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DIA A DIA

Um empresário que não gostava de luxo e nem de férias
25/08/2014 - Paula Pacheco - Especial para O Estado de S. Paulo

Homenzarrão, do tipo que dificilmente passava despercebido nos ambientes que frequentava, Antônio Ermírio de Moraes era afável, discreto, gentil, avesso a badalações e integralmente voltado à família, ao trabalho e aos sonhos de contribuir com uma sociedade mais igualitária.

Tinha a voz grave, mas normalmente falava em tom baixo.

Apesar das décadas à frente do Grupo Votorantim, da sua família, raramente tirou folgas.


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O empresário que faleceu ontem, aos 86 anos, só tirou férias duas vezes, a mais recente há poucos anos, quando passou algumas semanas de folga com a mulher Regina na casa de praia da família, no Litoral Paulista, para se recuperar do tratamento médico.

Nacionalista aguerrido, mostrava-se constantemente preocupado com a falta de rumo do País e com a ausência de uma política industrial. Reclamava dos juros altos cobrados pelos bancos e acusava o governo de dar tratamento privilegiado ao setor financeiro em detrimento da indústria e do comércio.

A cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, costumava reagir com indignação quando recebia a notícia de mais uma alta ou de um corte considerado muito pequeno.

Em maio de 2003, em Brasília, ao ser informado que a taxa básica de juros seria mantida, não conteve a ironia e pediu algumas aspirinas para digerir a notícia.

A Bayer, fabricante do medicamento, não perdeu tempo. Mandou uma caixa de aspirinas para o empresário.

Mas o que afligia mesmo o empresário eram as mazelas sociais.

Ele foi um dos mais célebres exemplos de empresário brasileiro realmente dedicado a fazer a sua parte para ajudar a resolver os problemas sociais do País.

Primeiro, abraçou a área da saúde por meio de atividades à frente da Cruz Vermelha. Depois, presidiu durante mais de uma década o hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo, um dos maiores do País.

Teatro

Outro caminho escolhido pelo empresário para protestar contra as mazelas do Brasil foi o teatro.

Antonio Ermírio era apaixonado pelo teatro e escreveu três peças que trataram de temas agudos e caros ao brasileiros: saúde, educação e a relação de dependência das empresas em relação aos bancos.

O primeiro texto, "Brasil S.A.", levou quase uma década para ser concluído.

Perfeccionista e inseguro na nova empreitada, ele jogou várias versões da obra no lixo até sentir que era o momento de levar o texto para os palcos.

E, como um autor principiante que era, não escondia o pavor às vésperas da estreia.

Nunca foi segredo a decepção que teve com a política.

Em 1986, Antonio Ermírio foi candidato ao governo do Estado pelo PTB. Na época teve o apoio de três futuros caciques do PSDB -- Mario Covas, José Serra e Fernando Henrique Cardoso.

Na mesma disputa estavam Paulo Maluf e Orestes Quércia, que levou a melhor e assumiu o Palácio dos Bandeirantes em janeiro de 1987.

No meio do processo eleitoral, FHC mudou de lado e passou a apoiar Quércia, uma decisão difícil de ser absorvida pelo empresário.

“O próprio Fernando Henrique ficou constrangido por mudar de candidato”, disse Ermírio em uma entrevista.

Mais tarde os dois se reaproximaram. Quando FHC chegou à presidência, Antonio Ermírio era um dos conselheiros mais frequentes.

Na pauta, dizia o presidente, nada de economia, sempre temas sociais.

“Falo com ele sempre, como amigo que sou. Ele tem grande poder de persuasão, mas precisa se aproximar mais do povo, da realidade brasileira, e fugir um pouco do Palácio do Planalto”, criticou o empresário em uma entrevista sobre política.

No programa da peça "Brasil S/A", de 1996, o emrpesário escreveu um comentário que resume sua visão da política:

“As campanhas políticas têm muito de teatro. Aprendi que o sucesso eleitoral depende basicamente da manipulação competente das emoções dos eleitores. O script precisa ser bom; mas a interpretação é decisiva.”

