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Olacyr de Moraes: a tragédia do ex-rei da soja
13/04/2014 - Bela Megale - revista Veja

Motorista mata o ex-senador boliviano que prometia devolver o empresário ao mundo dos bilionários.

Nos anos 80, não havia brasileiro que não tivesse ouvido falar dele. Proprietário de 50.000 hectares de plantação de grãos, Olacyr de Moraes era o rei da soja, o mais jovem bilionário brasileiro a aparecer no ranking da Forbes, o ricaço que frequentava as melhores festas do país -- sempre acompanhado de uma dupla de loiras, invariavelmente com mais de 1,70 metro de altura e menos de 22 anos.

Seu império reunia quarenta empresas e seu patrimônio era avaliado em 1,2 bilhão de dólares.


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Nos anos seguintes, porém, uma série de investimentos malfeitos e dívidas acumuladas fizeram a roda da fortuna girar ao contrário.

Olacyr perdeu fazendas e fechou as portas de diversos negócios. Hoje, resta-lhe um patrimônio de 29 milhões de reais, em empresas em seu nome, que, se não soa desprezível, empalidece quando comparado ao que já possuiu nos tempos de reinado.

Nas últimas décadas, o empresário dedi­cou-se a tentativas de recuperar o dinheiro e o prestígio perdidos.

E foi com essa esperança que se aproximou do boliviano Andrés Firmin Heredia Guzmán. Lobista e ex-senador por seu país, Guzmán prometia transformar Olacyr no rei do minério.

Olacyr acreditou nele. E ainda acredita que teria cumprido a promessa, não tivesse Guzmán sido assassinado no último dia 4 pelo motorista do empresário, Miguel Garcia Ferreira.

Olacyr e Guzmán foram apresentados há mais de vinte anos, mas estreitaram relações a partir de 2002.

O boliviano passou a ocupar o cargo de diretor internacional de uma das mineradoras do empresário, a Itaoeste, embora costumasse se apresentar como “sócio minoritário” de Olacyr, coisa que nunca foi.

A Itaoeste foi criada para explorar metais raros como tálio e escândio, mas até hoje as minas que adquiriu na Bahia não têm autorização para lavra.

Entre as promessas de Guzmán a Olacyr estava conseguir essas licenças.

“Com o pretexto de levar dinheiro para os negócios andarem, ele ia à casa do Olacyr toda semana e saía de lá com malas de 200, 300, 400.000 reais”, conta um funcionário do empresário. Tudo em espécie, tirado do cofre.

Guzmán ainda representava a companhia em encontros e viagens com autoridades. A mais recente delas foi com a comitiva da presidente Dilma Rousseff para a Rússia, em dezembro de 2012. Olacyr também foi à viagem.

O empresário via na desenvoltura e, sobretudo, nos contatos do boliviano no governo federal a chave para seu reingresso no clube dos bilionários.

Mas, para alguns de seus familiares e empregados, o ex-senador era apenas um aproveitador que conseguia tirar dinheiro de um homem de 83 anos, que se recupera de uma delicada cirurgia.

​A biografia de Guzmán ajuda a reforçar essas desconfianças. Desde a década de 90, ele intermediava negócios de brasileiros na Bolívia.

Em 1996, ajudou Wagner Canhedo, ex-dono da Vasp, a comprar metade da Lloyd Aéreo Boliviano. A transação acabou com um pedido de prisão de Canhedo e de seu filho.

Em 2006, Guzmán elegeu-se suplente de senador pela oposição, mas rompeu com o titular do mandato -- Roger Pinto Molina, que passou quinze meses refugiado na embaixada brasileira em La Paz e hoje mora no Acre -- e aproximou-se do presidente Evo Morales.

Com o afastamento do titular, assumia o cargo toda vez que o governo precisava de votos.

A relação com o presidente lhe abriu novas portas.

Em abril de 2006, Guzmán recebeu em sua cobertura no rico bairro de Cota Cota, na capital boliviana, o mensaleiro José Dirceu, que tentou sem sucesso evitar a nacionalização pelo governo Morales das refinarias da Petrobras.

Na ocasião, o então senador também fez lobby para as empreiteiras brasileiras que conseguiram contratos para construir estradas na Bolívia.

No Brasil, ele é réu em pelo menos quatro processos, envolvendo dano moral e cobrança de dívidas.

Em outro processo, um dos nove filhos, que teve fora de seus três casamentos, o acusa de abandono e pede 150.000 reais de indenização.

Ao descer do apartamento de Olacyr no dia em que morreu, Guzmán trazia uma mala com 400 .000 reais em dinheiro (“um empréstimo que eu fiz a ele”, disse Olacyr à polícia).

No hall do prédio, o motorista Ferreira aguardava nervosamente por ele. Ao encontrá-­lo, pediu-lhe uma carona. Na Avenida Morumbi, matou-o dentro do carro com dois tiros no peito e um na cabeça.

Preso, confessou o crime e disse que não tinha intenção de cometê-lo -- só de dar “um susto” no boliviano, já que não aguentava mais v­ê-lo extorquir Olacyr, a quem disse idolatrar (“Tudo o que eu tenho devo a ele”).

Policiais logo perceberam que Ferreira, que cursou apenas o 1º grau, não sabia o significado exato da palavra “extorquir”.

“Para ele, é a mesma coisa que 'enganar'. E, do ponto de vista pelo qual ele enxergava a situação, Guzmán estava enganando o seu patrão”, disse um policial que participou das investigações.

Nascido no Rio Grande do Norte, Ferreira, de 61 anos, trabalhava havia 38 para Olacyr.

A confiança de que gozava na família era tanta que foi ele o encarregado de levar os 2 milhões de reais aos bandidos que sequestraram a cunhada de Olacyr, Darci de Moraes, em 1993.

O dinheiro não chegou a ser pago e Darci foi resgatada pela polícia depois de nove dias de cativeiro.

Por meio de um colega que o encontrou na delegacia, o motorista mandou um recado ao patrão: “Pede desculpas ao dr. Olacyr, não queria ter prejudicado ele”.

Olacyr recebeu a notícia do assassinato de Guzmán por um telefonema do filho. Chorou.

“Tudo estava na mão dele, indo bem. Como vou fazer agora?”, lamentou.

Em casa, de pijama, recupera-se de uma cirurgia de oito horas realizada há cerca de três semanas no Hospital Albert Einstein, na qual retirou parte do estômago, intestino e pâncreas.

No início, ele relutou em aceitar o diagnóstico de câncer e, antes de se submeter à cirurgia, arriscou tratamentos alternativos, como uma operação espiritual com o médium João de Deus.

A doença o obrigou a comemorar o aniversário de 83 anos em um jantar discreto em seu apartamento, já que não consegue mais ir aos restaurantes que costumava frequentar.

Lá se reuniram vinte pessoas, entre amigos e parentes -- além de uma bela jovem que posou para fotos sorrindo ao seu lado, para manter a tradição.

Seis quilos mais magro, o empresário tem crises constantes de choro. Lamenta a morte do amigo Guzmán e a prisão do motorista fiel, episódios que colocaram seu nome de novo nos jornais.

Não era assim que ele queria voltar.


...

Com reportagem de Luciano Pádua e Gian Kojikovski

  

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