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DIA A DIA

Crise afeta obras em ferrovias que eram prioridades do PAC
07/01/2016 - DANILO FARIELLO - O GLOBO

O ajuste fiscal em 2015 acertou em cheio as obras em ferrovias no país, que estavam entre as prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para promover a retomada da economia, gerar empregos e futuramente reduzir o custo Brasil nas exportações nacionais.

Os canteiros das três principais frentes de obras tocadas pela estatal Valec — a Extensão Sul da Ferrovia Norte-Sul e dois trechos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) — encolheram mais de 80% ao longo do ano e seguem hoje em marcha lenta, quase paradas.

Do total de 10.192 empregados diretos das construtoras contratadas pela Valec em fevereiro, 8.243 foram para a rua até novembro, quando o contingente chegou a 1.949. O envolvimento de construtoras na Operação Lava-Jato também contribuiu para o atraso. Na prática, a redução de vagas colaborou para o aumento do desemprego e a recessão.


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A razão principal para a redução no ritmo das obras foi a queda no orçamento disponível para os investimentos da Valec, assim como outras estatais federais.

Essa demora nos repasses, inicialmente, levou as construtoras a atrasar salários e, depois, a efetivamente demitir empregados em cronogramas pactuados com os sindicatos. Daí a queda gradual de empregos ao longo do ano.

Segundo a Valec, o orçamento empenhado pela estatal em 2014 foi de R$ 2,6 bilhões. No ano passado, esse valor caiu a R$ 1,8 bilhão, refletindo a restrição orçamentária.

Com a redução no ritmo, as obras voltaram a ter seu cronograma revisto. O trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) de Ilhéus a Caetité, na Bahia, onde se encontra a principal frente de trabalho, já teve 70,1% de suas obras concluídas.

O término dos trabalhos foi previsto inicialmente para dezembro de 2012. Agora, estima-se que o trabalho seja concluído somente em dezembro de 2017.

Na continuação desse trecho, entre Caetité e Barreiras, também na Bahia, o número de empregados diretos passou de 2.187, em fevereiro, para 510 em novembro, e o prazo foi prorrogado até junho de 2018.

Embora o ritmo das obras já esteja avançado em alguns pontos da Fiol, segundo o deputado Bebeto (PSB-BA), que preside o sindicato dos trabalhadores da construção do estado, os canteiros da ferrovia baiana deveriam ter 24 mil trabalhadores diretos atualmente — e não pouco mais de mil, conforme indicado pela Valec em novembro.

A construção da Fiol atravessou uma série de contratempos desde o início das obras, que incluem a suspensão de licenças ambientais (cerca de seis meses de interrupção); derrocada da construtora Delta, que era sócia de um lote; problemas em um consórcio entre OAS e Galvão Engenharia, que se envolveram na Operação Lava-Jato; indicação de sobrepreço nas obras pelo Tribunal de Contas da União (mais seis meses de parada nos canteiros); e questionamento pelo TCU do modelo de compra dos trilhos em licitação internacional.

— Superadas todas essas fases, a obra deveria voltar num ritmo acelerado a partir de 2014 mas, lamentavelmente, na virada para 2015, o orçamento disponível para todos os sete lotes (da Fiol, de Ilhéus a Barreiras) equivalia ao necessário para apenas um. Além disso, as empresas tiveram atrasos de até cinco meses para receber por obras já realizadas e tiveram desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, o que levou aos atrasos em pagamento de salários - disse Bebeto.

SEM PORTO, FERROVIA FICA MENOS ATRAENTE

Em 2015, a própria Fiol foi colocada em xeque pelo governo, que a retirou do PIL (Programa de Investimento em Logística). Ela transportaria, principalmente, minérios do interior do estado da Bahia para um novo porto no litoral. Mas o preço do minério despencou no ano passado, o que fez com que os investidores da região reavaliassem seus negócios.

Com isso, o governo baiano desistiu, por ora, da construção de um novo porto no litoral, que justificaria a exportação de minério. O governo federal chegou a articular o uso da ferrovia pelo setor petroquímico, para justificar financeiramente sua necessidade. A Fiol tem custo total de R$ 4,2 bilhões.

— Não tem carga, não tem porto, e a Bahia concedeu licenciamento ambiental, mas ninguém tem dinheiro para construir. O projeto liga o nada a lugar nenhum. Já foi um desperdício enorme de recursos públicos. Se não fizerem nada, logo vão roubar os trilhos - disse o sócio da Inter.B consultoria e especialista em infraestrutura, Claudio Frischtak.

Para o deputado Bebeto, porém, foi justamente o atraso da obra do governo federal que levou à interrupção do projeto do porto baiano. Na concepção original, a Fiol se conectaria à Norte-Sul em Tocantins e, portanto, além de escoar a produção baiana, poderia ser uma nova rota alternativa para a exportação de produtos do interior do país pelo Oceano Atlântico, gerando maior circulação e, portanto, maior receita para os operadores da linha.

