Chineses tratam o mercado de ações como roleta, diz consultor 10/07/2015
- RAQUEL LANDIM E TONI SCIARRETTA - FOLHA DE S.PAULO
Um dos maiores especialistas globais na economia da China, Arthur Kroeber, afirmou à Folha que "os chineses tratam o mercado de ações como uma roleta".
Ele explica que a grande maioria dos investidores em Bolsa no país são pessoas físicas com pouca experiência e informação, o que deixa o mercado muito volátil.
Sócio da consultoria Kavekal Dragonomics, Kroeber diz que as ações despencaram por causa da alavancagem desses investidores, que estavam comprando papéis com dinheiro emprestado.
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Segundo ele, o nível de alavancagem, medido pelo financiamento do pagamento dos depósitos exigidos pelas corretoras para garantir as transações (o financiamento de margens), é parecido na China hoje com o que existia no mercado americano à beira do crash de 1929.
No entanto, o especialista, que vive em Pequim desde 2002, não está alarmado. Ele afirma que o nível de contágio da economia real será muito pequeno, minimizando os efeitos para o Brasil e para o resto do mundo.
Isso porque menos de 15% da poupança das famílias chinesas tem alguma ligação com a Bolsa, portanto, sua capacidade de consumo não deve ser afetada.
A seguir, trechos da entrevista.
Por que as ações das empresas chinesas tiveram uma forte queda de preços nas últimas semanas?
- A principal razão é a alavancagem. O financiamento de margens, que consiste em comprar ações com dinheiro emprestado, mais do que quadruplicou entre meados de 2014 e maio deste ano.
No auge, atingiu 3,5% da capitalização do mercado. É mais ou menos o mesmo nível que existia no mercado acionário americano à beira do crash de 1929.
O financiamento de margens magnifica os ganhos quando as ações estão subindo, mas acelera as perdas quando os papéis começam a cair.
As pessoas precisam vender suas ações para atender as exigências das corretoras para depositar as margens.
Quanto mais os preços caem, mais as corretoras pedem margens e mais ações têm de ser vendidas.
Podemos ter algum problema "escondido" no mercado acionário chinês por conta de regulação ruim?
- A regulação do mercado de ações chinês é fraca, mas o maior problema é a falta de compradores institucionais grandes e disciplinados.
Cerca de 80% das 49 milhões de pessoas que aplicam em ações chinesas são investidores individuais com pouquíssima sofisticação, pequena expertise e informação.
Eles tratam o mercado de ações essencialmente como uma roleta.
Criar grandes investidores, como fundos de pensão, seria a maneira mais efetiva de tornar o mercado chinês de ações mais disciplinado e menos volátil.
Essa turbulência pode ser o estouro de uma "bolha" de ações no mercado chinês?
- Existem duas escolas de pensamento. Alguns acreditam que a "bolha" já estourou e que os preços das ações vão cair mais.
Outros dizem que a queda de mais de 30% nas últimas semanas é apenas uma correção temporária e que os preços das ações vão voltar a subir nos próximos meses.
A primeira visão é baseada no fato de que, antes da correção, os múltiplos entre preços das ações e lucro das empresas já estavam extremamente altos, em um período em que o crescimento econômico do país e os lucros corporativos já estavam fracos.
Pela segunda avaliação, o apoio maciço do governo já estabilizou o mercado. O enorme estoque de poupança da população ainda busca onde investir.
Antigamente, a poupança das famílias ia para o mercado imobiliário, mas agora esse mercado tem estoques enormes e é pouco provável que os preços voltem a subir.
Logo, a poupança das pessoas acabaria indo para o mercado de ações e puxando os preços para cima novamente.
A recente turbulência no mercado vai impactar a economia real?
- O impacto do crash do mercado de ações na economia chinesa é muito pequeno.
Primeiro, apenas 5% da poupança das famílias está no mercado de ações (a maior parte é colocado em depósitos bancários) e menos de 10% das famílias chinesas têm qualquer exposição ao mercado de ações.
Logo, a queda das ações praticamente não tem impacto na capacidade dos consumidores de gastar.
Segundo, a margem financeira é relativamente grande na capitalização do mercado de ações, mas é pequeno no total de crédito da economia -- aproximadamente 1%.
Portanto, a queda das ações vai ter pouco impacto na capacidade das empresas de se financiar.
A maior parte do financiamento vem pelos empréstimos bancários e pelos próprios lucros das companhias.
Pode haver impacto da turbulência financeira no crescimento do PIB?
Pelas razões que citei acima, não acredito num impacto negativo para o crescimento da economia.
Na realidade, a maioria dos indicadores econômicos, como produção industrial e mercado imobiliário, tem mostrado sinais modestos de recuperação nos últimos meses.
O governo chinês está promovendo uma série de reformas econômicas estruturais na economia. A turbulência no mercado de ações pode atrasar o processo?
- Estamos recebendo sinais mistos e é algo que temos que observar com atenção. Mas acredito que os riscos são baixos. A agenda de reformas é muito complexa e aprovada em altos níveis.
As reformas financeiras e fiscais, como a reestruturação da dívida dos governos locais e a liberalização das taxas de juros, estão caminhado rapidamente e não há motivos para o que ocorre no mercado de ações prejudicar esse processo.
A reforma das empresas estatais está caminhando mais devagar, mas principalmente por causa da resistência política dessas empresas.
O mercado de ações é basicamente um show a parte.
Os preços das commodities estão caindo por causa da turbulência da China, principalmente dos metais, como o minério de ferro. Essa turbulência pode gerar uma nova fase de queda das commodities?
- O impacto de curto prazo é que os investidores chineses estão liquidando suas posições em vários ativos, incluindo as ações em Hong Kong e as commodities, para atender as chamadas de margem em seus investimentos locais.
Foi isso que provocou uma forte queda dos papéis em Hong Kong e do preço do cobre no início desta semana.
Se os preços das ações na China estabilizarem -- e nesta quinta-feira (9) havia sinais de que podia ter começado -- o impacto no preço das commodities será pequeno.
Como o Brasil pode ser afetado pela turbulência na China?
- A queda no mercado de ações chinês não deve ter muito impacto no Brasil, ou em qualquer outra economia, porque o sistema financeiro chinês ainda é muito isolado do resto do mundo e porque o mercado de ações tem pouca relevância para a economia real.
Eu venho repetindo em minhas visitas ao Brasil, desde 2006, que os problemas econômicos do país são criados internamente. E esse continua sendo o caso.
O Brasil falhou em aproveitar os lucros do "boom" de commodities criado pela China para investir em infraestrutura e educação.
Agora que esse "boom" acabou sobrou poucas alternativas de ganhos de produtividade no país.
Além disso, não foram feitas reformas nos sistemas tributário e regulatório que estimulem os investimentos.
A política fiscal na última década foi mau conduzida.
O problema crucial do Brasil é adotar uma política fiscal mais prudente -- o que parece que está ocorrendo com o novo ministro da Fazenda (Joaquim Levy) -- e adotar medidas para estimular o crescimento, focadas em estimular os investimentos das empresas.