O empresário não cansava de dizer, sempre que provocado, que se fosse candidato novamente poderiam colocá-lo em uma camisa de força.

Bem antes da candidatura ao governo paulista a política atraía Ermírio.

Ele apoiou a abertura política, iniciada no governo Geisel, e foi um dos empresários ao lado de outras lideranças como Cláudio Bardella e José Mindlin, que assinaram, em 1978, o “Documento dos Oito”, que pedia a volta da democracia.

Ermírio também atuou no movimento das "Diretas Já", na luta pela redemocratização do Brasil.

Ele nunca escondeu a simpatia e o apoio ao PSDB e o pouco apreço pelo PT.

A inspiração para entrar na dramaturgia, contava, veio dos tempos de colégio, pelas mãos de José Rios Castelões, professor de português no Colégio Rio Branco.

Ermírio dizia ler tudo que era sugerido pelo tutor intelectual, como as obras de Machado de Assis, Eça de Queiroz e José de Alencar.

O professor apostava que o aluno tinha vocação para o Direito, carreira que foi cogitada por ele. Mas assim como os irmãos, seguiu para a Universidade de Colorado e estudou Engenharia de Metalurgia.

Quando voltou ao Brasil, começou a trabalhar na CBA, empresa da família do setor de alumínio.

Apesar da diversidade de áreas de atuação do Grupo Votorantim, a indústria do alumínio sempre foi uma das suas preferências.

Expandiu os negócios em família rapidamente e no início da década deu início ao processo de profissionalização e compartilhamento do comando das várias empresas do grupo entre filhos e sobrinhos.

Empresário não gostava de luxo

O empresário Antonio Ermírio de Moraes era conhecido pelos ternos antigos, com aparência amarrotada.

A indumentária era motivo de gozação entre alguns amigos mais próximos, mas ele não dava a mínima para as observações sobre aparência.

Ele desmente todos os manuais e confirmava o ditado “o hábito não faz o monge”.

De hábitos matutinos, o empresário acordava todo dia por volta das cinco da manhã. Às sete horas, religiosamente, seguia para o centro de São Paulo.

Passava pelo Hospital Beneficência Portuguesa ou ia direto para a sede da companhia, na região central de São Paulo.

Da janela do escritório, acompanhou a deterioração do centro da cidade ao longo de décadas e, mais tarde, a revitalização da Praça Ramos, patrocinada pela Votorantim.

A empresa até hoje é responsável pela manutenção dos jardins.

Tonhão, forma carinhosa como costumava ser tratado pelos mais íntimos, não era dado aos luxos que seriam facilmente comprados pela fortuna acumulada durante décadas de trabalho.

Quando a filha caçula Regininha fez 18 anos, ganhou de presente um carro. Nada de um modelo importado. Ao contrário, era um carro popular.

Durante uma viagem a Nova York, ao encontrar a sobrinha Neidinha em um almoço no restaurante Le Cirque, ele e o irmão José Ermírio trataram de apressá-la para que tirasse logo as bagagens do quarto do hotel para não ter de pagar mais uma diária.

Por décadas quem cuidou da sua aparência foi um barbeiro de uma das galerias comerciais do centro da cidade, próximo ao escritório.

Viagens internacionais? Só mesmo nas vezes em que era levado a outros cantos do mundo a trabalho.

Workaholic empedernido, aproveitou a lua de mel em Paris para estagiar em uma siderúrgica.

As primeiras férias com a mulher Maria Regina só aconteceram em 1992, quando foi para as Montanhas Rochosas, no Colorado.

Até pouco tempo atrás costumava dirigir o próprio carro e nem queria saber de andar escoltado por seguranças, como se costuma ver entre grandes empresários da indústria.

Numa ocasião, ao pegar um táxi no ponto próximo ao escritório, na Praça Ramos de Azevedo, até o restaurante Cad’Oro, bem perto dali, pagou o motorista com uma nota de R$ 50.

Mesmo sabendo de quem se tratava (um dos empresários mais ricos do País), o taxista quis devolver o troco.

Ermírio recusou. Depois de insistências e recusas, ele perguntou se o condutor tinha filhos.

