PT erra no diagnóstico sobre a insatisfação com o governo 23/06/2014
O ministro Gilberto Carvalho afirma que o PT está errado no seu diagnóstico sobre a insatisfação da população com o governo da presidente Dilma Rousseff e tem alimentado a "ilusão" de que "o povo pensa que está tudo bem".
"Acho um erro de diagnóstico", diz o ministro, chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, em entrevista à Folha. "E quando você não tem um bom diagnóstico, não tem um bom remédio."
Carvalho, que condenou as vaias e xingamentos dirigidos a Dilma na abertura da Copa do Mundo, contrariou o discurso adotado pelo PT para reagir ao dizer, na semana passada, que os ataques não partiram só da "elite branca".
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O ministro diz que seu objetivo foi alertar para a generalização da insatisfação com o governo, fenômeno que, na sua opinião, tem origem num pensamento conservador ampliado com ajuda da mídia.
Carvalho acredita que a presidente vai se reeleger em outubro, porque aposta que o PT conseguirá "furar esse grande bloqueio" na campanha e mostrar aos eleitores as realizações dos governos petistas nos últimos 12 anos.
A afirmação de que o xingamento contra Dilma não partiu só da "elite branca" foi uma espécie de sincericídio?
- Não. Foi muito consciente. Tenho feito esforço enorme para ter muita sintonia com as ruas e para não romper com aquilo que considero justo e honesto, mesmo que me custe. Prefiro ser criticado de sincericídio do que me omitir.
Levou puxão de orelha?
- Nenhum.
Mas reclamaram anonimamente pelos jornais...
- Só pelas costas [risos]. A única coisa que me incomoda é que a palavra "sincericídio" me subestima, me desqualifica, como se fosse um igrejeiro ingênuo. Repudio [o xingamento]. Uma chefe de Estado, uma mulher, uma pessoa que dá a vida pelo país, por sua história passada e presente, não pode ser alvo disso.
Já houve xingamentos antes.
- No show do Rappa [em Ribeirão Preto, em maio]. Quando ouvi o xingamento no estádio, lembrei do show. Confirma um clima estimulado por opiniões na linha de criminalizar tudo que é da política com ódio e adjetivação. A pregação reiterada, acentuada no tempo do mensalão, difere de outros erros.
Como assim?
- Não nego atos de corrupção que tivemos. Infelizmente, eles aconteceram, têm de ser reprovados. Esses atos nos doem primeiro a nós mesmos.
O problema é o tratamento que se dá a erros dos outros, como o mensalão tucano, que se chama de mensalão mineiro, nem do PSDB dizem que foi. A compra de votos para reeleger [o ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso], que não passou por nenhuma investigação porque havia naquele tempo um esquema para impedir.
Precisamos ter clareza disso e combater, porque, do contrário, começa a ganhar corpo uma opinião cada vez mais ampla de que nós estamos prejudicando o país, de que inventamos a corrupção.
O que baseou sua constatação sobre a "elite branca"?
- Quando chego em Curitiba e encontro um garçom falando que o PT é o mais corrupto da história. Quando vejo em Fortaleza meninos cobrando a questão da corrupção. Quando vi no metrô meninos entrando e puxando o coro do mesmo palavrão usado no estádio, não posso achar que é um fenômeno apenas na cabeça daquilo que está se chamando de elite branca.
Há, sim, um pensamento conservador que se expressa fortemente por meio dos veículos de comunicação e que opera um cerco contra nós. E esse cerco tem dado resultado, na medida em que ganha amplitude.
E qual o efeito sobre a eleição?
- Tenho muita convicção de que vamos ganhar. Conseguiremos furar esse grande bloqueio porque vamos poder mostrar para o país, num debate aberto, sem mediações, o que de fato foi e está sendo realizado. Essa minha fala está muito voltada para a necessidade de fazermos uma grande mobilização que não parta da ilusão de que o povo pensa que está tudo bem.
Mas estão negando isso no PT.
- Acho um erro de diagnóstico. E quando você não tem um bom diagnóstico, não tem um bom remédio.
Para petistas, o xingamento surgiu da área VIP do estádio.
- Difícil identificar. Nem quero entrar nessa polêmica. O problema não é de onde surgiu, é a generalização. Olha, nós estamos felizes com a Copa, festejando até agora [bate três vezes na madeira, com punho direito fechado], porque nenhuma previsão catastrófica desses setores conservadores se confirmou. O país passa até agora muito bem pelo teste.
A frase da "elite branca" renega a ideia de Copa para todos?
- Nós não trabalhamos como trabalhamos para popularizar a Copa para isso. Os estádios estão povoados de brasileiros e estrangeiros que vêm também de setores populares. Fizemos coisas importantes como meia entrada, ingressos para áreas do Bolsa Família, para idosos, portadores de deficiência. Brigamos com a Fifa.
Então não vou entrar nessa contradição de dizer que só a elite estava no Itaquerão. Se começou com a elite, e pode ter começado, preocupa ter ganhado adesão mais ampla.
Mas foi Lula quem puxou esse discurso...
- Não vou polemizar com Lula nem com meus companheiros. Quero é trazer de volta essa gente, não quero generalizar e colocar os torcedores do Itaquerão do outro lado. Mesmo aqueles que xingaram a Dilma, de maneira inadequada, eu os quero conosco. Quero fazer pontes, não jogá-los do outro lado, na mão de quem quer tê-los.
O sr. disse que a imagem de partido corrupto "pegou" em setores mais populares.
- Tenho certeza de que o PT tem na sua imensa maioria uma gente muito séria, honesta. Agora, precisamos de fato ter um rigor interno ético muito grande. Lutar desesperadamente pela reforma política para mudar o indutor da corrupção, que é o financiamento empresarial de campanha. Sinto isso na carne.
Na carne?
- Porque vejo companheiros que acabam se enrolando muitas vezes nesses processos de corrupção, em grande parte induzidos por uma prática tradicional no país e que antes, insisto, não aparecia, porque não se investigava.
Se houvesse o mesmo padrão de investigação que nós tivemos nesses últimos 12 anos, muita gente do governo anterior estaria na cadeia.
Fala de quais companheiros?
- Não quero personalizar.
O sr. é responsável pela interlocução com os movimentos sociais, mas hoje o PT paga militância em campanhas.
- Acho que, na justa medida em que nós nos tornamos uma grande instituição, fomos nos burocratizando. O PT trouxe inovações fundamentais para a ampliação da participação das pessoas na política e dar protagonismo a setores populares marginalizados. Mas o vírus da velha política também nos contaminou, em parte.
Acho que não temos que sonhar romanticamente em reconstruir o PT de 1982, mas precisamos reconquistar o sentido coletivo de fazer política. Reanimar a militância. Na medida em que a gente foi se verticalizando, fomos nos tornando mais pragmáticos, perdendo a nossa mística.
Será uma eleição mais difícil?
- Não tenho dúvida. Mas vamos ganhar. Há três candidaturas com certa viabilidade, com gente que saiu do nosso projeto [Eduardo Campos].
Dói para Lula ter Eduardo Campos como adversário?
- Sempre percebo um lamento. Não só pelo fato de ser amigo, também por ser do nosso projeto. Mas acho que não é o fim da linha. Espero que a gente se reencontre.
O sr. falou que o PT se burocratizou. Como mudar?
- Precisamos produzir um grande debate interno. Acho que Lula tem toda condição de capitanear isso. Temos que rejuvenescer o partido.
Com Lula candidato em 2018?
- Não acho que é contradição. Ele tem uma incrível capacidade de criar o novo.