O poderoso Cunha 21/03/2015
- Daniel Pereira e Malu Gaspar - reviata VEJA
Ao anunciar no plenário da Câmara, impávido por trás dos óculos, que o ministro da Educação acabava de ser demitido, o presidente da Casa, Eduardo Cunha, dirimiu qualquer dúvida sobre a relação existente entre o poder e o vácuo.
Como na natureza, o primeiro abomina o segundo. Sendo assim, ao enfraquecimento do Poder Executivo, materializado na reprovação recorde da presidente Dilma Rousseff, sobreveio o imediato fortalecimento do Legislativo -- embalado na figura até há pouco desconhecida de Cunha.
Eleito para o quarto mandato de deputado federal com 233.000 votos, Eduardo Cunha conquistou a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro, contra a vontade da petista.
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Desde então, ele vem impondo à presidente uma sequência de derrotas e constrangimentos.
Quanto mais ela se fragiliza, mais ele exercita os músculos.
Esse intercâmbio de poder ficou claro na semana passada.
Cunha convocou Cid Gomes a prestar esclarecimentos na Casa por ter declarado que lá se encontravam "300 ou 400 achacadores".
Cid entrou ministro da Educação e quando saiu era ex-ministro.
Cunha exigiu a sua demissão e conseguiu.
Para sublinhar a vitória, anunciou ele próprio a saída do ministro -- fez isso sentado em sua cadeira de presidente da Câmara e antes mesmo da divulgação oficial da notícia.
Ao mandar para casa um quadro pertencente à cota pessoal da presidente e peça-chave na estratégia governista de reduzir o poder do PMDB, Cunha, aos olhos de correligionários, "vingou" a sigla.
Colegas passaram a chamá-lo de "primeiro-ministro".
"Ele se tornou a principal pessoa a enfrentar o PT e o governo. Isso estava faltando ao nosso partido", diz o ex-presidente José Sarney.
Não que a proverbial incontinência verbal da família Gomes não tenha facilitado a façanha.
Cid Gomes -- como já havia feito antes seu irmão, Ciro Gomes, ex-ministro também e ex-candidato à Presidência da República -- caiu praticamente sozinho, derrubado pela própria língua.
Sua fala no plenário da Câmara começou com uma tentativa débil de se desculpar e terminou aos berros, com mais acusações de achaque, dessa vez dirigidas especialmente ao presidente da Casa.
Orientado por ele, o PMDB ameaçou abandonar a base governista.
"Se a presidente não o demitisse, estaria indicando que não há Legislativo no Brasil", declarou Eduardo Cunha.
"Apenas defendi o Poder. O conceito de Parlamento submisso estava muito enraizado."
A presidente não gosta do deputado. Em privado, já repetiu o que Cid Gomes disse em público.
Dilma não tem força para confrontar o peemedebista ou se impor ao Congresso.
Isso é novidade no presidencialismo brasileiro, um sistema cuja estabilidade repousa no excessivo poder do chefe do Executivo e na fragmentação dos partidos no Congresso.