Agronegócio pede mudança de plano de governo de Marina para confirmar apoio 05/09/2014
- Roldão Arruda - O Estado de S. Paulo
Promessa de rever indicadores de produtividade agrícola para facilitar desapropriação para reforma agrária, contida no programa do PSB, é classificada como "ultrapassada" e trava negociações.
A começar pela escolha de seu vice na chapa, o deputado Beto Albuquerque, defensor do agronegócio no Congresso, a candidata do PSB à Presidência, Marina Silva, tem desenvolvido enorme esforço para vencer as resistências que sempre enfrentou nesse setor.
Por meio de encontros com líderes e parlamentares da bancada ruralista e mudanças no tom de seu discurso, deixando até de se referir ao atual Código Florestal como um “retrocesso”, a ex-ministra do Meio Ambiente tem conseguido progressos.
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Há um ponto, porém, em seu programa de governo, divulgado uma semana atrás, que trava a discussão. Trata-se da promessa de rever os indicadores de produtividade agrícola, para facilitar os processos de desapropriação para a reforma agrária.
Entre especialistas e dirigentes de entidades ligadas ao agronegócio, a promessa, contida na página 58 do programa, no capítulo Economia para o Desenvolvimento Sustentável, tem sido qualificada com expressões como “atrasada”, “extemporânea”, “ultrapassada”, “velha”, “fora da realidade” e “contrassenso”, entre outras.
No meio é cada vez mais forte a opinião de que o apoio à candidata dependerá da retirada desse parágrafo do programa.
“Essa questão causou espanto em todos que estudaram o programa, porque é muito ultrapassada”, disse ao Estado o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Luiz Carlos Correa Carvalho.
“De maneira geral, as propostas dela para o agronegócio são de boa qualidade, mas isso é um contrassenso. Estamos debatendo com os responsáveis pelo programa. Parece a história do bode que colocam na sala, para retirar em seguida, quando a situação se torna insuportável.”
Para o professor Roberto Rodrigues, que foi ministro da Agricultura no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e hoje coordena o Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, a ex-ministra do Meio Ambiente ressuscitou uma questão que estava enterrada há quase dez anos.
“O próprio Lula, ao chegou ao governo com essa bandeira de seu partido, o PT, viu que ela não tinha o menor sentido”, disse ele.
“Viu que o produtor rural, quando fica com a produtividade abaixo da média, quebra. É o mercado que desapropria. Não precisa de um índice especial. Tem índice para fábrica? Cinema? Restaurante? Não. Porque nunca economia liberal, competitiva, quem não for produtivo, quebra.”
O presidente da Federação da Agricultura do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, tem opinião semelhante.
“Não existe nenhum outro setor da economia no qual você questiona a propriedade baseando-se em índices de produtividade”, afirmou.
“Isso gera insegurança jurídica, que estamos combatendo há muito tempo e que a ex-senadora havia incorporado ao seu discurso. O que ele fez no programa é um contrassenso.”
O índice de produtividade, lembrou o ex-ministro Rodrigues, foi criado durante o regime militar, quando a agricultura brasileira era, de fato, produtiva.
“Fazia parte de uma estratégia para estimular a ocupação do território nacional com a agricultura”, explicou.
A lei está em vigor até hoje e a sua atualização é defendida sobretudo por movimentos de sem-terra.
Alegam que os índices em vigor, que foram atualizados pela última vez em 1974, não correspondem à realidade rural.
Sem a sua atualização, defendem os movimentos, torna-se quase impossível desapropriar áreas rurais para destiná-las à reforma agrária.
O índice não foi atualizado durante os dois mandatos de Lula e sequer chegou a ser analisada sob o governo da presidente Dilma Rousseff.
Ele entrou no programa de Marina no mesmo capítulo em que ela promete assentar 85 mil famílias em lotes da reforma agrária, atendendo a reivindicações de movimentos sociais.
Ali também está dito que ela pretende acelerar processos de desapropriação em casos de desrespeito às leis trabalhistas e ambientais.
Para Riedel, essas propostas relativizam o conceito de propriedade e criam insegurança.
“Diante de tantas tarefas que temos pela frente, como a realização do cadastro ambiental, não dá para entender porque qual motivo ela aparece com essa discussão atrasada e extemporânea.”