Medo de prisão levou presidente da CBF à renúncia 23/12/2012
- Leonardo Maia, Sílvio Barsetti e Tiago Rogero - O Estado de S.Paulo
Numa tarde-noite do final de novembro de 2001, Ricardo Teixeira recebeu no escritório de sua casa, no Itanhangá, bairro nobre da zona oeste do Rio, seu principal aliado: Eduardo Viana. Lacônico, ele comunicou ao então presidente da Federação Carioca de Futebol a decisão de renunciar à presidência da Confederação Brasileira. A carta já estava redigida. Teixeira contava com o aval da família, do ex-sogro João Havelange e da cúpula da Fifa.
As consequências de duas CPIs que investigavam o futebol brasileiro desde o início de 2000 ainda eram incertas e Teixeira ouviu de advogados amigos os prováveis desdobramentos das denúncias que o incriminavam. Temia ser preso.
Esse fato, revelado apenas agora, se manteve em segredo em razão de um compromisso assumido pelos presentes àquele encontro. O "fico" se deu após uma manifestação inesperada de Viana, doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ele interrompeu Teixeira com furor, improvisou um discurso de defesa que sobressaiu pela eloquência e, num gesto que mesclou audácia e autoridade, rasgou o documento.
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Para Viana, a CBF dispunha de expedientes suficientes para evitar a condenação de Teixeira. "O Ricardo já estava com toda a mudança pronta para Miami. Era só comprar as passagens", contou ao Estado o tio dele, Marco Antonio Teixeira, que na época respondia pela secretaria-geral da CBF.
Dez anos e quatro meses mais tarde, desgastado novamente com uma avalanche de denúncias, que o colocavam no centro de escândalos de corrupção, Ricardo Teixeira optou pela segunda, e definitiva, renúncia. A leitura da nova carta, em 12 de março deste ano, representou o primeiro ato de José Maria Marin na presidência da CBF e marcou a mais surpreendente mudança de rumo na história da entidade.
Desde o início de 2011, Teixeira enfrentava dois sérios problemas políticos. Um deles, interno. Após oito anos de convivência em harmonia com Lula, ele notava uma clara intenção de Dilma Rousseff em mantê-lo à distância. Esse constrangimento crescente imposto pelo Palácio do Planalto teve seu auge num evento promovido pela Fifa no Rio, em 30 de julho do ano passado. Num salão improvisado na Marina da Glória, a presidente ignorou Teixeira e exigiu do cerimonial que os dois não se sentassem lado a lado.
A relação da CBF com o PT começou com algumas indefinições tão logo Lula chegou ao poder em 2002. Por semanas, Teixeira e seus assessores se perguntavam sobre como o novo presidente da República reagiria à onda de denúncias que estampavam a fachada do prédio da CBF e o perfil de seu principal dirigente. Aos poucos, porém, Lula se posicionou como um parceiro fiel de Teixeira e o ajudou a trazer a Copa de 2014 para o Brasil. Com Dilma, o canal direto com o Planalto acabou.
Ricardo Teixeira também vivia acuado por causa de desavenças com o presidente da Fifa, Joseph Blatter. Os dois travavam uma disputa não declarada pela sucessão na entidade. Publicamente, Teixeira apoiava a reeleição do suíço. Mas a situação se agravou após entrevista do dirigente da CBF publicada pela revista Piauí, em julho do ano passado. Ao reiterar que votaria em Blatter, foi imediatamente repreendido pela filha caçula, de 11 anos. Ingenuamente, ela perguntou ao pai por que tinha mudado de opinião, pois dizia em casa que seu candidato era o catariano Mohammad Bin Hammam.
"Foi um tiro no peito", resumiu Marco Antonio Teixeira, adversário político do sobrinho desde que foi demitido por ele da CBF em janeiro. "Ali, naquele ato falho, o Ricardo passou recibo."
Desde então, Blatter passou a ter um só objetivo em relação a Teixeira: eliminá-lo do futebol. O dirigente suíço ameaçava facilitar a divulgação de documentos em poder da Justiça de seu país, os quais poderiam esclarecer o envolvimento de Teixeira e João Havelange numa transação fraudulenta entre a Fifa e a empresa de marketing esportivo ISL nos anos 90.
Somavam-se a isso outras denúncias contra Teixeira. A mais recente refere-se a possíveis desvios de recursos públicos nos contratos de comercialização do amistoso entre Brasil x Portugal, em novembro de 2008, em Brasília. Há duas investigações em curso sobre o caso. Uma sob a responsabilidade da Polícia Civil do Distrito Federal. A outra corre na 16.ª Delegacia de Polícia do Rio e apura se o ex-presidente da CBF teria cometido, neste caso, crimes de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Se em 2001 Teixeira contava com dois escudeiros de peso, Eduardo Viana e Nabi Abi Chedid, um de seus vices mais próximos na CBF, ele teve de atravessar o novo período de turbulência praticamente isolado. Viana e Chedid morreram em 2006. No mesmo ano, o dirigente ensaiou uma aproximação com Marco Polo Del Nero, a quem convidou para chefiar a delegação do País no Mundial da Alemanha. Mas passou a se reunir mais amiúde com o atual presidente da Federação Paulista de Futebol somente no final do ano passado, já diante de um cenário de perspectivas sombrias.
Alvo de críticas intensas de uma parcela da imprensa, Teixeira começou a se preparar a partir de agosto de 2011 para deixar o País e se fixar em Miami, onde possui uma casa de luxo num condomínio em Boca Raton. Primeiro, se desfez de suas cabeças de gado holandês e de seu pequeno negócio de laticínios na Fazenda Santa Rosa, em Piraí, interior do Rio. Também vendeu um lote numa área muito valorizada (Jardim Pernambuco) no bairro do Leblon, zona sul carioca.
Demitiu funcionários particulares e elegeu José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, agora também vice da CBF, como seus dois grandes parceiros. Fechou com eles acordo para receber salário como consultor da entidade - R$ 120 mil por mês - e ainda reivindicou que despesas suas relacionadas a custos judiciais, entre outras, contassem com o aporte da confederação.
Teixeira deixou a CBF e também a presidência do Comitê Organizador do Mundial de 2014, em março, pelo mesmo motivo que redigiu sua primeira carta-renúncia, em 2001: o temor de ser preso.
Nove meses depois de trocar o glamour de uma agenda repleta de encontros com políticos e empresários influentes por uma vida mais reservada na Flórida, faz questão de se manter bem informado apenas sobre os grandes negócios da CBF - há contratos em vigor com 11 patrocinadores, o que representa uma receita anual à entidade de cerca de R$ 350 milhões.
O sonho de presidir a Copa e dirigir a Fifa está enterrado. Mas Teixeira vai continuar a atuar nos bastidores da CBF, a fim de garantir, daqui a dois anos, a eleição de Marco Polo Del Nero, provável sucessor de José Maria Marin.