Insatisfeito com o apoio ao candidato do PSDB, Aécio Neves, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014, um grupo saiu da Rede de Marina Silva e articulou a criação da Raiz Movimento Cidadanista, que se define como um “partido-movimento”, junção entre movimento social e partido político.
O ato de fundação ocorreu anteontem, paralelamente ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
O próximo passo é a coleta de assinaturas para a obtenção do registro. Na linha de frente está a deputada Luiza Erundina (PSB-SP).
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A apresentação da Raiz, na “Carta Cidadanista”, é estruturada no formato de uma árvore: seus valores, princípios e objetivos são definidos como raízes, seiva, tronco, ramos, folhas, flores e frutos.
O “partido-movimento” tem como “raízes” a ética Ubuntu, conceito africano de “rompimento com o individualismo”; a filosofia Teko Porã, que significa “bem viver” em guarani, e, nesse caso, “viver em aprendizado e convivência com a natureza”; e o ecossocialismo, convergência entre reflexão ecológica, socialista e marxista.
— A partir dessas três éticas (Ubuntu, Teko Porã e ecossocialismo), a gente compõe o conceito de cidadanismo, o poder para o cidadão, que se traduz na recuperação da ideia do bem comum - diz o historiador Célio Turino, ex-porta-voz da Rede em São Paulo e um dos organizadores da Raiz.
Os organizadores produziram um guia de sete páginas com sugestões de práticas para alcançar o consenso progressivo, método adotado por eles para tomar decisões.
Segundo o manual, esse processo deve durar de três a 15 dias.
“Deve-se iniciar um tópico com a apresentação de uma preocupação e não com uma proposta pré-formulada”, diz trecho do guia.
Segundo Turino, a Raiz tem 237 fundadores, aproximadamente mil ativistas e está presente em todas as unidades da Federação, “desde o sindicato de pescadores do Amazonas até grupos veganos”.
Entre as inspirações estão o Syriza na Grécia e o Podemos da Espanha.
“Nos propomos pensar o Brasil de baixo pra cima, pela radicalização dos processos horizontais e interativos, garantindo o efetivo empoderamento das pessoas, numa nova concepção do fazer político”, diz um vídeo de apresentação da Raiz.
O grupo está arrecadando dinheiro pela internet.
Segundo prestação de contas divulgada pela Raiz, foram levantados R$ 5.529 de 18 de dezembro até 15 de janeiro.
Nesse quesito, a linguagem é bem direta. “O fato é que a fundação e formalização da Raiz demandará custos, e precisamos de dinheiro para isso.
Sobretudo para as despesas de cartório e da publicação dos documentos no Diário Oficial da União, assim como para a coleta das 493 mil assinaturas de apoio.
Se esse dinheiro não vier do esforço de nossa própria mobilização e das pessoas que acreditam ser possível e necessária uma nova forma de fazer político, ele não virá de lugar nenhum”, diz texto publicado em um site de financiamento coletivo.
O “partido-movimento” é constituído por “círculos” temáticos, territoriais e identitários (LGBT, indígenas, jovens), que são instâncias de debate.
Há também os grupos de trabalho, entre eles o de “polinização”, que trata de comunicação, e o “seiva”, de formação e capacitação.
— Não é só o nome que é diferente, é a própria concepção de “partido-movimento”. Quem participa, se quiser permanecer e não se filiar ao partido, pode fazê-lo, mas com os mesmos direitos. A estrutura é completamente democrática, plural, horizontal. E o poder de organização se dá a partir das bases do partido. São os círculos temáticos, pessoas que se juntam em cada cidade, local e passam a discutir um tema, passam a se articular - diz Erundina.
A deputada, que assumiu a coordenação da campanha presidencial de Marina Silva após a morte de Eduardo Campos, afirma que a Raiz tem diferenças ideológicas com a Rede, como valores comportamentais, entre eles a defesa dos direitos LGBT.
— Pretendemos ser uma proposta socialista de fato, de esquerda, defendemos o ecossocialismo. E não nos afirmarmos como sendo a proposta, a verdade, o novo. A Rede foi uma tentativa de mudança que não se viabilizou - afirma Erundina.
Ela também se diz decepcionada com seu partido, o PSB, e defende a realização de uma reforma política para corrigir distorções do sistema partidário:
— Não sinto o PSB fiel às suas origens. O partido tem adotado política de alianças de A a Z. Não concordo.
GLOSSÁRIO:
- Ética Ubuntu: Conceito africano de rompimento com o individualismo
- Filosofia Teko Porã: “Bem viver” em guarani; viver em aprendizado e convivência com a natureza
- Ecossocialismo: Convergência entre reflexão ecológica, socialista e marxista
- Cidadanismo: Busca da cidadania plena, do poder para o cidadão
- Partido-movimento: Um movimento social e um partido político ao mesmo tempo
- Esferas: Instâncias municipais, estaduais e nacional de coordenação colegiada
- Teias: Instâncias de direção política, coordenadas pelas respectivas esferas, organizadas nos formatos digital, plenária e convenção
- Consenso progressivo: Método de tomada de decisão que busca a solução que seja mais adequada às necessidades do grupo como um todo
- Jardineiros: Participantes do processo de consenso progressivo, aqueles que apresentam “preocupações” (propostas) e participam do diálogo
- Polinização: Grupo de trabalho responsável pelas ações de comunicação