Crédito escasso atinge agronegócio e ameaça competitividade 24/08/2015
- TATIANA FREITAS E TONI SCIARRETTA - FOLHA DE S.PAULO
O aperto no crédito chegou ao agronegócio. A menos de um mês do início do plantio da nova safra, produtores de soja se queixam de dificuldades para obter empréstimos para custear a produção.
Morosidade na análise de crédito, aumento das exigências dos bancos, alta nos juros -- com um "mix" entre recursos subsidiados e crédito livre com taxas elevadas -- e até venda casada são relatadas por agricultores.
As dificuldades provocaram atraso na compra de insumos necessários para o início do plantio, como sementes e fertilizantes, e aumentaram os custos de produção.
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Se o problema persistir, poderá interromper os sucessivos ganhos de produtividade do setor nos últimos anos.
A situação é pior em regiões onde há mais produtores com dívidas pendentes, como no Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás.
Mas, segundo o presidente da Aprosoja Brasil (Associação dos Produtores de Soja), Almir Daspasquale, o aperto é generalizado.
"O dinheiro vem vindo a conta-gotas para todas as agências do Brasil", diz.
O problema teve origem no primeiro semestre, quando os produtores começam a se preparar para o plantio da safra seguinte.
Nessa fase, eles buscam recursos nas linhas de pré-custeio, voltadas à compra de insumos.
Foi quando secou o dinheiro das contas-correntes e da poupança que, no caso do Banco do Brasil, vai para o financiamento do agronegócio.
O banco estatal destina 73% da chamada poupança rural (90% do total da caderneta) para o crédito agrícola com juros subsidiados de 8,75% ao ano.
Nas demais instituições financeiras, 65% da poupança vai para o crédito imobiliário, que neste ano também teve restrição de recursos especialmente na Caixa.
Além da poupança rural, o agronegócio conta com o direcionamento de 34% dos depósitos à vista (conta-corrente) de todos os bancos.
Com a alta dos juros, tanto a poupança como as contas-correntes perderam depósitos para outras aplicações.
Para reverter a situação, Caixa e BB fizeram campanhas para estimular os depósitos.
SECA NO CRÉDITO
Devido ao aperto, o BB só emprestou R$ 3,5 bilhões para o pré-custeio com juros subsidiados neste ano. No ano anterior, tinha feito cerca de R$ 8 bilhões nessa linha.
Sozinho, o BB responde por 65% do crédito rural.
A consequência foi a queda de 14% na concessão total de crédito rural no primeiro semestre, segundo o BC.
"Neste ano, o pré-custeio foi nulo", diz Adolfo Petry, coordenador da comissão de política agrícola da Aprosoja-MT (associação dos produtores de soja de Mato Grosso).
"Em março do ano passado já tinha custeio para a safra seguinte. Neste ano, o financiamento só saiu no final de julho", afirma José Guarino Fernandes, produtor de soja em Sapezal (MT).
O alívio veio com o anúncio do Plano Safra 2015/16, em junho, prevendo R$ 187,7 bilhões em crédito para o setor, alta de 20% em relação ao anterior.
Os recursos começaram a ser liberados em julho, mas produtores continuam reclamando de lentidão.
Preocupados com a inadimplência, os bancos apertaram as regras de cadastro e passaram a exigir mais garantias.
Segundo produtores, na Caixa, crédito acima de R$ 500 mil só sai com hipoteca de primeiro grau (bens que não são garantia de outros financiamentos).
O banco não concedeu entrevista.
O BB informou que não há restrição de recursos para a safra.
Segundo o banco, o ritmo de liberação de empréstimos está acelerado.
Com 50 dias do Plano Safra, as concessões para a agricultura empresarial são 34% superiores ao mesmo período de 2014.
Na agricultura familiar, o crédito liberado é 11% maiore e, na linha para médio produtor, 95% maior.
O tema, no entanto, continua em debate em Brasília.
Na última semana, uma audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara discutiu o acesso ao crédito agrícola.
O caso também foi levado à ministra da Agricultura, Kátia Abreu, por parlamentares.
A preocupação não é apenas sanar os gargalos desta safra, mas também viabilizar fontes alternativas para o financiamento do setor.