Hospital das Clínicas faz transplante de cinco órgãos ao mesmo tempo pela primeira vez 23/05/2014
- CLÁUDIA COLLUCCI - Folha de S.Paulo
O Hospital das Clínicas de São Paulo realizou ontem o primeiro transplante multivisceral do SUS. Foram transplantados cinco órgãos do sistema digestivo -- fígado, intestinos delgado e grosso, pâncreas e estômago.
O paciente é o segurança José Cícero Lira da Silva, 33, de Maceió (AL). Ele tinha um tumor que ocupava quase todo o pâncreas -- apesar de ser de baixa malignidade, ele havia se infiltrado para outros órgãos, como estômago.
A cirurgia demorou 12 horas e envolveu 23 profissionais, entre eles dez cirurgiões e quatro anestesistas. Foram necessárias 35 bolsas de sangue para conter a hemorragia durante o procedimento.
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Os órgãos doados vieram de uma criança de dez anos que morreu em um acidente.
É o segundo transplante do gênero no país. O primeiro foi realizado no hospital Albert Einstein em abril de 2012, mas a paciente morreu após a cirurgia, por infecção.
Segundo Luiz Carneiro D'Albuquerque, diretor do serviço de transplantes e cirurgia do fígado do HC, os próximos dias serão cruciais para Silva. "A parte mais difícil começa agora, com os riscos de infecção e rejeição."
Ele diz que, que se tudo ocorrer bem, o paciente deve ficar um mês no hospital. As chances de rejeição no primeiro ano variam entre 20% e 30%. A taxa de sobrevida é de 70%, em média, segundo estatísticas dos centros norte-americanos.
Nos Estados Unidos, a cirurgia é feita há uma década e pode custar US$ 1 milhão (R$ 2,2 milhões).
Estima-se que de 300 a 400 brasileiros necessitem desse tipo de transplante. Nos últimos anos, ao menos seis deles fizeram a cirurgia no exterior e acionaram, judicialmente, o governo ou os planos de saúde para o reembolso das despesas.
Tanto o transplante multivisceral feito no Einstein quanto o realizado no HC fazem parte de um protocolo experimental autorizado pelo Ministério da Saúde e que prevê a realização de dez cirurgias em cada instituição.
Após esse teste, o ministério vai avaliar os resultados, os custos e decidir se a cirurgia será feita como rotina.
DOENÇA
Segundo a mulher de José da Silva, Rosilda Lúcia da Silva, o marido teve o câncer diagnosticado em abril de 2012. "Ele ficou amarelo, tinha vômito, diarreia e coceira por todo o corpo. Em um ano, teve três hemorragias."
Há um ano, os médicos disseram que só um transplante de pâncreas e fígado salvaria Silva. Ao se mudar para São Paulo, há nove meses, a família teve mais uma surpresa: cinco órgãos teriam de ser transplantados.
"Bateu o desespero. Meu marido começou a chorar. Nem sabíamos que existia transplante de dois órgãos, imagina de cinco!", contou Rosilda, enquanto aguardava o fim da cirurgia no HC.
Os meses que antecederam o transplante também foram tensos. "Fomos chamados sete vezes, mas os órgãos não eram compatíveis. A última vez foi na terça. Já não aguentávamos mais esperar."
Ontem, depois que a cirurgia estava concluída e o paciente suturado, houve momentos de tensão. Silva apresentou um distúrbio de coagulação e teve de ser aberto novamente para estancar a hemorragia. Depois, foi estabilizado e levado para a UTI.