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DIA A DIA

Páginas na internet ajudam a informar à polícia sobre crimes na cidade do Rio
10/04/2017 - GISELLE OUCHANA E ANA PAULA BLOWER - O GLOBO

“Tiros na Cidade de Deus. Cuidado nas proximidades!”. O aviso é dado por uma das páginas das chamadas “redes de sobrevivência”, criadas nas mídias sociais para dar alertas sobre riscos em ruas e comunidades.

E não importa o bairro nem o lugar. Da Zona Oeste à Zona Sul, na favela ou no asfalto, voluntários atentos colaboram e alimentam perfis na internet, ajudando a informar a moradores, em tempo real, sobre a violência na cidade, principalmente quando ocorrem tiroteios.

Cláudia Sacramento, de 47 anos, é a voz na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha. Há cinco anos, ela mantém a página Vila Cruzeiro-R.J. no Facebook, que conta hoje com 60 mil seguidores.


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No início, seu objetivo era apenas expor problemas, como falta de água e luz. Mas o rumo mudou diante de tantos casos de violência. Cláudia começou, então, a informar a seus seguidores sobre os disparos na localidade, que conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

— Quando comecei a fazer esse tipo de relato, as pessoas me agradeciam porque quando saem do trabalho, por exemplo, esperam o término do confronto para retornar às suas casas. Desde então, acho até que o número de vítimas por bala perdida na região diminuiu. Só não é zero porque tem gente baleada dentro de casa — conta Cláudia, de 47 anos, moradora do Parque Proletário.

A cerca de 20 quilômetros da Penha, em Botafogo, a preocupação dos nove moderadores do grupo Relatos de Assaltos e Violências em Botafogo, Urca, Humaitá e Proximidades, com 16 mil seguidores, é com a propagação de boatos. Esclarecer falsas informações é uma das missões de Maurício Matsutani, paulista que mora no Rio há 40 anos.

— As pessoas andam muito apavoradas. Se ouvem um barulho, já acham que é tiro. Temos policiais no grupo que, quando necessário, acionamos para ver se a informação procede ou não. Pelo grupo, eles também podem acompanhar os problemas e terem condições de agir mais rápido — conta o analista de tecnologia da informação, de 58 anos, que incentiva os membros da página a fazerem registro de ocorrência quando sofrem assaltos, para que os casos não fiquem apenas na internet.

CLIMA DE REVOLTA NAS RUAS ECOA NA INTERNET

Para Maurício, a indignação com a falta de segurança na cidade tem reflexos no comportamento dos internautas, que, não raro, publicam mensagens de ódio. Nesses casos, os mediadores têm que intervir:

— Às vezes, as pessoas se excedem, usam discursos preconceituosos ou ofensivos, e o papel do grupo não é esse, de muro das lamentações. Quando alguém prega a violência, excluímos a publicação.

A comerciante Rosanne Garcia também têm percebido um clima de revolta nas ruas. Da janela de sua casa, em Copacabana, presenciou muitos assaltos e até pessoas querendo fazer justiça com as próprias mãos. O que ela não esperava era que seu próprio filho se tornasse mais uma das vítimas de roubo no bairro. Na sexta-feira, o menino de 13 anos teve o celular levado por um assaltante, e ela usou o grupo Copacabana Alerta, com mais de 40 mil seguidores, para relatar o assalto.

— Fiquei impressionada com a enorme quantidade de comentários. Resolvi postar porque pode ajudar a encontrá-lo. No grupo, todos se ajudam, por isso entro sempre para me informar — diz.

Os administradores do Copacabana Alerta participam das reuniões do Conselho Comunitário do bairro, numa parceria. Para o comandante do 19°BPM (Copacabana), coronel Murilo Angelloti, quanto mais os moradores compartilharem suas informações, melhor ficará o policiamento.

Na Tijuca, o comandante do 6°BPM, João Busnello, acompanha as redes 24 horas por dia:

— Utilizamos esses meios como forma de monitoramento, participação e até mesmo na divulgação do nosso trabalho. Encaramos como uma plataforma para receber e distribuir informação imediata.

O OTT-RJ (sigla para Onde Tem Tiroteio no Rio) foi criado em 1° de janeiro de 2016, dias depois de o petroleiro Benito Quintanilha, de 40 anos, assistir a uma reportagem que mostrava uma vítima de bala perdida durante tiroteio no Complexo do Chapadão. Já soma mais de 69 mil seguidores.

— Nunca imaginei que tomaria essa proporção. Hoje eu vejo esse perfil como um item de necessidade de milhares de cariocas. Nosso objetivo é um só: salvar vidas — diz.

