Microcefalia pode se espalhar pelo país, diz diretor do Ministério da Saúde 21/11/2015
- NATÁLIA CANCIAN - FOLHA DE S.PAULO
À frente das investigações no Ministério da Saúde sobre o aumento de casos no Nordeste de recém-nascidos com microcefalia --malformação do crânio que pode levar a sequelas --, o diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis, Cláudio Maierovitch, afirma que "o cenário pode ser pior do que se imagina".
Para ele, a tendência é que o surto se espalhe pelo país caso se comprove a relação com o zika vírus, transmitido pelo mosquito da dengue.
À Folha, Maierovitch diz que está em discussão o acompanhamento de gestantes com sintomas de zika. Segundo o governo, o vírus circula em 14 Estados -mas não há dados de quantas pessoas foram infectadas.
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Leia entrevista:
Em três meses, já são 400 casos de microcefalia. Como você avalia esse avanço?
- Estamos bastante preocupados porque em Pernambuco já podemos caracterizar uma epidemia e em outros Estados do Nordeste há uma tendência ascendente. É muito preocupante, porque parece algo que não atingiu o auge.
Deve afetar outros Estados?
- A epidemiologia é péssima para fazer previsões, mas temos uma infestação grande do mosquito no Brasil inteiro. Vimos que a velocidade de infestação do zika é muito rápida. Não imaginamos que o vírus vai parar depois de ter circulado tão intensamente. Ele se alastra com facilidade, assim como dengue.
Zika é a principal hipótese? Quais outras são investigadas?
- Ainda não é certo, mas é a mais forte. Há outras possíveis: relação com medicamentos, substâncias tóxicas e vários tipos de infecção. Essas causas, porém, teriam comportamento diferente.
Se fosse transmitida por alimentos e água contaminada, não se alastraria tão rapidamente. Isso faz pensar em doenças transmitidas por vetores [como mosquito].
Também temos a coincidência temporal de zika no primeiro semestre e microcefalia no segundo.
Ocorreram nas mesmas pessoas. Foi identificado o vírus no líquido amniótico de duas gestantes [com bebês com microcefalia]. Os eventos têm chance alta de estarem relacionados.
Em junho, o governo decidiu que não havia necessidade de notificação de casos de zika. Foi uma decisão precipitada?
- Optamos por um modelo de vigilância sentinela [que deixa de informar todos os casos -- medida adotada quando a contagem total é tida como pouco importante]. Isso tem vantagens e desvantagens.
Uma das razões por optar por esse modelo é que, como uma doença nova, não havia técnicas disseminadas para diagnóstico. Mesmo que tivéssemos informação do número de casos, não ajudaria. Temos informações para prever possíveis casos.
O Ministério da Saúde pretende mudar a forma de lidar com os registros de zika?
- No mínimo vamos mudar a comunicação de risco à população. Quando começamos a registrar o vírus, a informação que tínhamos era de uma doença branda, com complicações autolimitadas [como manchas no corpo].
Mais tarde tivemos informação de que complicações neurológicas [como a síndrome de Guillain-Barré] podiam não ser tão raras quanto o observado em epidemias anteriores.
Agora vemos, caso se confirme a hipótese, situações graves relacionadas ao zika. Isso leva a uma postura diferente.
Há alguma ação prevista?
- Estamos rediscutindo as campanhas de informação. Temos expectativa de que a população fique mais sensível às informações [para combater o mosquito Aedes aegypti, que transmite zika].
Alguns Estados farão notificação obrigatória de gestantes com sintomas de zika. O governo pode adotar a mesma medida nacionalmente?
- A prioridade é estabelecer a causa da doença. Mas está em discussão um projeto que acompanharia gestantes com exames seriados, para estabelecer o vínculo [com o zika] e enxergar a evolução da doença. Teremos uma reunião na semana que vem.
Quando teremos confirmação da causa?
- Estimamos analisar as investigações em até um mês.
- Por enquanto o ministério ainda trabalha com informação de uma única morte. Mas é claro que o cenário pode se tornar mais grave do que a gente imagina.
Acha que é possível contornar o avanço dos casos?
- Qualquer coisa que tenha acontecido numa gravidez que está em curso já aconteceu. Não é possível fazer nada para impedir o desfecho. Vamos discutir estratégias para intensificar a prevenção [de possíveis causas].