Governo lança pacote de concessões, mas financiamento é incerto 09/06/2015
- Veja.com
Com o período de vacas magras no BNDES, escassez de recursos pode atrapalhar plano que prevê o repasse à iniciativa privada de quase 200 bilhões de reais em ativos de infraestrutura
A presidente Dilma Rousseff lançou na manhã desta terça-feira um plano de investimentos em infraestrutura e logística que pode lhe servir a dois objetivos: transferir à iniciativa privada os investimentos que o governo não conseguiu fazer em aeroportos, portos, rodovias e ferrovias; e tentar lançar uma maré de notícias positivas no intuito de convencer o empresariado de que o Brasil não está no fundo do poço.
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Ambos os objetivos envolvem dinheiro -- e muito. O pacote requer investimentos numa cifra próxima de 200 bilhões de reais.
Nas concessões do primeiro governo Dilma, a atratividade do investimento era garantida, sobretudo, porque o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrava na operação como o maior financiador das obras.
Tal generosidade só era possível porque o banco recebeu 400 bilhões de reais do Tesouro nos últimos sete anos para conseguir financiar operações nem sempre transparentes.
Mas, em ano de ajuste fiscal, o poder de fogo da instituição minguou.
E como o mercado de capitais brasileiro não está calibrado para empreitadas tão vultosas, a expectativa recai sobre quem bancará o pacote.
A presidente garantirá, hoje, que o BNDES financiará 70% dos projetos.
Mas crer em tal proposta não é tão fácil para os investidores que assistem a agonia de um governo que junta moedas para conseguir cumprir ao menos parte da meta de superávit primário deste ano.
O BNDES e o governo garantem que não faltará dinheiro. Mas suas ações dizem o contrário.
O ministro da Fazenda Joaquim Levy não esconde que o período de aportes bilionários ao Tesouro acabou, mesmo que o Congresso tenha autorizado, há três semanas, repasses de 50 bilhões ao banco.
Na última semana, o ministro também anunciou novas regras para que empresas consigam captar junto à instituição de fomento.
A partir de agora, as grandes companhias (com faturamento acima de 1 bilhão de reais) que tiverem interesse em obter crédito a juros subsidiados (que têm como referência a TJLP, de 6,5% ao ano), precisarão utilizar também recursos de captação no mercado de capitais, por meio da emissão de dívida e debêntures.
A intenção do governo é retirar, paulatinamente, a dependência do empresariado em relação ao banco de fomento.
A missão não é fácil quando se trata de um país cuja taxa básica de juros alcança 13,75% ao ano, uma das maiores do mundo.
Com a Selic alta, investidores tendem a ganhar mais investindo em títulos atrelados a juros, o que deixa projetos de longo prazo menos atrativos.
Enquanto o BNDES terá de tentar segurar o fardo dos investimentos de longo prazo, os bancos privados devem assumir os chamados empréstimos-ponte, tipo de financiamento de curto prazo concedido ao empreendedor para garantir o início dos investimentos enquanto o crédito de longo prazo é analisado.
Nos últimos pacotes, o banco de fomento também era a fonte dessas operações, que devem ficar agora a cargo das instituições de varejo, com custo de mercado -- bem acima da TJLP.
O governo acredita que, até que os financiamentos de longo prazo sejam de fato aprovados, em meados de 2017, as contas públicas já estejam com alguma folga e o banco não deixe o investidor a ver navios.
Mas a própria preocupação do mercado com a capacidade de financiamento da instituição pode elevar as taxas de risco dos negócios.
E essa dinâmica pode se converter em maiores tarifas para os usuários dos serviços.
O governo conta também com a China para ajudar a bancar os investimentos em infraestrutura.
Em visita ao Brasil, em maio, o premiê chinês Li Keqiang assinou memorandos de intenções com o governo brasileiro para mais de 35 acordos.
Ainda que os projetos sejam apenas rascunhos, sem qualquer estudo de viabilidade, já serviram para que o Palácio do Planalto incluísse um de seus pontos no pacote lançado nesta terça.
Até a semana passada, o plano de infraestrutura era estimado em 134 bilhões de reais, mas foi elevado em cerca de 50 bilhões de reais devido à inclusão do acordo internacional para a construção da ferrovia bioceânica (entre o Peru e o Brasil, com participação chinesa), da ferrovia Rio-Vitória e de outros projetos engavetados em 2014.
Por meio do pacote, o governo quer também estimular a taxa de investimento da economia -- um dos fatores que mais tem pesado na queda do Produto Interno Bruto (PIB).
A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador de investimentos do PIB, caiu 1,3% no primeiro 2015.
Trata-se da sétima queda trimestral consecutiva e da maior sequência negativa desde a compilação do dado, que teve início em 1996.
Projetos anunciados:
- Rodovias - Estão previstos, ainda este ano, quatro leilões de projetos de rodovias iniciados em 2014: BR-476/153/282/480 (PR/SP); BR-163 (MT/PA); BR-364/060 (MT/GO) e BR-364 (GO/MG).
Os novos leilões, somados à renovação da concessão da Rio-Niterói, totalizam 19,6 bilhões de reais em investimentos.
Também estão previstos na segunda etapa do programa onze novos projetos rodoviários, abrangendo 4.867 km que somam 31,2 bilhões de reais, além de novos investimentos em concessões existentes (15,3 bilhões de reais).
- Ferrovias - O modelo de concessão das ferrovias será aperfeiçoado.
O governo federal poderá optar entre realizar os leilões por maior valor de outorga, menor tarifa ou compartilhamento de investimento.
A escolha do modelo se dará de acordo com as características de cada ferrovia. Em todos os casos, haverá garantia de acesso a terceiros (direito de passagem e tráfego mútuo).
- Portos - Foram definidos arrendamentos de 29 terminais no primeiro bloco e 21 terminais no segundo bloco.
Além disso, outros 63 novos Terminais de Uso Privados (TUPs) estão em análise pela Secretaria de Portos.
- Aeroportos - Nesse setor, foi definida a concessão ao setor privado dos aeroportos de Porto Alegre (2,5 bilhões de reais), Salvador (3 bilhões de reais), Florianópolis (1,1 bilhões de reais) e Fortaleza (1,8 bilhões de reais), com previsão do início dos leilões no terceiro trimestre de 2016.