Para que alguns vivam, outros têm que morrer, diz Kátia Abreu sobre protecionismo 25/01/2016
- VALDO CRUZ E MARINA DIAS - FOLHA DE S.PAULO
A ministra Kátia Abreu (Agricultura) defende que as exportações sejam a saída para a crise econômica brasileira e diz que, para isso, o país precisa ser mais "ambicioso e agressivo" e acabar com a proteção contra concorrência externa para alguns setores.
"Não pode ter proteção", disse Kátia à Folha ao propor que o Brasil busque mais acordos de livre comércio com outros países.
"Dizem que para uns viverem outros têm que morrer. Quando você abre um mercado, é claro que uns adoecem e outros falecem, mas é o jogo", justificou a ministra, que tem como meta elevar a participação do agronegócio brasileiro no comércio mundial de 7% para 10% até 2018.
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Ao ser questionada sobre quais setores travam essa abertura para o Brasil, apontou "alguns da indústria, que são protegidos há décadas".
Disse ainda que, no primeiro mandato da presidente Dilma, o país não avançou nos acordos comerciais porque "o Mercosul nos atrapalhou".
Além de buscar o caminho das exportações, a ministra, que faz parte do grupo dos assessores mais próximos da presidente, diz que o Brasil "precisa fazer o ajuste fiscal" e que o "Estado é mau gastador, gasta mal de todos os jeitos" e até "rouba".
A ENTREVISTA
O FMI revisou suas projeções para o Brasil e prevê retração de 3,5% do PIB neste ano. Qual a saída para voltar a crescer?
- A principal saída, e a própria presidente Dilma tem repetido isso, é aumentar as exportações. Temos de ir para um novo enfrentamento mundial e sermos mais ambiciosos, mais agressivos e abrir mais mercados. Se dentro do país as condições de comércio e negócio não vão bem, temos de buscar outros compradores para aquecer as nossas indústrias.
Como a crise na China influencia nesse cenário?
- Atrapalha o mundo todo. No caso dos alimentos, afetou a quantidade e ainda mais os valores. Do ano passado para cá, nós [agronegócio] crescemos, em volume, de 141 para 163 milhões de toneladas, mas em valores caímos de US$ 96 bilhões para US$ 88 bilhões. Tem gente que diz que não precisamos de acordos de livre comércio, mas a tendência mundial mostra outra coisa.
Não foi uma falha do primeiro mandato do governo Dilma não ter priorizado esse tipo de acordo comercial?
- Não é que não priorizou. Acredito que o Mercosul nos atrapalhou. O governo da ex-presidente Cristina Kirchner [Argentina] tinha dificuldade de atingir os percentuais necessários para que a gente fechasse o acordo União Europeia-Mercosul.
A presidente Dilma determinou que o chanceler Mauro Vieira vá à Argentina para tentar que o governo Mauricio Macri feche uma lista de 90% de seus produtos com tarifa de importação zero para fazermos a troca de ofertas. Para o governo brasileiro, esse acordo precisa ser priorizado não só pela questão econômica. Ele significa a credibilidade do Mercosul, a revitalização do Mercosul, ou não.
Chegou o momento de tomar uma decisão: fortalecer o Mercosul ou o Brasil seguir seu rumo solitariamente?
- Tenho hoje muitas esperanças de que o contrário vai acontecer com a troca das ideias do novo governo argentino. A coisa que mais preocupa um fazendeiro é quando ele está isolado e os fazendeiros em volta estão ficando pobres. Região rica é onde todo mundo está bem.
Existe uma meta de acordos que a senhora esteja estabelecendo para este ano?
- A presidente nos deu um foco: União Europeia, Oriente Médio, Índia, Tailândia, Indonésia e Filipinas. Mas não é uma escolha e uma exclusão, a presidente mencionou países onde teremos menos dificuldades de negociar junto com o Mercosul.
Mas continuaremos insistindo na aproximação com os EUA e tentando um acordo de preferências tarifárias da China com o Mercosul. Fechamos 2015 com US$ 1,9 bilhão a mais com a abertura de novos mercados por meio de acordos feitos pelo Ministério da Agricultura. Em 2016 serão US$ 2,5 bilhões a mais só com carne, frutas e lácteos.
Qual é a meta deste ano?
