Rio tem cinco réveillons em uma semana 27/07/2013
- João Marcello Erthal, Pâmela Oliveira e Cecília Ritto - Veja.com
Para os envolvidos na organização da Jornada Mundial da Juventude, a vigília que ficará na memória não será aquela comandada pelo papa Francisco, mas a da noite de quinta para sexta-feira.
No intervalo de algumas horas, todo o planejamento da peregrinação, da vigília e da missa de encerramento da 28ª JMJ foi refeito.
E deslocou-se da Zona Oeste para a Zona Sul um evento preparado para durar mais de 24 horas, com estimativa de público de 2 milhões de pessoas.
PUBLICIDADE
Julho de 2013 entra para a história da cidade como a visita do primeiro papa latino-americano, mas também como o mês em que o Rio teve “cinco réveillons em uma semana”, na definição do prefeito Eduardo Paes, que entrou pela madrugada com secretários, assessores diretos para reinventar a Jornada.
O "legado" para a cidade é o da superação. Enquanto o papa Francisco abençoava a bandeira olímpica, no Palácio da Cidade, na manhã de quinta-feira, chegavam de Guaratiba os informes de que a chuva da noite havia transformado o Campus Fidei em um grande campo alagado.
Um caminhão de entregas adernou na lama, confirmando o que temiam a prefeitura, o governo do estado e o governo federal.
Todos defendiam Copacabana como o local da vigília, mas venceu a vontade do papa, e a tradição da Jornada de oferecer uma peregrinação.
Peregrinos dormem nas areias de Copacabana
Voto vencido no planejamento, o poder público não teve opção senão a de acolher os “filhos pródigos” quando, logo depois de o papa deixar o palácio, os organizadores reconheceram que seria impossível manter a programação de Guaratiba.
Como se previa, uma área com infraestrutura, metrô, hospitais, estrutura de telecomunicações e experiência na reunião de multidões mostrou-se mais adequada que um descampado que precisou de seis meses de obras e, nem assim, ficou pronto.
Neste sábado, entra em ação o “plano B” para a Jornada. Às 7h, começou a peregrinação, que vai da Central do Brasil a Copacabana, num percurso de 9,5 quilômetros.
Para o papa, os primeiros eventos não mudam: Francisco celebra missa às 9h, com bispos da JMJ, na Catedral de São Sebastião.
Às 11h30, tem encontro com representantes de várias entidades, no Teatro Municipal. O papa almoça às 13h30 com cardeais e depois retorna ao Sumaré. Às 19h30, terá início a vigília em Copacabana.
Mudanças
“O papa pode tudo”, tinha dito Eduardo Paes. Encerrada a agenda oficial, começou a maratona "punk" de reuniões.
Algumas delas tiveram início após as 22h30, no Centro de Operações, e terminaram alta madrugada quando o último secretário tombou ou deixou a sala às pressas, rumo a outra providência urgente.
Criou-se assim, antes do nascer do sol, a solução que seria apresentada pela manhã: os peregrinos não ficariam sem um lugar para marchar, mas deveriam fazê-lo sobre o asfalto, entre a Central do Brasil e Copacabana – nada mal, para uma cidade voltada para a Baía de Guanabara e o Atlântico; a vigília, que na verdade já ocorre desde quarta-feira à noite, poderá ser realizada no fim de semana, contanto que os peregrinos entendam que há poucos banheiros; e o público compreenda que as filas são inevitáveis.
Em Guaratiba, o trabalho, que já acontecia dia e noite, continuou depois de tudo pronto – agora para trazer para a Zona Sul, 50 quilômetros distante do Campus Fidei, os banheiros e tendas de saúde e o que fosse possível.
A maior parte, no entanto, voltaria para os galpões – num melancólico fim para o Campo da Fé.
Há, evidentemente, duas maneiras de analisar a organização da Jornada. Do ponto de vista de programação, com os horários e locais de onde devem acontecer os eventos, foi um desastre: o papa ficou engarrafado, a reunião principal de convidados acabou mudando de lugar em cima da hora, o metrô parou de funcionar por duas horas na estreia.
Esta era a parte da empresa de eventos Dream Factory, contratada pela Arquidiocese do Rio para planejar o evento e a quem caberia avaliar todos os riscos.
Mas se a JMJ for interpretada como uma reunião gigantesca de pessoas que terminou sem incidentes graves, e com muita gente satisfeita, foi um sucesso.
Um milagre? Talvez. Mas pelo lado da prefeitura a sorte é chamada de “capacidade de organização”. Paes cita o “grau de imprevisibilidade” como algo a ser tolerado pela cidade. E compara a JMJ com outros eventos mais previsíveis.
“Em uma Copa do Mundo, sei que terei três ou quatro jogos no Maracanã, que tem um número limitado de ingressos vendidos e um horário determinado de deslocamento desse público. Na Jornada, não”, disse, na manhã desta sexta-feira, em uma entrevista à rádio BandNews.
A “imprevisibilidade” de que fala o prefeito é em parte verdadeira, pois trata-se de uma multidão em movimento. Mas é também um eufemismo para resumir os atropelos que, como convidado trapalhão, o Comitê Organizador Local (COL) acabou produzindo. Semanas antes do início do evento, o município foi surpreendido por agendas e detalhes não programados.
O ponto alto da capacidade de surpreender a cidade foi o anúncio, em um e-mail à 1h de terça-feira, de mais um evento com presença do papa, um encontro reservado aos fiéis argentinos na Catedral Metropolitana, no dia seguinte.
Um papa que quebra protocolos é algo simpático, que cria pequenos picos de euforia na multidão e uma inevitável empatia com uma cidade que tem na informalidade a sua marca. Mas uma empresa ou entidade que descumpra o combinado está, no mínimo, jogando no time "do contra".