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DIA A DIA

Para cientista político, Dilma precisa convencer empresariado americano
15/06/2015 - RAUL JUSTE LORES - FOLHA DE S.PAULO

A visita da presidente Dilma Rousseff aos EUA no fim do mês deveria servir para "convencer" o empresariado americano de que o Brasil fará reformas para se tornar "mais transparente e mais receptivo" aos investimentos externos depois de "tantos escândalos".

É o que opina o criador da consultoria de risco Eurasia e professor de política global da New York University, Ian Bremmer, 45.

Para ele, o futuro do Brasil não está "nem no Mercosul, nem nos Brics", e o país ganharia mais se estivesse mais próximo "das nações ocidentais industrializadas".


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"Não são as estatais chinesas que vão trazer a transparência e a governança que a sociedade brasileira exige hoje".

Mas ele admite que os EUA não têm "agenda ou estratégia" que reconheça a importância do Brasil, e "Obama só tem um ano e meio no cargo".

Autor do recém-lançado "Superpower" [Superpotência], em que disseca os erros da política externa americana pós-Guerra Fria, ele também faz sugestões a quem suceder Obama.

Leia a entrevista:

O sr. escreve no seu livro que "EUA e Brasil têm a oportunidade de, a longo prazo, se aproximarem". Por que estão distantes?

– Não há estratégia ou agenda entre os dois países. Em Washington não há o reconhecimento da importância que o Brasil poderia ter caso fosse mais alinhado aos EUA.

Poderíamos estender o Nafta [bloco comercial da América do Norte], incluir o Brasil no TPP [bloco comercial dos países do Pacífico], ou ter mais cooperação na arquitetura do sistema internacional, mas o país é negligenciado.

Houve algum esforço para mudar de assunto e ir adiante depois da crise da espionagem, mas ainda é pouco.

Qual é a sua expectativa em relação à visita de Dilma à Casa Branca?

- Minha expectativa é bem baixa. Dilma deveria fazer vários contatos com o setor privado para o empresariado ficar mais interessado no Brasil.
Obama só tem um ano e meio de Casa Branca, não vai criar uma nova estratégia para o Brasil. Tem problemas demais na mesa dele: Estado Islâmico, Iraque, China, Rússia e Ucrânia.
Mas Obama deveria tratá-la como fez com o [primeiro-ministro] indiano [Narendra] Modi. Obama levou-o ao Memorial Martin Luther King, algo fora da agenda, passou mais tempo com ele, transformou em contato pessoal. Ele precisa mostrar que não está recebendo um chefe de Estado qualquer.

E o que ela precisa fazer em Washington?

- Se Dilma conseguir mostrar ao empresariado americano que vai saber aproveitar a crise da Petrobras e fazer reformas para que as estatais sejam mais transparentes, reformas que sejam mais favoráveis para atrair o investimento estrangeiro, ela ganharia bons aliados aqui. Desculpe, mas não são as estatais chinesas que trarão a transparência e a governança moderna que a sociedade brasileira quer ver depois de tanto escândalo. São as multinacionais ocidentais, ela precisa construir pontes.

Em Washington, é comum ouvir diplomatas culpando o Brasil de não querer relações mais próximas com os EUA, de preferir os Brics e de ser antiamericano. O sr. concorda?

- A ênfase Sul-Sul fazia sentido para o Brasil há dez anos, durante o boom das commodities. Hoje o Brasil é mais avançado, tem uma classe média maior e com mais exigências por melhores serviços, governança, transparência. O Brasil precisa ter aspirações maiores.

Atualmente, o Brasil é parte do Mercosul, mas esse não é o futuro para vocês. O Brasil precisa de muito mais. É o mais avançado dos Brics, o mais ocidental, o que tem mais instituições funcionando. Vocês têm mais a ver com as democracias industrializadas do que com Rússia ou a China.

Mas o G8 virou G7 de novo, com a exclusão da Rússia, a China nunca foi convidada e a reforma do FMI que daria mais espaço aos emergentes empacou. Os países ricos abririam espaço para o Brasil?

- As instituições americanas como o FMI e o Banco Mundial estão sendo desafiadas pela China, que está criando seus próprios bancos de crédito. Isso muda a natureza da relação dos EUA com o mundo.

Mesmo tradicionais aliados estão contrariando os EUA. Os britânicos aderiram ao banco chinês, os turcos estão comprando armas da China, a Holanda contratou a Huawei para sua internet. Nunca vimos isso antes.

Os EUA devem focar cada vez menos no antigo clube e atrair novos sócios. Quem quiser os nossos valores de livre mercado, transparência e democracia deve participar.

É o que explica o desejo pessoal do Obama de se aproximar da Índia. Democracia, que faz reformas de livre mercado, e com uma diáspora empreendedora aqui. Isso não era possível quando a Índia liderava o grupo dos 77 na ONU, era bastante antiamericana e estatista. Os dois lados mudaram muito após a Guerra Fria.

O sr. já chamou a crise da Petrobras de "crise positiva". Por quê?

