Missão que pretende colonizar Marte começa a criar desconfiança 20/03/2015
- Salvador Nogueira - Folha de S.Paulo
O gato marciano está subindo no telhado. O projeto privado holandês Mars One, que diz pretender estabelecer a primeira colônia humana no planeta vermelho, está sendo atacado. Engenheiros, cientistas e até candidatos a astronauta dizem que se trata apenas de marketing.
O plano liderado pelo engenheiro holandês Bas Lansdorp, anunciado em 2011, envolve o envio de tripulações de quatro pessoas para Marte com passagens só de ida.
Após chegar, elas morariam e morreriam por lá, em uma base construída com espaçonaves já existentes.
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O primeiro grupo partiria em 2026, com chegada a Marte em 2027, e a cada dois anos um novo time de quatro pessoas repetiria a viagem.
O custo estimado pela organização até o primeiro voo é de US$ 6 bilhões, que seriam financiados por meio de doações, patrocínios e a venda dos direitos de transmissão de um "reality show" mostrando o processo de seleção e treinamento dos astronautas. A cada voo adicional, mais US$ 4 bilhões.
No fim do ano passado, porém, uma análise feita por um grupo do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) mostrou que, seguindo as especificações dadas pelo plano da Mars One, a primeira tripulação morreria 68 dias após o pouso, por falta de oxigênio, entre outros problemas -- se é que é preciso se preocupar com eles quando os colonos estão mortos.
Além disso, o custo seria bem maior do que o orçamento projetado pela Mars One.
E O DINHEIRO?
"Atualmente eles estão com US$ 800 mil", diz Lucas Fonseca, engenheiro brasileiro que participou da missão europeia Rosetta, que pousou um módulo num cometa no ano passado. "Menos de 1% do que dizem precisar para os próximos cinco anos."
O "oba-oba" foi bem feito. Quando eles abriram as inscrições para "astronautas", em 2013, milhares de pessoas de todas as partes do mundo aderiram. Diversas etapas foram eliminando candidatos, até chegarmos a cem –dentre os quais uma brasileira, a professora Sandra da Silva, 51.
Mas até mesmo alguns dos candidatos aprovados já começaram a ficar desconfiados. Joseph Roche, astrofísico irlandês, é um deles. Ele faz parte dos cem escolhidos, mas começou a olhar torto depois de ver como o processo de escolha avançou.
Até hoje, ele diz não ter falado pessoalmente com ninguém da Mars One e disse que os escolhidos precisaram gastar dinheiro em produtos com a marca do projeto para atingir o topo da lista.
"Você ganha pontos por passar em cada rodada do processo seletivo, e o único jeito de ganhar mais pontos é comprar produtos da Mars One ou doar dinheiro para eles."
Até aí, todo mundo sabe que a iniciativa depende de doações. Mas não há como juntar US$ 6 bilhões desse modo. O grosso do dinheiro deveria vir do contrato de TV fechado com a Endemol, mesma empresa que detém os direitos do "Big Brother".
Contudo, em declaração recente à imprensa britânica, a companhia disse que o contrato foi rescindido por falta de acordo em detalhes.
Uma missão tripulada a Marte é tecnicamente viável, mas não será barata.
OUTRO LADO
Procurada pela Folha, Suzanne Flinkenflögel, diretora de comunicação da Mars One, diz que várias das alegações feitas pelo participante Joseph Roche são falsas.
"As doações dos candidatos não têm influência alguma no processo de seleção de astronautas", afirma.
Em resposta ao estudo do MIT, o líder da iniciativa Mars One, Bas Lansdorp, declarou que as versões mais atuais do projeto solucionam problemas técnicos como a potencial asfixia dos astronautas.
Quanto ao financiamento, a Mars One precisaria apenas de uma pequena fração dos US$ 6 bilhões para o primeiro voo, marcado para 2026.