Contra impunidade, STF mantém prisão na 2ª instância 06/10/2016
- Laryssa Borges - Veja.com
Na carceragem de Curitiba e de Pinhais, onde estão detidos empreiteiros e empresários enrolados na Operação Lava-Jato, e nas principais bancas de criminalistas do país, todas as atenções se voltavam ontempara o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
A corte se preparava para julgar dois processos que poderiam acabar de vez com a sensação de que corruptos poderosos e endinheirados possuem verdadeiros passaportes para a impunidade.
Com dinheiro suficiente para pagar bons advogados, eles criavam na prática “quatro instâncias” para recorrer em liberdade – juízo de primeiro grau, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF.
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Na prática, raramente cumpriam pena.
Os detentos do petrolão tinham especial interesse no veredicto.
Se a indústria dos recursos eternos fosse mantida, poderiam ser interrompidos os acordos de delação premiada que revelariam ainda mais detalhes do esquema de corrupção instalado na Petrobras.
Com a perspectiva de só terem de enfrentar realmente os riscos de cadeia dentro de anos, empreiteiros como Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro se calariam. Manteriam a tradicional omertà.
Porém, o desejo dos poderosos do petrolão não se confirmou. Por apertados seis votos a cinco o Supremo decidiu que a execução das penalidades pode ser feita já na segunda instância, sem depender do chamado trânsito em julgado.
No julgamento no STF, o ministro Luiz Fux resumiu: “Estamos discutindo isso porque no Brasil as condenações são postergadas com recursos aventureiros, por força de recursos impeditivos do trânsito em julgado.
Entre os magistrados, um exemplo recorrente de impunidade: o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, condenado pelo assassinato da ex-namorada Sandra Gomide, no ano 2000, passou 11 anos solto.
Pimenta era réu confesso, mas só foi preso em 2011. Neste ano passou para o regime aberto.
Do plenário, os ministros mandaram um recado claro contra a impunidade dos poderosos, que contam com o conceito elástico de presunção de inocência para nunca expiar culpa atrás das grades.
“O sistema brasileiro hoje frustra na maior medida possível o senso de justiça de qualquer pessoa. Um sistema de justiça desacreditado pela sociedade aumenta a criminalidade, não serve para o Judiciário, não serve para a sociedade, não serve para ninguém”, disse o ministro Luis Roberto Barroso ao falar sobre a dificuldade de levar criminosos poderosos efetivamente para atrás das grades.
“Por ser um princípio e não uma regra, a presunção de inocência é ponderada e ponderável com a efetividade do sistema penal, que é um valor que protege a vida das pessoas para não serem assassinadas, protege a integridade física, protege a integridade patrimonial”, continuou.
“[Sem a prisão em segunda instância] O sistema brasileiro não era garantista. Era grosseiramente injusto”.
Entre os ministros que consideraram que a prisão já em segunda instância é possível, prevaleceu o entendimento que o trecho da Constituição que trata de prisão é o inciso 61 do artigo 5º: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
“Depois da segunda instância, sobe o interesse do sistema de fazer aplicar a norma penal. Depois do segundo grau, o peso da presunção da inocência fica mais leve e menos relevante em contraste com o interesse estatal”, afirmou Barroso. Em fevereiro, por sete votos a quatro, o STF havia entendido que a segunda instância é a última que analisa provas de materialidade e autoria e, por isso, a pena já poderia ser executada.
Desde a retomada do tema à discussão, advogados articularam uma proposta alternativa: a de que a execução da pena possa ocorrer após o julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A iniciativa significaria que um tribunal superior teria confirmado a condenação do réu, mas apenas os ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli – que mudou o entendimento pessoal desde fevereiro – consideraram a hipótese.
Também votaram contra a execução da pena em segundo grau os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello.
O decano criticou o que chamou de “pragmatismo de ordem penal” e disse que o STF deve assegurar o direito fundamental de um acusado ser presumido inocente até que se sobreponha sentença condenatória transitada em julgado. “A majestade da Constituição Federal não pode ser violada pela potestade do Estado”, afirmou.
Ao longo de toda a discussão, foram repisados por advogados argumentos que suspeitos podres seriam os principais prejudicados e ampliariam ainda mais a situação de caos do sistema penitenciário brasileiro. Teori Zavascki rechaçou de pronto a tese.
Segundo ele, é improvável que condenados menos abastados entupam a justiça de recursos, além de ser necessário considerar que todos os recursos deles fossem aceitos e, ao fim, eles fossem declarados inocentes.
“É absolutamente desprovido de base real que a improcedência da ADC [ação declaratória de constitucionalidade julgada hoje] iria acarretar injusto encarceramento de dezenas de milhares de condenados, notadamente pessoas humildes defendidas pela Defensoria Pública. Isso parte da premissa que tem recursos e que recursos serão acolhidos e que todos eles são inocentes”, disse.