Ao lado de Benito e outros dois amigos está o tecnologista Henrique Caamaño, de 49 anos, que se juntou ao grupo há seis meses. O trabalho, segundo ele, exige muita responsabilidade para evitar propagação de informações falsas.

— Participamos de dezenas de grupos e recebemos muitas informações. Temos colaboradores fixos e outros novatos. Nos primeiros, temos plena confiança no que nos é passado. No caso dos desconhecidos, fazemos uma apuração, inclusive com a própria polícia. Fazemos o possível para publicar as informações no menor tempo possível — explicou, ressaltando que até hoje não publicaram notícias inverídicas. — Em 1° de abril, , achamos que receberíamos muitas informações falsas, mas não foi o que aconteceu.

Caamaño, que atualmente está desempregado, afirma que o OTT-RJ tornou-se “um vício":

— Fico num dilema: preciso dormir, mas não posso. Penso que existe gente que está acordando e não sabe de nada. Há pessoas que já acordam olhando a página, principalmente quem passa ou mora em comunidade. Se eu não avisar, como as pessoas vão saber?

SEGUIDORES AGRADECEM

A reciprocidade pode ser percebida em comentários e compartilhamentos das publicações que, no caso do OTT-RJ, são feitas apenas pelos administradores. Os seguidores agradecem: “Obrigada equipe. Não saio de casa sem verificar a página”, publicou uma moradora.

A mesma lógica é usada pelos administradores da página Copacabana Alerta. Ao lado de outros três amigos, o administrador de empresas Paulo Carvalho é o responsável pela página, que compartilha informações de desordem pública no bairro:

— Há mudança no tipo de informações compartilhadas, dependendo do clima. No verão, o número de arrastões e roubos aumenta. O bairro fica mais vulnerável. Na página, pregamos pela educação e respeito, sem distribuir ódio.

As “redes de sobrevivência” são uma via de mão dupla. O Jacarepaguá Notícias, com mais de 251 mil curtidas, é um exemplo. Há dois anos, as publicações servem como base para o planejamento de patrulhamento do 18º BPM (Jacarepaguá). Segundo o comandante da unidade, coronel Rogério Figueiredo, existe uma boa relação dos dois lados.

— O potencial dessas mídias é fantástico. As informações fazem com que eu tome conhecimento e monte um planejamento e até o modifique, de acordo com a necessidade — explicou o oficial.

No Rio Comprido, no Estácio, no Catumbi e no Complexo do Alemão as páginas na internet também colaboram para o dia a dia. O “Voz da Comunidade”, jornal com informações das favelas do Complexo do Alemão, estreou nas redes sociais em 2010, quando as tropas militares entraram na região para a implantação das UPPs:

— Nossas primeiras publicações foram sobre a situação de segurança naquele momento tenso. Falávamos sobre a circulação dos ônibus, escolas fechadas e comércio. Até hoje, as informações que publicamos são de relevância para os moradores — explicou René Silva, idealizador da página que, no Twitter, soma mais de 340 mil seguidores.

ESPECIALISTA ADVERTE: "CUIDADO COM BOATOS"

Para especialistas, de um modo geral, as páginas das “redes de sobrevivência” têm sua importância. Márcio Gonçalves, da área de mídias sociais, lembra que o compartilhamento é um dos grandes atrativos do meio digital, porque a informação é passada adiante, gerando um ciclo. Ele, no entanto, faz uma advertência: é importante se tomar cuidado com possíveis boatos.

— Esse tipo de página chama muita atenção. Cidadãos as consultam antes de se deslocarem, para saber se algum evento indesejado está ocorrendo. Pelo lado da filosofia, a informação é considerada verdade na rede social quando diversos atores começam a falar sobre o mesmo assunto. Mas deve se permanecer apurando oficialmente. O diferencial também é que, quando uma informação tem tom de mentira, ou é realmente mentirosa, é desmentida na rede. Faz parte da dinâmica de transmissão da informação — diz Gonçalves.

Já uma pesquisa que está sendo realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes identificou que, nos últimos dez anos, o que mais mudou na relação entre mídia e violência foi o surgimento das muitas iniciativas nas redes sociais, lideradas por pessoas comuns e não por autoridades públicas.

— Essas redes têm um papel relevante, porque o morador confia muito nas informações publicadas — afirma a cientista social Silvia Ramos, que também acredita que o cidadão comum esteja fazendo o papel da policia no sentido da prevenção: — Eles acabam sendo moderadores da realidade, onde as informações chegam mais rapidamente. Acabam ocupando um papel de polícia no sentido de prevenir várias situações.


  

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