- Hoje o Brasil significa 1,2% do comércio no mundo. O agronegócio brasileiro tem 7% do setor mundial e quero chegar em 10% até o fim do mandato [2018].
Qual é o grande entrave para esses acordos?
- Mercosul. Quando falo Mercosul, estou incluindo o Brasil. Esses quatro países [Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai] precisam se acertar. O agro não tem problema.
No Brasil, o que trava esses acordos e como resolvê-lo?
- Alguns setores da indústria, que são protegidos há décadas, acabam atrapalhando setores que já viveram em mais dificuldades, com menos subvenção, e que foram atrás da inovação e da tecnologia e venceram.
Você já ouviu falar de filho de 40 anos que recebe mesada do pai dar certo? No comércio é igual: não pode receber mesada de pai a vida inteira. Não pode ter proteção.
A senhora está dizendo que alguns setores não podem ter medo de abertura para disputarmos novos mercados?
- Nós [do agronegócio] não temos medo.
Quem for mais competitivo, que ocupe o mercado.
É. O que dói em Francisco dói em Chico. Somos competitivos, mas temos setores complicados no Brasil: por exemplo, o do leite. Qual é a nossa estratégia para melhorar a performance do leite? É abrir mercado, exportar o leite, porque, na hora em que exportar, a importação não vai fazer mal.
O que a presidente Dilma diz quando a senhora afirma que é hora de os empresários brasileiros não terem medo da concorrência?
- A presidente sofre porque tem que medir, né? Acho compreensível. Num primeiro momento, o choque numa empresa automobilística é muito forte.
Dizem que para uns viverem outros têm que morrer. Quando você abre um mercado, é claro que uns adoecem e outros falecem, mas é o jogo. E a quantidade dos que vão viver? Não tenha dúvida que é muito maior.
Então a saída é a exportação?
- Acho que tem duas receitas: fazer o ajuste fiscal, gastar menos, cortar despesas para valer. Está na hora de apertar o cinto. O Estado é mau gastador, ele gasta mal de todos os jeitos, escolhe mal, desenvolve projetos mal, ele rouba também. Então o Estado é um péssimo executor.
Para favorecer as exportações, a senhora acha que temos que viver um período de realismo da taxa cambial?
- Acho. Com o dólar até pelo menos R$ 3,70, o Brasil está muito competitivo para as exportações.
O ex-ministro Delfim Netto defendeu, em artigo publicado na Folha, que a presidente faça o enfrentamento com o Congresso para destravar a agenda econômica e impedir que o desemprego aumente. A senhora concorda?
- Acho que ele está correto. Existe, por exemplo, a lei nº 8.666, das licitações. Não tem um problema dentro do Congresso [em relação a isso], porque foi feita, de propósito, numa comissão especial, e eu fui a relatora. Todo dia ligo para o [presidente do Senado] Renan [Calheiros], que fala: "Eu vou pôr [na pauta]". Tem alguém que não quer que mude e pode ter certeza que é no setor privado. Por que essa pauta apresentada pelo Renan [Agenda Brasil], e que o Brasil conhece há tempo, não anda?
Por quê?
- Interesses corporativos.
Mesmo com o Brasil na iminência de chegar à taxa de desemprego de dois dígitos?
- Acredito que, diante do apelo do Delfim e de tantos outros economistas, o próprio Congresso deveria ter esse proativismo de ser protagonista dessas matérias e elaborar uma pauta que não esteja só concentrada em interesses de meia dúzia. Não precisa da presidente Dilma pedindo isso. O Congresso é representante do povo.
O impeachment da presidente ainda é uma preocupação do governo e pode voltar a ganhar força no Congresso?
- Acho que este debate sobre impeachment atrapalha muito a economia. Desloca energia do governo, do Congresso, de todos, e atrapalha a tramitação de uma agenda de solução da nossa crise econômica.
Não há nada contra a presidente que possa levar a seu impeachment. O que tem feito a oposição? Quer o impeachment da presidente, aí fica procurando um motivo. Impeachment só tem sentido quando você encontra algo grave contra um presidente, e não o contrário.
RAIO-X KÁTIA ABREU, 53
Formação: Psicologia pela Universidade Católica de Goiás
Carreira: deputada federal (eleita em 2002); senadora (eleita em 2006 e 2014); ministra da Agricultura.