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Curto&Grosso O que ainda será manchete

DIA A DIA

PARA QUE NÃO SE REPITA
15/11/2015 - Eduardo Gonçalves, Nicole Fusco e Talyta Vespa - VEJAA

Com 317 anos, o distrito de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana, era um dos mais importantes da região.

O vilarejo de 600 habitantes fez parte da rota da Estrada Real no século XVII e abrigava igrejas e monumentos de enorme importância histórica.

Em 5 de novembro, um tsunami de lama a varreu do mapa o distrito em onze minutos.


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Dez mortes foram confirmadas até a tarde de sexta-feira e dezoito pessoas seguiam desaparecidas.

A onda devastou outros sete distritos de Mariana e contaminou os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Moradores de cidades em Minas e no Espírito Santo tiveram a rotina afetada por interrupções no abastecimento de água.

O destino final da lama deve ser o mar do Espírito Santo, onde o Rio Doce tem sua foz.

O que causou a tragédia foi o rompimento de duas barragens no complexo de Alegria, da mineradora Samarco.

As barragens continham rejeito, o resíduo não tóxico resultante da mineração de ferro.

Tamanha destruição poderia ter sido evitada com o uso de novas técnicas para o tratamento de resíduos de mineração.

Eram três as barragens de rejeito em Alegria: a de Germano, a de Fundão e a de Santarém.

Todas operavam segundo o sistema de aterro hidráulico, tradicional e empregado em todo o mundo.

Ele conta com a ação da gravidade para fazer com que os resíduos separados do ferro escoem até bacias.

A parte frontal dessas bacias é feita de areia, para filtrar a água.

A principal hipótese levantada pelos técnicos é que nas barragens de Mariana tenha ocorrido o processo de liquefação, que se dá quando essa camada arenosa externa, em vez de expelir, retém a água.

Uma variação brusca na pressão interna do depósito de rejeito pode então transformar areia em lama, que não consegue mais conter os resíduos que estão atrás.

Isso explicaria o rompimento da barragem de Fundão -- o que arrasou a de Santarém e tudo o mais que havia pela frente.

Dois abalos sísmicos de pequena magnitude registrados na região pouco antes da tragédia podem ter acarretado a mudança de pressão na barragem -- hipótese que também precisa de comprovação.

O Ministério Público de Minas Gerais e a Polícia Civil abriram inquéritos para apurar as causas do desastre, mas uma resposta satisfatória não deve vir antes de seis meses.

Um laudo técnico elaborado pelo Instituto Prístimo, de Minas Gerais, a pedido do Ministério Público alertava em 2013 para os riscos na barragem do Fundão, justamente a primeira a se romper em Mariana.

O estudo destacava a proximidade entre a barragem e o local de descarte de rochas sem minério da Mina de Fábrica Nova da Vale.

“Esta situação é inadequada para o contexto de ambas as estruturas, devido à potencialização de processos erosivos", diz o documento.

O texto não aponta irregularidades, motivo pelo qual a renovação da licença ambiental da barragem foi concedida à mineradora naquele ano.

Faz, contudo, recomendações que elevariam o padrão de segurança da barragem.

De acordo com o MP, a Samarco seguiu o indicado -- o que não a isentará de ser responsabilizada pelo ocorrido.

"É evidente que houve negligência, ou no monitoramento ou na operação do empreendimento", afirma o promotor do Meio Ambiente de Minas Gerais Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

"Um rompimento dessa magnitude não acontece do dia pra noite. Houve falha no monitoramento", completa.

A Samarco afirma que todas as suas licenças estavam em dia.

A legislação ambiental brasileira estabelece que empresas que exercem atividades com riscos conhecidos, como a mineração, assumem automaticamente o ônus por eventuais acidentes.

Por isso, o monitoramento das barragens é um dos pontos críticos do empreendimento.

Os rejeitos se acumulam, e os engenheiros vão ampliando as estruturas”, diz o professor de geologia de engenharia da USP Edilson Pissato.

Há depósitos com 200 metros de altura.

O de Fundão tinha 90 metros.

Além das multas em decorrência dos danos ao meio-ambiente, a Samarco deverá arcar com os custos da reconstrução da região atingida e com a indenização às pessoas afetadas.

Só em Bento Rodrigues, a prefeitura de Mariana estima que a onda de lama tenha devastado o equivalente a 100 milhões de reais em ruas, prédios e pontes.

A licença da mineradora na cidade foi embargada pelo governo estadual.

Na sexta-feira, a Justiça de Minas Gerais bloqueou 300 milhões de reais da conta da mineradora para garantir o pagamento das indenizações.

Há técnicas mais modernas para lidar com o rejeito, que usam filtros para garantir sua drenagem.

Seus custos podem encarecer a exploração de uma jazida em até seis vezes.

“Por isso, as mineradoras acabam assumindo o risco de usar os processos tradicionais”, diz Pissato.

A ONG francesa International Commission on Large Dams (Icold) calcula que ocorrem em média dois rompimentos como o de Mariana por ano no mundo.

A tragédia em Minas já é classificada como o “11 de setembro” do setor de mineração.

Executivos do segmento esperam um endurecimento das regras para as mineradoras.

“Depois de Mariana, ninguém mais vai conseguir licença para construir barragem sem filtro. A sociedade não vai aceitar mais correr esses riscos”, conclui o engenheiro e geotécnico Joaquim Pimenta de Távora.

O novo Código de Mineração em tramitação na Câmara dos Deputados deve agora incluir emendas que obriguem as mineradoras a tratar os rejeitos -- uma forma de evitar novas tragédias em um país em que há pelo menos outras 800 barragens como a de Mariana.


  

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