Economia lenta suspende migração de passageiros de ônibus para aviões 05/08/2013
- Murilo Rodrigues Alves - O Estado de S.Paulo
A enfermeira aposentada Adir Maria Ferronato planeja montar uma casa de repouso no município goiano de São João da Aliança, localizado na Chapada dos Veadeiros, a 150 km de Brasília. Das últimas vezes que deixou Porto Alegre (RS) para ir à capital do País, Adir teve de enfrentar um dia e meio de viagem de ônibus. Quando encontrava passagens de avião a um preço "mais acessível", ela fazia o percurso em pouco mais de duas horas.
Neste ano, porém, a enfermeira com pinta de empresária passou muito mais vezes pelo terminal rodoviário de Brasília do que pelo aeroporto internacional Juscelino Kubitschek (JK). Na volta para a capital gaúcha, conseguiu economizar R$ 1.125. "Não vou jogar meu dinheiro suado ao vento", explica.
Adir não é a única que teve de voltar a viajar de ônibus mesmo achando "uma maravilha" a economia de tempo que os aviões proporcionam. Pela primeira vez em dez anos do governo PT, o movimento de embarques e desembarques em voos domésticos caiu no primeiro semestre na comparação com o mesmo período do ano anterior.
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De 2003 a 2012, o número de passageiros de voos domésticos cresceu consecutivamente, saltando de 29,363 milhões de pessoas para 84,231 milhões. Neste ano, ocorreu a primeira freada, com esse número baixando paras 84,126 milhões de passageiros.
O Estado compilou dados da Infraero - responsável pela administração de 63 aeroportos - e das administradoras dos terminais privatizados (Brasília, Guarulhos e Viracopos). O critério utilizado soma embarques e desembarques e não faz diferenciação por CPF, o que impede dizer que cada passageiro é uma pessoa única.
Volta ao ônibus
Paralelamente aos dados da Infraero, números da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostram que o fluxo de viajantes rodoviários aumentou no primeiro trimestre do ano em relação a igual período de 2012, suspendendo uma tendência de queda de sete anos.
Na comparação dos três primeiros meses deste ano com o mesmo período do ano passado, o número de pessoas que viajaram entre os Estados de ônibus de longa distância, aqueles que não possuem catraca e não deixam viajar em pé, aumentou 2,58%, de 15,257 milhões para 15,652 milhões. Ao mesmo tempo, caiu 0,20% o número de passageiros de voos domésticos, de 41,983 milhões para 41,9 milhões. Também foi o primeira recuo desde 2003 (ver quadro).
A ANTT aina não consolidou os dados do primeiro semestre. Paulo Porto, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) - cujas associadas representam 85% da receita do setor -, diz que a projeção é de expansão ainda maior no segundo trimestre.
Classe média
Os números indicam que houve, no mínimo, suspensão na migração dos passageiros que deixaram de viajar de ônibus para ir de avião. Nos últimos anos, a melhora do poder aquisitivo proporcionou a brasileiros da classe média acesso a produtos e serviços que antes não faziam parte de seus planos, como viajar de avião.
As companhias aéreas se enfrentaram para atrair esse cliente novo, usando como principal arma o preço dos bilhetes. A redução das passagens conseguiu fisgar a classe média emergente e atingiu consideravelmente o setor rodoviário, pois a concorrência é de mais de 60% nos roteiros interestaduais.
O cenário atual é bastante distinto. As empresas agora procuram melhorar a eficiência para diminuir custos, que subiram às alturas com a valorização de 10% da moeda americana no primeiro semestre.
Segundo Adalberto Febeliano, da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, que representa quase a totalidade do setor, 70% dos custos das companhias são atrelados ao dólar, incluindo os combustíveis. A leitura do consultor técnico da associação é que houve uma "estabilidade" no movimento de passageiros. "Nada cresce para sempre o tempo todo", afirma.
Ele diz que o "segredo" do sucesso das empresas era diminuir a oferta de assentos sem diminuir a demanda, mas claro que houve impacto desse processo no número de viajantes.
As companhias aéreas diminuíram os voos para aumentar a ocupação. Com menos frequência, os aviões passaram a decolar mais cheios.
Os dados da Infraero e das administradoras dos aeroportos privatizados também captaram esse movimento. No primeiro semestre, houve queda de 5,35% no número de pousos e decolagens de aeronaves, na contramão da expansão média de mais de 6% apurada de 2003 a 2012.