Em alta, mercado de flores tropicais vira aposta na terra do agronegócio 01/01/2015
- Leandro J. Nascimento - G1/MT
Mato Grosso, Centro-Oeste do Brasil. Economia predominantemente agropecuária e que concentra a maior parcela da produção brasileira.
Apenas neste ano, saíram do campo 48 milhões de toneladas de grãos (25% do total do país), proporcionando um faturamento bruto de R$ 56 bilhões.
Na terra do agronegócio, onde o colorido dos campos de soja, milho e algodão e o gado imperam, não falta espaço para a diversificação.
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E tem gente mostrando como isso está funcionando na prática.
É um pequeno grupo que se mantém distante dos holofotes do agribusiness, mas que descobriu como aproveitar um nicho pouco explorado: a produção de flores tropicais.
"Há setores com muita possibilidade na pequena propriedade", afirma Leide Katayama, diretora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado de Mato Grosso (Sebrae-MT) , uma instituição especializada em fomentar o empreendedorismo e em descobrir novos talentos.
A cultura das flores e folhagens tropicais foi introduzida no Brasil há 30 anos com o objetivo de atender ao mercado europeu e asiático. Aos poucos, nomes como helicônias, alpínias, bastões-do-imperador, gengibres passam a fazer parte do cotidiano mato-grossense.
“Cada uma delas tem uma beleza diferente e só de ficar olhando, a vida fica muito mais florida”, diz Maria José de Souza, uma produtora de flores tropicais apaixonada pelo ramo que descobriu há sete anos. Uma nova fase da vida começou quando ela deixou a área da construção civil para, junto com o marido, ex-bancário, apostar no negócio.
Na pequena chácara próxima de Cuiabá, a atividade virou coisa séria e o trabalho antes feito em meio hectare avançou para três hectares. São 23 espécies da família helicônia que são produzidas durante o ano todo, em uma sinfonia de cores, texturas e tamanhos.
O que parecia apenas uma atividade com fins de contemplação ganhou escala comercial e também fomentou a geração de empregos. A produtora conta que semanalmente são pelo menos mil hastes colhidas e vendidas. As grandes saem a R$ 2 a unidade, enquanto as pequenas, a R$ 1,50. Entre os clientes estão decoradores da capital que, assim como os Souza, renderam-se às flores tropicais pelo encanto, cor e resistência.
Juntamente com a parte produtiva, Maria José e a família investiram também na oferta de arranjos já prontos para atender escritórios, shoppings e outros estabelecimentos comerciais. Tudo após a parceria certeira com outra sócia no negócio das flores tropicais.
Pelo menos três pilares balizaram a decisão da agora produtora de flores: a viabilidade de produção, mercado e bons preços. A combinação foi o tom que faltava para enxergar um futuro promissor.
De acordo com o Sebrae, em Mato Grosso são pelo menos seis produtores de flores tropicais, sendo cinco na baixada cuiabana e um em Sorriso, município da região Médio-Norte. A área plantada no estado chega a 20 hectares e contempla 15 espécies. No país, o maior produtor é Alagoas com 40 hectares de terras.
Conforme explica a diretora do Serviço, Leide Katayama, a ideia do incentivo às flores foi lançada em 2003, quando o Sebrae deu início a um projeto direcionado à cadeia e que resultou na realização de diferentes atividades até 2011.
"No começo os técnicos do Sebrae fizeram uma análise de mercado e perceberam que estava em expansão o setor. Na época, ainda não se falava na produção de flores tropicais. Toda produção do setor era focada nas plantas ornamentais e de flores temperadas", conta a gestora.
Ainda segundo a diretora do Sebrae, duas empresas dominavam o mercado de flores no estado. Uma no município de Jangada e a outra em Chapada dos Guimarães, com flores temperadas (gérberas, crisântemos e rosas)
Grande parte do estoque destas floriculturas era adquirida em Campinas e em Holambra, no estado de São Paulo.
Mas antes de iniciar o plantio das flores no estado, foi preciso despertar a cadeia e incentivar produtores, decoradores e floristas.
"Houve a necessidade de fazermos missões técnicas para o Nordeste do país, além da Costa Rica, que é um grande produtor mundial de flor tropical. Tudo para conhecer o manejo e saber como funcionava o negócio", lembra Aureliano da Cunha Pinheiro, que foi à época o gestor do projeto de Flores Tropicais do Sebrae/Mato Grosso.
