Olacyr de Moraes, de rei da soja a súdito dos credores 16/06/2015
- OSCAR PILAGALLO - FOLHA DE S.PAULO
Não há como evitar o epíteto de "rei da soja" para se referir ao empresário Olacyr de Moraes.
Mas, tendo em vista as múltiplas atividades em que se destacou, a lembrança do que ele foi nos anos 80 acaba soando redutora para sua biografia.
Além de fomentador do agribusiness, Olacyr, como era chamado, foi banqueiro, construtor da primeira ferrovia privada do Brasil, financiador de pesquisa genética de ponta e pioneiro da construção civil.
PUBLICIDADE
E foi também um grande perdedor, cujo revés teria a mesma magnitude de suas conquistas.
Nascido em Itápolis, no interior de São Paulo, Olacyr mudou-se com a família para a capital do Estado aos oito anos.
Ainda adolescente começou a trabalhar, ajudando o pai, que vendia máquinas de costura.
A carreira empresarial teve início aos 19 anos quando, com o pai e o irmão, criou uma empresa de transporte de cargas, que levava material para pavimentar as ruas de São Paulo.
Em 1957, no início do governo Juscelino Kubitschek, que imprimiria um crescimento econômico acelerado, Olacyr fundou a Constran.
A partir de então, além de transportar as pedras, ele passaria também a pavimentar ruas.
A empresa cresceu com vigor, a exemplo do que ocorreu com todas as empreiteiras durante a ditadura militar, sobretudo no chamado "milagre econômico", entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70.
Em 1971, a Constran abriu capital, tornando-se uma sociedade anônima.
Uma das maiores construtoras do país, a Constran realizou obras que exigem competências específicas, e por isso raramente são feitas pela mesma empresa.
Fez aeroportos, pontes, viadutos, usinas hidroelétricas e túneis.
No início dos anos 70, a empresa foi pioneira ao se responsabilizar pelos quilômetros iniciais do metrô de São Paulo, a primeira obra do gênero no Brasil.
Nessa altura, o fôlego financeiro de Olacyr era grande o suficiente para ele diversificar sua atividade empresarial.
Em 1973, começou a plantar soja no Centro-Oeste, aproveitando-se da redução da oferta mundial, em decorrência de uma enchente em uma região produtora nos Estados Unidos.
O empresário investiu em pesquisa, em convênio com a Embrapa, até desenvolver uma semente com alta produtividade e que se adaptava bem ao solo.
De acordo com o site oficial de Olacyr, a soja na sua fazenda Itamarati, em Mato Grosso do Sul, gerava 48% de proteínas em relação ao peso, em comparação aos 44% da soja americana.
O título de "rei da soja" lhe foi dado informalmente quando Olacyr se tornou, nos anos 80, o maior produtor individual do mundo.
A soja era o lado mais visível do agribusiness. Mas Olacyr investiu pesado também em trigo, cana, álcool e algodão.
Em relação ao algodão, o empresário iniciou um programa de melhoramento genético, também junto com a Embrapa, que gerou uma variação responsável pelo fato de o Brasil passar de importador a exportador do produto.
Nos anos 80, Olacyr estava no auge. Tinha construído um império de cerca de 40 empresas de vários setores que, juntas, somavam um patrimônio superior a US$ 1 bilhão.
Com pouco mais de 50 anos, foi o mais jovem brasileiro a aparecer no ranking de bilionários da revista "Forbes".
A derrocada de Olacyr de Moraes -- resultado de endividamento em época de juros altos e crescimento baixo, além de circunstâncias adversas e promessas não cumpridas por parte de governos -- data de meados dos anos 90 e coincide com o lançamento do Real.
Em 1996, em plena reestruturação do setor bancário, marcado por fusões e aquisições que favoreceram os grandes grupos, o empresário se desfez do Banco Itamarati, vendendo-o ao BCN (Banco de Crédito Nacional), que por sua vez seria vendido ao Bradesco.
No período anterior ao Plano Real, de 1994, o banco era uma importante fonte de lucro para o grupo.
O maior revés de Olacyr foi com a construção da Ferronorte, ferrovia que faria o escoamento da soja exportada.
O empresário se queixava de ter investido US$ 200 milhões no projeto, que ficou parado devido ao atraso de cinco anos do governo de São Paulo em cumprir sua parte no acordo, a construção de uma ponte sobre o rio Paraná.
Nesse tempo, ele teve que arcar com os custos financeiros da obra inacabada, assumindo dívidas que o sufocaram.
Os vários credores chegaram a criar uma associação para pressioná-lo.
Em entrevistas à imprensa, ele dizia se sentir humilhado pela situação.
Desfez-se de quase todas as empresas e de vários bens pessoais, inclusive dois jatos executivos.
Em 2004 acabou vendendo para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a fazenda Itamarati.
O ícone dos tempos áureos seria utilizado para o assentamento de cerca de 3 mil famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A Constran foi vendida à UTC, de Ricardo Pessoa, preso na Operação Lava Jato.
Quando sua situação empresarial começou a deteriorar, Olacyr resolveu usar o patrimônio que lhe restava para aproveitar a vida, como faria um boêmio.
Divorciado, o empresário, que até então só aparecia nas páginas de economia dos jornais, passou a frequentar as colunas sociais, ao lado de jovens, em geral loiras e mais altas do que ele, com quem gostava de circular em restaurantes da moda.
Em 2011, Olacyr ensaiou uma volta ao mundo dos negócios ao investir em prospecção de minérios nobres, como tálio e tungstênio.
Em 2014, já com a saúde debilitada, seu nome apareceu também no noticiário policial, quando seu motorista de confiança matou um ex-senador boliviano, Andrés Heredia Guzmán, que saíra do apartamento de Olacyr com uma mala com R$ 400 mil em dinheiro.
O funcionário, que teria agido em defesa do patrão, sem o seu conhecimento, disse acreditar que ele estava sendo enganado pelo político, que tinha bom trânsito nos governos de Evo Morales, e de Lula e Dilma.
Ele obtinha dinheiro com Olacyr supostamente para azeitar intermediações políticas, com vistas a obter licenças para produzir os minérios.
Olacyr deixa dois filhos: Ana Cláudia e Marcos de Moraes, o criador do primeiro e-mail gratuito do Brasil, o zipmail.