda, é especializado nas áreas financeira, de comercialização, tecnologia e logística. O mais novo negócio é o biodiesel. Em sociedade com o grupo japonês Marubeni, a Agrenco está à frente de um dos maiores projetos de biodiesel anunciados até agora no País. Em dois anos, suas três usinas - duas em Mato Grosso e uma no Paraná - deverão atingir produção de 380 milhões de litros por ano de biodiesel feito a partir de soja, outras oleaginosas e gordura animal.
A Agrenco faturou US$ 1,4 bilhão em 2006 e espera dar um salto em 2008, quando seus três complexos de bioenergia (que além de gerar energia vão produzir biodiesel) estiverem operando a plena carga. Até lá, o grupo prevê receitas de US$ 2,5 bilhões.
¨Passei a vida dando lucro para os outros. Agora chegou a vez de lucrar com minhas idéias¨, diz Iafelice, considerado um dos executivos mais influentes do agronegócio atual, segundo o professor da Harvard Business School, Ray Goldberg, um dos maiores especialistas americanos no assunto.
O projeto da Agrenco é parte do segundo ciclo do biodiesel no País. O filão, até então dominado por projetos experimentais, apenas para consumo próprio, virou negócio de gente grande. Passa agora a ser disputado por grupos capitalizados, dispostos a investir centenas de milhares de reais em usinas de grande porte para abastecer os mercados nacional e internacional. Neste ano, os investimentos no setor devem dobrar e atingir R$ 1,2 bilhão.
Só o volume de combustível alternativo que sairá da Agrenco a partir de 2008 é cinco vezes maior que tudo o que foi produzido no País no ano passado. Neste ano, a produção deve ser quase dez vezes superior à de 2006, segundo o Ministério das Minas e Energia. Os números ainda são considerados modestos.
¨O consumo tende a crescer a partir de 2008, quando o governo tornar obrigatória a mistura de 2% de biodiesel no diesel. Mas é evidente que 2007 já será a fase de arrancada¨, diz o diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, que acompanha de perto o setor.
As novas usinas que estão saindo do papel terão capacidade para produzir pelo menos 100 milhões de litros por ano, o que é considerado economicamente viável por especialistas.
De maneira geral, as empresas desse novo ciclo estão estreitamente ligadas ao campo, como a Caramuru Alimentos, as produtoras de grãos ADM e Granol e o frigorífico Bertin, que inaugura em março, no interior de São Paulo, a maior planta para produção de biodiesel a partir de gordura animal.
A Bertin Biodiesel, unidade de negócios mais jovem do grupo, pode faturar perto de R$ 200 milhões no seu primeiro ano de operação.
¨Esse é um negócio estratégico para o Bertin. A produção não será apenas para consumo próprio, mas para ser vendida no mercado interno e, futuramente, até no externo¨, diz o diretor-comercial da unidade, Rogério Barros. O frigorífico está investindo entre R$ 20 milhões e R$ 40 milhões no projeto.
¨De certo modo, a gente esperava que isso fosse acontecer perto de 2008, mas o que nos surpreendeu foi a quantidade de projetos que apareceu nos últimos meses¨, diz um integrante do Ministério das Minas e Energia. ¨Era natural que os grandes grupos entrassem. A dimensão do mercado de combustíveis força uma busca de economia de escala.¨
OPORTUNISMO
O combustível alternativo também tornou-se alvo de atenção de investidores estrangeiros. Em alguns meses, deve ser anunciado um projeto de US$ 200 milhões no interior de Mato Grosso capitaneado por um fundo de investimento inglês especializado em petróleo e um grupo chinês de energia e varejo. A construção deve começar até o fim do semestre.
¨O início da produção está previsto para março de 2008¨, diz André Luís Pereira, sócio da Petrobio, empresa contratada para montar a usina. Segundo ele, o complexo incluirá, além da usina, uma central de esmagamento de soja. ¨O nome das empresas ainda é mantido sob sigilo, porque o fundo inglês está preparando a abertura de capital na Bolsa de Londres.¨
Como toda corrida do ouro, o biodiesel também atrai aventureiros. ¨Tem muitos oportunistas, projetos de fundo de quintal. Da noite para o dia, muita gente diz que tem tecnologia para montar uma usina¨, diz o consultor em agronegócio, Newton Roda.
¨O Brasil, mesmo assim, vai tornar-se um grande fornecedor de bioenergia.¨