Eduardo Campos deixou o diapasão de Dilma e Aécio, diz Marina 09/10/2013
- Eduardo Bresciani, Daiene Cardoso e Bernardo Caram - O Estado de S.Paulo
A ex-ministra Marina Silva condenou, em entrevista ao Estado, a articulação do governo petista para impedir o surgimento da Rede.
"Eu não fiz isso (filiar-se ao PSB), em hipótese alguma, por mágoa ou raiva. Fiz em legítima defesa. Em legítima defesa da democracia, de poder discutir ideias, do direito de discutir e debater propostas, o que nos estava sendo negado."
Emocionada, disse que o PT, partido onde exerceu a maior parte de sua trajetória, precisa ficar atento a desvios que podem levá-lo ao autoritarismo. Ela nega desejo de se vingar do PT, mas diz que a sentença sobre sua decisão será dada pela história.
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Sobre as alianças estaduais diante do novo quadro eleitoral, a ex-senadora anunciou que haverá readequações e já avisou que, por incompatibilidade de ideias, não imagina ver o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) no palanque.
Por que a sra. foi para o PSB?
- Acho que é uma grande ambição, de que a política pode ser melhor, de que o Brasil possa ser melhor. É uma ambição saudável e não vou abrir mão. Foi por ela que eu saí do PT. O que passei até a decisão de conversar com o Eduardo Campos e selarmos a aliança programática não chega nem perto do sofrimento que eu passei na decisão de sair do PT. É porque eu acredito que o sonho não pode parar. A história não para. Alguém tem que continuar. É engraçado que foi muito bom poder ficar recordando esses dias todos. Quando o Lula fez o movimento no ABC e quis transformar aquele movimento em um partido político foi muito incompreendido, pelo PMDB, que dizia que iria dividir as oposições, pelos partidos marxistas-leninistas que tentavam rotulá-lo de ser um partido para fazer o jogo da direita. E de uma forma diferente, sem a força do Lula, de repente eu me vi numa situação de alguma forma parecida.
O governo Dilma foi "chavista", como a sra. teria dito, ao patrocinar o projeto que restringia a criação de novos partidos?
- Quando me referi à ideia do chavismo foi no espaço do comportamento político, de que não possa prosperar outra força política.
A senhora fará um acerto de contas com o PT?
- O PT é um dos partidos mais poderosos já existente na América Latina e eu não teria força para um acerto de contas. Eu não fiz isso, em hipótese alguma, por mágoa ou raiva. Fiz em legítima defesa. Em legítima defesa da democracia, de poder discutir ideias, do direito de discutir e debater propostas, o que nos estava sendo negado. Agora a gente tem chance de colocar para discutir o PT, o PSDB, a Rede e o PSB. Apresentem suas ideias, suas propostas para o Brasil.
Que ideias seriam essas?
- É preciso um governo que faça uma "desruptura", que não esteja preocupado com a reeleição. Sou contra a reeleição. As pessoas estão começando a desejar que a sociedade não decida. No Brasil não existe mais uma cultura de discutir ideias, programas. Só se discute quem vai ser o marqueteiro, aí vira um duelo de titãs de marqueteiros. Aí eles dizem: 'você é gigante, você é anão', e está decretado. Você está no Olimpo, está na planície, um é Davi, outro Golias. Agradeço a Deus porque os marqueteiros só conseguem me ver como Davi.
O PT virou autoritário?
- Vejo tons de incoerência. Não seria leviana em dizer que o PT já é um partido autoritário. Mas, do mesmo jeito que no começo a mudança é apenas um pequeno desvio, nós temos que ficar atentos para ver quais desvios que a gente quer que prospere e os que a gente não quer que prospere. O PT tem que ficar muito atento porque pode prosperar um desvio que não é bom para a democracia, nem para o PT nem para ninguém. E é incoerente com a biografia da maioria das pessoas que estão no PT.
O que mais decepcionou no PT?
- Vou começar pelo que me emociona, que foi o PT ter cumprido de fato o que sinalizou na questão da justiça social, tirar 30 milhões de pessoas da extrema pobreza. Mas, infelizmente, o PT não foi capaz de entender que não poderíamos nos conformar com a repetição do sucesso, que é estar no poder.
A sra. já disse em entrevista ao Estado que Campos, Aécio e Dilma estavam no mesmo diapasão. O que mudou agora?
- Eu sinto que o Eduardo está com essa disposição de sair do diapasão. Naquele momento eu me sentia sozinha e insistindo: é uma agenda, não é eleição por eleição, não é só ficar amealhando tempo de televisão, é adensar propostas, visão de país. Essas eleições não vão ser marcadas por quem tem tempo de televisão e estrutura. Essas eleições serão marcadas pelo que aconteceu em junho, por uma nova postura e o que mudou é que o Eduardo está sinalizando que ele está buscando uma nova postura. Ele estava construindo ali a candidatura dele. Agora tem algo que aconteceu, que nasceu. Passada a euforia do parto, nenê dá trabalho.
E como vão criar essa criança?
- Quando você faz uma aliança programática, a gente está pensando que tem uma candidatura posta e um plano de governo. Não se trata de interferir no PSB. O programa do PSB referencia um programa de governo, o programa da Rede propõe a ajudar também e fazendo uma mediação para termos um terceiro, que será o do possível candidato em 2014. Nós não estamos discutindo chapa, candidatura, eleição.
Incomoda ficar na mesma órbita de Heráclito Fortes, Jorge Bornhausen e Ronaldo Caiado?
- Não tenho nenhum constrangimento. Em primeiro lugar porque não estou como militante e filiada do PSB. Estou num diálogo para aprofundar um programa com o PSB. E obviamente que o que fazer com as suas incoerências internas cabe ao próprio PSB. Não serei eu. A história e trajetória de vida diz que Ronaldo Caiado, se a aliança prospera, ele mesmo vai pedir para sair, porque é completamente contrário às minhas ideias.
A sra. vem dizendo 'se a aliança prospera'... Não é definitiva?
- Eu e Eduardo não fizemos nem a primeira reunião depois daquele dia. O que sinto é uma disposição. Todas as declarações dele atestam isso e sei que ele é muito inteligente para saber a responsabilidade que pesa nos seus ombros e a contribuição histórica que pode dar.
A sra. acredita que pode transferir votos para Campos?
- Não acredito em transferência porque o voto não é meu, é do eleitor. O eleitor não quer ficar nessa posição de mero espectador. Quer ser protagonista, autor, mobilizador. E isso ficou claro nas manifestações agora de junho. O voto não é meu. Ou a gente convence esse cidadão, de que essa proposta é boa para o Brasil, ou ele não vai dar o voto só porque a Marina está dizendo vote no Eduardo. Só Deus e o tempo dirão se meu gesto foi para ajudar a mudar ou se foi para me vingar. Agora, para convencer os outros, a gente tem que ter o que dizer. Mas a gente está só no começo. Não tenho como objetivo de vida ser presidente. Eu tenho como objetivo de vida um País melhor.