"A partir das capacitações, surgiram os primeiros floristas. Cerca de 20 pessoas começaram a fazer o cultivo. O problema é que era tudo em pequena escala e os produtores não conseguiam atender com volume, frequência e qualidade todos os eventos da cidade", pontua ainda Aureliano da Cunha Pinheiro.
O primeiro experimento com as flores tropicais começou no coração de Cuiabá, fora de qualquer área rural: os jardins do Centro de Eventos do Pantanal. Neles eram testadas as plantas e as adaptações às condições mato-grossenses.
"Tínhamos uma necessidade de conhecer o manejo destas culturas, as condições de produção, de solo e se eram adequadas. Este foi o primeiro laboratório", relembra Aureliano.
Paralelamente aos pequenos jardins, os produtores que participavam do projeto deram início ao cultivo de pequenas áreas nas propriedades rurais.
"Mas o foco ainda não era de comercialização e sim quase que de observação. À medida que fomos dominando o conhecimento, eliminamos algumas espécies que não eram viáveis", destaca Pinheiro.
O projeto de desenvolvimento da cadeia produtiva das flores e folhagens tropicais encerrou o ciclo de orientações e acompanhamento conjunto em 2011, agregando diferentes parceiros. Desde então, o Sebrae faz o acompanhamento dos produtores, mas de forma individualizada.
Quem ingressou no cultivo das flores, inspirado na iniciativa de sucesso, explica porque a informação também foi importante para o sucesso do negócio.
Resultados Práticos
Em um sítio próximo à capital mato-grossense, a família Benetti também faz da produção de flores um negócio.
O perfil de produtores foi descoberto dentro do projeto desenvolvido pelo Sebrae.
Enquanto o casal Selma e Paulo se dedica ao cultivo das flores, a filha, Marília, faz a montagem de arranjos.
Formada em administração ela se tornou decoradora depois que os pais adquiriram o imóvel rural na região da Serra da Petrovina.
Ao todo, são quatro hectares ocupados com flores e o destaque é o bastão-do-imperador. O trabalho deu certo e a família já aposta na ampliação dos negócios, investindo nas folhagens.
"Todo arranjo requer um verde, um diferencial e folhagem hoje é um mercado bastante promissor ", conta o produtor Paulo Benetti, um ex-bancário aposentado.
Ele lembra que, no início, outras atividades também eram desenvolvidas no pequeno sítio, como a criação de suínos, galinhas, patos. Mas, com o tempo, as flores ganharam espaço e conquistaram toda a família.
Segundo explica a engenheira agrônoma e doutora em agricultura tropical, Eliane Maria Forte Daltro, Mato Grosso tem as condições técnicas para flores e folhagens.
"Do grupo de flores que temos, que são as temperadas e as tropicais, as tropicais são as de melhor condição. Precisam de bastante água, matéria orgânica para manutenção da produção", afirma a doutora.
Eliane, que atualmente responde pela área de pesquisa da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), lembra que a exploração da atividade de flores pode ser feita usando pequenas áreas no estado, com custos de produção inferiores aos das flores temperadas (das quais fazem parte as rosas, por exemplo).
A Empaer foi uma das parceiras mobilizadas pelo Sebrae mato-grossense no projeto para desenvolvimento da cadeia de flores tropicais. Há sete anos, mantém um centro de pesquisa especializado em flores tropicais no município de Acorizal, a 59 km de Cuiabá.
"Buscamos novas espécies que podem ser usadas aqui. Estudamos a adaptação delas, como a melhor forma de conduzir a cultura no estado. O solo, o clima, a adubação para, depois, passar ao produtor as informações", diz a diretora de pesquisa. Além do trabalho com as helicônias, as apostas agora estão em torno dos antúrios.
"Os antúrios são para as flores tropicais o que as rosas são para as flores temperadas", lembra ainda Aureliano Pinheiro, do Sebrae.
Se depender do entusiasmo e vontade dos produtores, as flores tropicais vão ganhar cada vez mais popularidade entre os pequenos agricultores.
Elas podem não ser tão populares quanto a soja ou o milho, mas vão contribuir para um futuro melhor de quem buscou neste ramo uma nova filosofia de vida.