Num misto de deboche e ofensa, o termo "coxinha" passou a ser usado pela máquina de propaganda petista para se referir à heterogênea massa de brasileiros que sai às ruas para protestar contra o partido e a presidente Dilma Rousseff.
A palavra que na gíria paulistana costumava designar "bons moços" -- aqueles que sempre seguem as regras -- agora é empregada com o objetivo de se referir pejorativamente ao que o PT chama de elite.
Mas, afinal, quem são os coxinhas que decidiram externar sua insatisfação com o governo?
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"Estamos na rua para lutar contra a corrupção e também para mostrar que não existe divisão no país, não há uma classe inimiga", define o empresário Marcelo Macedo, de 39 anos, um dos muitos coxinhas que não temem o apelido -- pelo contrário, o assumem com orgulho.
Os coxinhas querem se fazer ouvir.
Bem longe de baterem panelas de grife francesa em suas varandas gourmet, os coxinhas protestam aos domingos, como gostam de salientar, porque trabalham nos outros dias da semana.
E não sem razão perderam a paciência com o governo petista: a classe média é um dos extratos sociais mais afetados pelo resultado desastroso das práticas econômicas intervencionistas adotadas por Dilma em seu primeiro mandato -- que agora resultam em inflação acima da meta e estagnação econômica.
Macedo afirma que o "basta" que levou o grupo para as ruas é resultado de doze anos de governo em que o PT relegou aos críticos o papel de vilão -- e de inimigo daqueles que, beneficiados por políticas sociais, deixaram a linha da miséria ao longo desse período.
Os coxinhas se cansaram do deboche e das tentativas de deslegitimação de seus pleitos. Por isso, uniram-se para protestar.
"O Lula cresceu politicamente fazendo a massa humilde acreditar que existia uma classe do mal que não queria o crescimento do Brasil, e isso deu certo. Uma determinada parcela da população foi desmoralizada e está indignada com isso", diz o empresário.
Os críticos do governo mobilizam-se em grupos nas redes sociais para discutir a atual situação do país -- um engajamento político até então adormecido e que engrenou durante as eleições presidenciais do ano passado.
A princípio, em uma tentativa de angariar votos para o candidato Aécio Neves (PSDB-MG), os coxinhas usaram as redes para organizar manifestações.
Passadas as eleições, os grupos continuam na ativa e levaram mais de 1 milhão de brasileiros às ruas em 15 de março.
Como se viu na ocasião, seja nas redes ou nas ruas, os coxinhas estão muito longe de usar apenas camisas bordadas com enormes brasões de times de polo ou defender a intervenção militar.
É fácil perceber que não passa de uma rasa caricatura a tentativa de associar o termo "coxinha" ao estereótipo do tipo rapaz engomadinho ou reacionário.
Engajamento à parte, o apelido também causa constrangimento.
Os líderes dos movimentos Vem Pra Rua e Brasil Livre, Rogerio Chequer e Kim Kataguiri, respectivamente, recusaram os pedidos de entrevista do site de VEJA para tratar do tema.
Alguns coxinhas assumidos nas redes sociais também se recusaram a falar publicamente sobre o assunto.
No Facebook, apenas uma comunidade enaltece o "orgulho coxinha".
Outras quatro, ao menos, fazem piada com a caricatura reacionária atribuída ao apelido.
Não se sabe ao certo como o nome do salgadinho entrou para o vocabulário político.
Na internet, se acumulam suposições. Uma delas, por exemplo, diz que na origem de tudo estaria uma gíria para se referir a policiais.
Eles são chamados de "coxinhas" em alusão ao valor do vale-refeição que lhes permite comer apenas salgados baratos no horário de trabalho: o vale-coxinha.
Até mesmo a origem da coxinha no Brasil é um mistério.
Há um folclore, porém, em torno da história da massa frita recheada com frango desfiado quem tem como protagonista a princesa Isabel e foi narrado pela pesquisadora Maria Nadir Cavazin no livro "Histórias e Receitas - Sabor, Tradição, Arte, Vida e Magia" (Sociedade Pró-Memória de Limeira, 2000).
Segundo a publicação, o salgado teria surgido de um improviso da cozinheira da princesa Isabel para agradar ao filho que ela teve com o Conde D'Eu.
A criança só comia coxas de galinha e, na falta do ingrediente, a cozinheira reproduziu sua forma com uma massa recheada com restos desfiados da carne.
O improviso teria ganho fama após a visita da imperatriz Tereza Cristina e do imperador Dom Pedro II à residência da família, a Fazenda Morro Azul, na cidade de Limeira, no interior de São Paulo, no fim do século XIX.
A imperatriz experimentou e gostou tanto da invenção que passou a servi-la nas recepções reais.
Ao longo da história, a suposta origem nobre não atrapalhou a natureza democrática da coxinha.
Do paladar para a política, espera-se que o salgado siga a mesma trajetória.