- Com o dinheiro fácil e os preços das commodities nas alturas, a economia brasileira cresceu muito, e as empresas brasileiras ganharam muito dinheiro.

Mas também tiveram corrupção e incompetência de tirar o fôlego. A crise no Brasil da Petrobras e de empreiteiras precisava acontecer pelo menos há cinco anos.

Vocês se beneficiam de ter um poder Judiciário independente, mídia livre, podem começar a arrumar a casa, coisa que nem Rússia, nem China -- e nem o México -- conseguem fazer hoje.

É doloroso no curto prazo. Dilma continuará impopular por um bom tempo, porque o crescimento baixo não ajuda, mas essas mudanças precisavam ser feitas.

O que pode mudar na relação EUA-Brasil com quem suceder Obama?

- Tanto Hillary quanto Jeb Bush poderiam ter uma agenda mais ambiciosa, pensar em um acordo de livre comércio com o Brasil. Hillary tem mais experiência internacional do que todos os demais candidatos juntos e sabe da importância do Brasil. Mas não está na agenda de ninguém agora. O que é um erro.

Acordos comerciais estão em baixa nos EUA, com críticas que eles ajudaram empregos a sair do país e ir para o México e para a Ásia.

- Muitos empregos americanos desapareceram por conta da tecnologia e da automação, não pelo comércio. Os EUA não podem ficar parados enquanto a China cresce seu comércio em todo o mundo. Muita manufatura está voltando para os EUA, em tempos de energia mais barata aqui, mas, infelizmente, a nova indústria não gera tantos empregos como antigamente. Não fazer nada é pior.

A relação EUA-América Latina deve crescer?

- A agenda com a América Latina tem tudo para se tornar mais positiva. O restabelecimento diplomático com Cuba, a menor importância dada à guerra às drogas e o fluxo imigratório menor criam espaço para metas mais ambiciosas para o próximo presidente.

Viveremos um mundo mais complicado por um bom tempo, e nosso hemisfério ocidental se destacará por ser uma região estável, calma. Isso pode promover mais interação.

O sr. advoga por uma política externa menos intervencionista e mais independente, mas critica duramente Obama por esquecer de seus aliados. Qual foi seu maior erro?

- Obama fala como se os EUA fossem indispensáveis e a polícia do mundo, mas age como quem não quer se envolver. Falta consistência e estratégia.

Ele diz que Assad precisa sair, que o Estado Islâmico tem que ser destruído, que Putin precisa se comportar, mas sem um plano para atingir esses objetivos.

Nossos aliados estão preocupados, porque não sabem de suas convicções.

Da Síria a Putin, Obama toma medidas pela metade e espera que os outros façam por ele.

O sr. escreve que os EUA se tornarão menos engajados no Oriente Médio. O que vai mudar?

- O que já mudou é que estamos mais unilaterais, não estamos apoiando as políticas de nossos aliados na região. O acordo com o Irã, por exemplo. Israel e Arábia Saudita são contrários, mas vamos fazer, porque o interesse americano é maior.

O mesmo no combate ao Estado Islâmico. Mandamos forças especiais para matar um terrorista ou cortamos o financiamento detectando movimentos bancários, mas fazemos por nossa conta, sem uma aliança. Os EUA têm menos vontade e menos capacidade de trabalhar com seus aliados.

Por quê?

- Temos que reconhecer que o alinhamento de interesses entre EUA e seus aliados diminuiu. Viramos o maior produtor de petróleo e gás do mundo, então os interesses americanos já não são mais os mesmos da Arábia Saudita.

Israel não quer mais uma solução de dois Estados, nem precisa tanto de mão de obra palestina, então se afastou da posição americana.

Em seu livro, o sr. sugere que um acordo com o Irã seria um dos maiores legados de Obama.

- É positivo para os EUA. Significa mais barris de petróleo, o que derruba o preço e ajuda nossa economia. Se continuássemos as sanções atuais, certamente China e Rússia acabariam furando mais cedo ou mais tarde. Um Irã mais aberto é mais interessante para os EUA do que para a Arábia Saudita. Será um país mais globalizado que as autocracias árabes.

A hesitação de Obama acabou estimulando o expansionismo de Putin em sua vizinhança?

- As sanções de Obama contra a Rússia acabaram empurrando os russos para fazer mais negócios com a China. Os EUA estão preparados para sancionar a China? Não, então a estratégia fica pelo meio do caminho. Até agora, gastamos 80% em punir Putin e 20% em ajudar a Ucrânia. A porcentagem deveria estar ao revés. Também tínhamos que explicar aos ucranianos que, se os europeus não se mexem, nós tampouco nos mexeremos. O único que soube jogar foi Putin.

A política externa será debatida na próxima campanha presidencial?

- Será um tema bem mais importante do que foi historicamente. Obama é mais popular na condução da economia –tem 50% de aprovação– do que em sua política externa, que está na casa dos 30%. Isso é raro. E política externa nos EUA cabe ao presidente, não é Congresso, nem opinião pública que dirige. Mas tampouco é um tema partidário. Nem democratas nem republicanos têm as respostas para os problemas que temos hoje.


  

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