Diante da resposta positiva, argumentou. “Então use este dinheiro para fazer alguma coisa por eles”, disse.

Detalhe: sempre que tomava um táxi gostava de se acomodar ao lado do motorista e puxar conversa. Era um curioso, gostava de ouvir o que as pessoas tinham a dizer.

Conforme a idade avançava, ouvia cada vez mais a pergunta sobre a aposentadoria.

Categórico, respondia que só deixaria de trabalhar quando morresse.

Teve de desacelerar bem antes por causa da saúde cada vez mais debilitada. Primeiro, passou a ficar apenas algumas horas no escritório. Depois, apenas alguns dias da semana.

Com o tempo e adificuldade de locomover-se, passou a ir apenas eventualmente ao trabalho.

Mas quando aparecia, fazia questão de se reunir com os principais executivos, atualizar a papelada com a secretária de décadas, Dona Valéria, e ser informado do que estava acontecendo.

Com a idade avançando, era cada vez mais frequente perguntarem sobre o dia da aposentadoria. Ele costumava dizer que só pararia de trabalhar no dia que morresse.

Dedicado ao trabalho desde a juventude

Amigos de Antonio Ermírio de Moraes o descrevem como madrugador e dedicado ao trabalho desde a juventude.

O empresário Álvaro Lopes, dono da Casa Santa Luzia, em São Paulo, lembra de boas histórias dos tempos em que os dois foram colegas de turma no ginásio, no Colégio Rio Branco, em Higienópolis.

Na época a família Moraes já se consolidava como dona de um império em São Paulo. Lopes era filho do dono de um empório de secos e molhados.

Os filhos de José Ermírio, Antonio e José Ermírio de Moraes Filho, o mais velho dos irmãos, iam para a escola sempre bem arrumados. Além do currículo tradicional, os irmãos tinham aulas particulares de inglês.

“O pai deles ajudou no que pode para que tivessem uma boa educação”, recorda Lopes.

Nos jogos de futebol no campinho da escola, Antonio Ermírio era goleiro. A altura ajudava a dar conta do recado na posição.

Corintiano roxo, fazia questão de defender o Timão nas conversas futebolísticas com Lopes, torcedor do São Paulo, que jogava de zagueiro ou ponta esquerda.

A amizade permaneceu quando Antonio Ermírio formou-se em engenharia, Branco em medicina e Lopes tornou-se conhecido por se estabelecer como proprietário de um dos supermercados mais tradicionais da elite paulistana, a Casa Santa Luzia.

Lopes costumava encontrar o colega Antonio Ermírio bem cedo, por volta das 6h30, quando ia fazer compras no Ceasa.

“Por muito tempo ele e a esposa Regina vieram ao Santa Luzia fazer compras”, relembra.

Vizinho

O publicitário Washington Olivetto, dono da agência de publicidade W/Brasil, foi vizinho de Ermírio por muitos anos no Morumbi.

Quando o publicitário acordava, por volta das 6 da manhã, Antônio Ermírio já estava a caminho do Hospital Beneficência Portuguesa ou do escritório na Votorantim.

Ambos torcedores do Corinthians, o assunto era sempre recheado de comentários sobre o futebol.

Em um artigo para o jornal Lance, Olivetto chegou a propor que o empresário se candidatasse à presidência do Corinthians, mas não teve sucesso na campanha.

Convidado em 1991 para fazer uma campanha publicitária para um novo carro da Fiat, o Prêmio, Olivetto lembrou-se do vizinho.

Homem respeitado e conhecido por ser trabalhador, ele seria ideal para divulgar o novo modelo popular da montadora italiana.

“Como ele não aceitaria participar só pelo cachê, pensei na possibilidade dele doar o pagamento a uma instituição de caridade”, recorda o publicitário.

A campanha associava o empresário ao carro com frases como “Dr. Antônio é um homem grande. O Fiat Prêmio também”.

Filantropia

Em 2003, o empresário Paulo Lima, da editora Trip, procurou Olivetto para que ele entregasse notas de R$ 10 a uma pessoa rica e a alguém de baixo poder aquisitivo.

Os dois poderiam comprar o que quisessem. O resultado renderia um artigo escrito pelo publicitário.