Já o trecho entre Ouro Verde (GO) e Estrela D’Oeste (SP), a chamada Extensão Sul da Ferrovia Norte-Sul, continua tendo o papel de ampliar a espinha dorsal do sistema ferroviário brasileiro. Esse trecho teve suas obras iniciadas ainda em 2010 e, mais de cinco anos depois, ainda tem previsão de ser concluída apenas em dezembro de 2016. Na previsão original do governo, porém, essa ligação já deveria estar pronta desde março de 2009.

Frischtak, lembra que o governo já deu indicações, no ano passado, de que pode reavaliar o modelo de construção desse trecho da ferrovia Norte-Sul. No lançamento da segunda fase do PIL, o governo apresentou um quadro com o custo de R$ 4,9 bilhões para o término da obra da Norte-Sul até Estrela D’Oeste combinado com sua ampliação até Três Lagoas (MS), que está em fase de projeto.

A ideia seria conceder o trecho quase pronto à iniciativa privada e exigir do investidor uma nova obra. O modelo, porém, não é consenso no governo e permanece na gaveta desde o lançamento da segunda fase do PIL, no primeiro semestre do ano passado.

VALEC: RITMO DE OBRA SEGUE LIBERAÇÃO DE RECURSOS

As obras dessa extensão da Norte-Sul já atingiram 89,2% de seu avanço físico total. Mas, embora ainda exija um esforço de construção para sua conclusão, o número de trabalhadores nessa frente, segundo dado oficial da Valec, também caiu, de 2.973 em janeiro para apenas 808 em novembro. O custo total da obra da Norte-Sul entre Goiás e São Paulo é de R$ 3,38 bilhões — sem o trecho de Estrela D’Oeste até Três Lagoas.

Indagada sobre o baixo ritmo das obras no ano passado e o impacto futuro disso para a construção das ferrovias, a Valec informou, por meio de nota, que se empenha em realizar novos pagamentos aos fornecedores no intuito de avançar nos seus empreendimentos, respeitando sempre os limites do Orçamento.

Com o atraso nas obras e a desmobilização de equipes, há uma tendência natural de incremento no custo do empreendimento, pela degradação dos trilhos adquiridos e fora de uso, por exemplo. Perguntada sobre isso, a Valec informou que “trabalha na manutenção do que já foi construído, de forma a não haver perdas”.

A estatal indicou, ainda, que a continuidade das obras seguirá o ritmo ditado pelo Orçamento federal. “Assim, de acordo com a liberação de recursos, será imposto novo ritmo às obras”, informou a Valec, em nota. O Ministério dos Transportes foi procurado e afirmou que a resposta da Valec contemplava sua posição.

Perguntado sobre as obras do PAC, consideradas prioritárias no ano passado, o Ministério do Planejamento informou que, em 2015, até 30 de dezembro, o PAC empenhou R$ 33 bilhões e pagou R$ 38,2 bilhões.

“Além disso, foram executadas despesas no valor de R$ 9 bilhões decorrentes de crédito extraordinário aberto para o programa. Esse resultado, apesar do quadro de ajustes da economia, mostra que o programa está em andamento e com desempenho bastante expressivo.”

No ano anterior, as despesas do PAC superaram R$ 54 bilhões.

Para Fischtak, esses exemplos de investimentos mal planejados ou arrastados em ferrovias no país explicam a baixa produtividade do capital no Brasil em relação a outros países. Ele lembra que o modelo de Orçamento federal no país coloca investimentos nas rubricas discricionárias, ou seja, que podem ser cortadas em momentos de crise fiscal. Por isso, em anos de aperto fiscal como 2015 e 2016, os investimentos em curso sofrem mais.

HISTÓRIO DE PROJETOS ABANDONADOS

A construção de ferrovias no país sempre esteve envolta em problemas, que já resultaram na demissão de ministros e na prisão de um ex-presidente da Valec. Nos últimos anos, o governo apresentou ao mercado distintos — e, por vezes, contraditórios — modelos para destravar investimentos em ferrovias, mas não conseguiu ainda tirar do papel um plano de privatização de linhas.

Obras prometidas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) seguem arrastadas e são alvo de críticas do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU).

Mesmo com a desaceleração das obras, o governo lançou um novo modelo de construção de ferrovias em 2015. No formato original do Programa de Investimento em Logística (PIL), o plano era oferecer subsídios via Valec e quebrar monopólios, mas o setor desconfiou da estatal, que já se envolveu em escândalos. O modelo 2015 do PIL permanece sob análise do TCU e não suscita o apetite de investidores.

A ferrovia Norte-Sul, programada como a espinha dorsal do sistema brasileiro, foi concebida no governo de José Sarney (de 1985 a 1990), mas avança a passos lentos.

Depois de inaugurado o trecho mais recente, de Palmas (TO) a Anápolis (GO), na campanha eleitoral de 2014, só no fim do ano passado os primeiros vagões comerciais passaram a trafegar sobre os trilhos.

Mesmo assim, o governo aposta nos trilhos para desenvolver a infraestrutura. Há alguns anos, o projeto do trem de alta velocidade, orçado em R$ 34 bilhões, chegou a ser prioridade.

Engavetado o plano, em 2015 o governo propôs fazer, junto com China e Peru, uma ferrovia biocenânica cortando Mato Grosso.


  

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