O drama de Interlagos: quase pronto, mas para quê? 14/11/2016
- Alexandre Salvador e Luiz Felipe Castro - Veja.com
O autódromo de Interlagos recebeu ontem, domingo, a 45ª edição do GP do Brasil de Fórmula 1, cercado por um clima de incertezas. A penúltima etapa da temporada – que marcou a despedida do brasileiro Felipe Massa da pista onde já venceu duas vezes –, também pode representar o adeus do próprio circuito de São Paulo na principal categoria do automobilismo.
Em setembro, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) deixou em aberta a presença de Interlagos no calendário de 2017, apesar de ter contrato firmado até 2020.
Na véspera da corrida, Bernie Ecclestone, o chefão da categoria, admitiu que o risco de o Brasil não ter corridas (nem pilotos) no ano que vem é real.
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Ironicamente, 2017 marcará o ano da reforma completa de Interlagos, iniciada em 2014, ao custo de 160 milhões de reais.
O autódromo apresentou mudanças importantes, que agradaram as equipes, mas podem não servir para nada no futuro.
Abaixo, um resumo do drama vivido pelo Brasil na Fórmula 1:
CRISE ECONÔMICA
A fuga de patrocinadores é um dos principais empecilhos à manutenção de Interlagos no calendário. Neste ano, a Petrobras, que batizava o GP, e a Shell, retiraram seu apoio ao evento. Isso deve provocar um prejuízo de 30 milhões dólares (cerca de 98 milhões de reais) aos organizadores, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo.
Na quarta-feira, Bernie Ecclestone se reuniu com o presidente Michel Temer, em Brasília, para discutir o futuro do automobilismo no país. Já em Interlagos, o dirigente britânico de 86 anos, que é casado com a advogada brasileira Fabiana Flosi, disse que o país gastou demais com a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Rio-2016 e, por isso, diminuiu os investimentos no GP do Brasil.
O futuro prefeito da cidade, João Doria, já revelou seus planos de privatizar o autódromo, o que deixa seu futuro ainda mais incerto.
Assim como acontece com o GP da Alemanha, que também aparece com um asterisco no calendário de 2017, o futuro do GP do Brasil será definido em reunião do Conselho Mundial de Automobilismo, no fim deste mês.
Segundo a SPTuris, a Empresa de Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, a Fórmula 1 movimenta cerca de 260 milhões de reais na economia, com gastos em hospedagem, alimentação, compras e lazer, entre outros.
REFORMAS
Interlagos se acostumou a receber duras críticas de dirigentes e das equipes por sua falta de estrutura – chegou a ser chamado de “a favela da Fórmula 1” por um funcionário da Williams, há dois anos –, mas entrou em 2016 em situação bem mais satisfatória.
Nos últimos anos, a pista foi trocada e ficou mais rápida. Nesta ano, a ampliação do paddock, dos boxes e dos refeitórios (um desejo antigo das escuderias) foi concluída, assim como as mudanças no prédio operacional e seu novo anexo.
Uma das principais novidades foi a desativação do antigo edifício onde funcionava a sala de imprensa, as entrevistas coletivas oficial e alguns camarotes.
A mudança não agradou a maioria dos jornalistas, que agora trabalham em uma sala abaixo do paddock – antes ficavam acima, e conseguiam observar a largada pelas janelas da sala.
Restam ainda algumas obras, que só serão finalizadas em 2017: a construção de novos boxes e camarotes, além da cobertura do paddock.
A reforma, iniciada no mandato do prefeito Fernando Haddad (PT), é orçada em 160 milhões de reais.
SEM BRASILEIROS NA PISTA?
A temporada de 2017 também pode registrar outro trágico feito para o país: com a saída de Felipe Massa definida, caso Felipe Nasr, atualmente na Sauber, não renove contrato ou acerte com outra equipe, o Brasil ficaria sem nenhum representante no grid pela primeira vez desde a estreia de Emerson Fittipaldi, em 1970.
O brasiliense Nasr, de 24 anos, tinha esperanças de fechar com a Force India ou com a Haas, mas as equipes já contrataram outros pilotos nesta semana.
As últimas opções possíveis passam a ser a Manor, ou uma renovação com a Sauber, atual última colocada no mundial de construtores – sem nenhum ponto em 19 corridas. Novamente, a crise financeira – já que é preciso trazer patrocinadores para entrar na F1 – e a falta de grandes talentos brasileiros contribuem para o cenário pessimista. O Brasil não conquista um título mundial de Fórmula 1 desde Ayrton Senna em 1991.
A OPINIÃO DOS PROTAGONISTAS
Como sempre, a última opinião consultada na hora de escolher as etapas é a dos pilotos.
Na Fórmula 1, o dinheiro fala mais alto. Sempre. Mesmo assim, os pilotos não deixaram de dar o ponto de vista de quem está do lado de dentro do cockpit.
Disse o inglês Lewis Hamilton, que conquistou seu primeiro título, em 2008, justamente em Interlagos, sobre a indecisão da permanência do GP do Brasil no ano que vem:
“Sei da batalha que as pessoas travam com a economia e acredito que com tudo que vem acontecendo no mundo, as coisas vão se acertar. Este é um GP que tem de continuar, é parte da herança da Fórmula 1, é um dos circuitos originais que não podemos perder. (…) Espero que continue, mas também entendo que é preciso muito dinheiro para levantar um evento como esse.”
O alemão Nico Rosberg, endossou o apoio de Hamilton, companheiro de Mercedes.
“Eu espero que possamos voltar em 2017, porque é uma pista incrível, uma corrida espetacular e a torcida adora. Então, precisamos estar aqui de volta no próximo ano”, afirmou no sábado.
O finlandês Kimi Raikkonen, da Ferrari, se sagrou campeão do mundo em 2007 com a vitória no Brasil e lamentou a situação.
Para ele, se os pilotos pudesse decidir o calendário, voltariam ao Brasil mais vezes. “Infelizmente, tudo envolve dinheiro. A maior quantia acaba levando a corrida”, comentou.