Um office boy da W/Brasil foi um dos escolhidos e o outro foi Antônio Ermírio, que optou por multiplicar a quantia com muitas outras notas de R$ 10 e fazer uma doação para uma instituição de caridade.

Ele explicou o motivo em uma comovente carta a Olivetto onde dizia:

“Só você poderia reviver em minha alma um sentimento tão gostoso quanto o experimentado quando recebi os R$ 10 que gentilmente me enviou. Recordar é viver. Você me trouxe saudade, muita saudade, de minha mãe. Lembro-me como se fosse hoje que ela sistematicamente dava ao Instituto de Cegos Padre Chico uma quantia de 10 mil réis todos os meses... Ao receber o seu envelope com 10 reais, falei com duas religiosas daquele instituto e perguntei a elas o que fazer com recursos múltiplos dos seus 10 reais. Como conclusão, prometi à Madre Superiora do Instituto de Cegos Padre Chico que durante 30 dias manteremos, com o múltiplo dos seus 10 reais, as despesas desse Instituto com escola e alimentação para aquelas 80 crianças... Nunca, meu caro Washington, 10 reais fizeram tão bem à nossa alma.”

Antonio Ermírio era conhecido pela atuação social. Boa parte da sua jornada de trabalho era reservada para a gestão do Hospital Beneficência Portuguesa que, apesar de ser particular, atendia principalmente a pacientes do Sistema Único de Saúde, o SUS.

Apaixonado pelas artes, especialmente pela música clássica, Ermírio acertou com o maestro Silvio Baccarelli que todo último sábado do mês o salão nobre do hospital seria palco de uma apresentação para pacientes, médicos e funcionários.

Um dos concertos foi com as crianças de Heliópolis, um dos bairros mais carentes de São Paulo.

No final da apresentação, o empresário fez questão de conversar com as crianças.

Foi quando soube pelo maestro que aquela talvez fosse a última apresentação do grupo. O patrocinador do projeto havia desistido.

Curioso, Ermírio quis saber mais sobre o projeto. Diante do grupo de crianças e de Baccarelli, anunciou:

“Não se preocupem. Eu vou ficar com essas crianças. É um projeto muito importante para a educação e a cultura do nosso País. A partir de agora vocês são meus filhos e eu vou cuidar de vocês”.

Até hoje o projeto é sustentado por ele, que várias vezes foi a Heliópolis para saber como andavam seus "filhos".

Detalhe: sem segurança e sem medo da violência.
Palco.

O diretor de teatro José Possi Neto, que dirigiu a peça "Acorda, Brasil", escrita por Ermírio, descreve o empresário como muito preocupado com a cultura.

“Foi o maior exemplo que conheci de perto de um brasileiro que tinha a consciência plena de cidadania, do que é ser um cidadão responsável, do que é a capacidade de usar o poder com responsabilidade e suprir as carências do brasileiro”, relata.

Nos ensaios da peça, Ermírio deixava de lado o perfil empresarial e se envolvia com a equipe como se tivesse a vida toda feito parte da criação cultural do País.

“Ele se deu ao luxo e ao prazer de respirar o ar da criação. Usufruiu do convívio dos artistas, adorava conversar com todos. Muito curioso, fazia questão de beber daquela fonte. Deixou uma marca no teatro ao abordar temas como saúde e educação”, afirma o diretor.

O amigo e banqueiro Lázaro de Mello Brandão, do Bradesco, destaca a dedicação de Ermírio ao trabalho:

“Antônio Ermírio de Moraes é um trabalhador incansável, sempre a serviço do desenvolvimento brasileiro. Um líder empresarial que granjeou o respeito de seus pares e de toda a sociedade. Um homem que soube viver segundo os seus princípios, tornando-se um modelo do empresário ético, dedicado, envolvido com as questões e os desafios de seu tempo. À frente do Grupo Votorantim, mostrou, ao longo de muitas décadas, uma energia que parecia inesgotável. Estudioso, dominou várias áreas do conhecimento. Da siderurgia à física, da geologia ao campo mais ameno do teatro”.


  

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