Construção civil espera gerar mais de 200 mil empregos este ano 15/01/2017
- RENNAN SETTI E CÁSSIA ALMEIDA - O GLOBO
A expectativa de que os juros básicos cheguem a menos de 10% ao ano até o fim de 2017 animou a construção civil. Os lançamentos na planta devem voltar no segundo semestre, de acordo com incorporadoras, juntamente com os mais de 200 mil empregos perdidos em 2016.
A recuperação esbarra nos estoques de imóveis prontos ou em construção.
Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), há 117,7 mil imóveis à espera de comprador, o suficiente para atender à demanda por um ano e quatro meses. O estoque aceitável é de um ano. Esse é o patamar médio do setor.
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A partir dos números de nove incorporadoras com ações em Bolsa, o banco JP Morgan calcula que os estoques somam 24 meses hoje, totalizando R$ 23,4 bilhões em valor de mercado dos imóveis.
Os problemas se concentram nos ramos de média e alta renda — nos quais os estoques estão entre 35 e 40 meses, contra 15 meses há dois anos. No caso das companhias que atuam na baixa renda (essencialmente MRV e Direcional), eles são de 13 meses.
— Estamos com um estoque para um ano e meio a dois anos, o maior nível dos últimos cinco anos. No primeiro semestre, não vai haver lançamentos, é muito pouco provável, mas as vendas devem começar a reagir. No fim de 2016, já pararam de cair — afirmou Fernando Miziara, diretor financeiro e de relações com investidores da Construtora Rossi.
Outro efeito da queda dos juros — que passou de 13,75% ao ano para 13%, na decisão da última quarta-feira do Comitê de Politica Monetária (Copom) — é a mudança de rota na direção dos investimentos. Com os títulos públicos rendendo menos, os investidores podem voltar os olhos à construção.
SETOR TEM EFEITO CASCATA NA ECONOMIA
O JP Morgan acredita que a redução da Selic vai estimular a emissão de produtos de securitização de crédito imobiliário, como a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), voltado para o investidor qualificado. Um maior interesse nesse mercado acabaria estimulando o crédito imobiliário como um todo.
— Sem dúvida, a queda de juros foi muito boa, e, se continuar caindo, o mercado melhora cada vez mais. Investidor volta a aplicar no setor. Eles tinham fugido — afirma Rogério Zylbersztajn, vice-presidente da RJZ Cyrela.
O juro menor também diminui o custo de produção das construtoras, lembra Miziara, da Rossi.
Outro tripé para manter de pé o setor é o mercado de trabalho. A incerteza sobre o futuro do emprego inibe a compra de imóvel, que exige financiamento de longo prazo. Nesse quesito, também há luz no fim do túnel, mas somente no segundo semestre, dizem especialistas.
A taxa de desemprego, que está em 11,8%, deve continuar subindo. Porém, o corte de vagas deve diminuir, e a geração de postos de trabalho deve aumentar mais para o fim do ano. O próprio setor deve contribuir. Segundo Luiz Fernando Moura, diretor da Abrainc, os 230 mil empregos extintos em 2016 devem voltar:
— A reação do setor tem efeito cascata na economia. Quase todas as indústrias acabam fornecendo para construção. Mais de 130 indústrias atendem ao mercado imobiliário e só com produção nacional, pois não precisamos importar. É indutor de desenvolvimento.
Para recuperar os 750 mil empregos na construção extintos em 2015, a retomada precisa ser mais forte, diz Moura.
A confiança também vai ajudar o setor, na opinião Bruno Ghiggino, diretor da Construtora Even:
— Juro, desemprego e inflação menores aumentam a confiança do consumidor.
Nos imóveis para baixa renda, a crise não foi tão aguda, diz Rafael Menin, presidente da MRV Engenharia e Participações, voltada para imóveis de, em média, R$ 150 mil. Os estoques da incorporadora são suficientes para um ano e, há três, estão estáveis em 35 mil unidades:
— Começamos o ano otimistas, confiantes na recuperação da economia. Fomos muito agressivos na compra de terrenos e teremos mais lançamentos já no primeiro semestre.
Segundo Marcelo Motta, analista do JP Morgan, o fundo de financiamento para imóveis mais baratos não sofreu reveses como a poupança, que é usada para financiar imóveis mais caros. O investimento perdeu mais de R$ 40 bilhões em 2016:
— As companhias de baixa renda são dependentes do FGTS, que não foi afetado pela crise, continua forte e sem problemas de caixa. Enquanto isso, a poupança tem registrado grandes perdas. O imóvel de alta renda é muitas vezes um upgrade, cuja decisão de compra pode ser postergada.
PERDA DE R$ 16,2 BILHÕES EM VALOR DE MERCADO
No segmento de média e alta renda, as pré-vendas caíram 35% nos nove primeiros meses de 2016, para R$ 2,2 bilhões, enquanto que, no segmento de baixa renda, o recuo foi de apenas 2% no período, para R$ 5,4 bilhões.
Para o fim de 2017, o banco estima que os estoques cairão para 19 meses, encerrando o ano com um valor de R$ 22,4 bilhões. Mas se a reação for maior, Motta estima que é possível que os estoques caiam para 13 meses e R$ 17,3 bilhões:
— Menos juros devem tornar o financiamento imobiliário mais atrativo. Quando a Selic cai, os bancos ficam mais propensos a emprestar, porque seus ganhos em outras linhas de crédito diminuem. E as pessoas acabam colocando mais dinheiro na poupança, sem imposto e com alta liquidez.
Apesar da queda dos juros, os preços dos imóveis devem cair de 2% a 3% em 2017, no terceiro de recuo seguido. Em dois anos, a deflação do setor foi de 14%, retornando aos níveis de 2012. Esse é um dos reflexos da deterioração da capacidade de compra de imóveis pelas famílias, que caiu 24% nos últimos três anos, segundo o JP Morgan.
A crise fez também com que as nove incorporadoras listadas na Bolsa perdessem R$ 16,2 bilhões em valor de mercado do início de 2013 ao fim de 2016, segundo levantamento do GLOBO. Desde o começo do ano, já recuperaram R$ 2 bilhões com o otimismo dos investidores.
— Essas ações reagiram acompanhando um movimento otimista generalizado. Além disso, o setor estava mais depreciado do que outros. A reação só deve vir a médio prazo. O comprador está limitado pelo desemprego e pela renda curta. O ano será de redução dos estoques — afirmou Mário Roberto Mariante, analista-chefe da Planner Corretora.