Mulheres ganham espaço no campo e ocupam 30% dos cargos de comando 28/01/2018
- Douglas Gavras - O Estado de S. Paulo
Os anos recentes não foram só de ganho de produtividade e aumento do uso da tecnologia no campo. Ele também ficou mais feminino. Uma em cada três propriedades rurais do País tem mulheres ocupando funções de comando – há cinco anos, eram 10%.
Quando não são as principais responsáveis pelas propriedades, elas atuam como administradoras, dividem as atividades com um familiar ou estão sendo preparadas para assumir essas funções.
Os dados são de uma pesquisa da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) e antecedem o Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que deve ficar pronto este ano.
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O levantamento foi feito ao longo de 2017, com 2.090 agricultores e 717 pecuaristas de 15 Estados.
Criada em uma fazenda de gado de São Sepé, no Rio Grande do Sul, Fernanda Costabeber, de 26 anos, nunca pensou em ser apenas a “filha do dono”.
Ela e a irmã mais velha foram acostumadas desde pequenas a participar das atividades da propriedade de 1,6 mil hectares.
“O meu pai não é de uma família de pecuaristas tradicionais, começou tudo do zero e sempre disse que nos criaria para tomar conta do negócio no futuro, ensinando todas as funções que um filho homem teria de aprender”, conta.
“Muitas meninas acabam ouvindo que não dariam conta de tocar uma fazenda. Acho que ter aprendido desde cedo que seria capaz de administrar o negócio foi uma das coisas mais importantes.”
Fernanda se formou em veterinária há cinco anos.
“Já conhecia a vida no campo na prática e queria uma visão mais profissional, para tentar aprimorar o nosso negócio.”
Ela chegou a trabalhar por um ano na indústria de alimentos, mas decidiu voltar.
Há dois anos, substituiu o pai na função de gerente administrativo da fazenda.
Após assumir a gerência, o número de cabeças de gado subiu de 4 mil para 6,3 mil.
“Conseguimos dividir funções e cada um oferece o que tem de melhor para a fazenda.”
O pai de Fernanda negocia a compra e venda de animais, enquanto o marido dela, agrônomo, cuida da produção de ração.
“As barreiras não desapareceram por completo para as mulheres, mas ficaram menores.”
Com o aumento do uso da tecnologia no campo, a força física deixou de ser uma barreira para muitas atividades, lembra Ricardo Nicodemos, coordenador da pesquisa da ABMRA.
Elas também estão se preparando mais para assumir as funções. Uma em cada quatro mulheres tem formação superior. Entre os homens, um em cada cinco.
“Essa nova dinâmica do agronegócio faz com que as mulheres ganhem destaque. Embora os homens sejam a maioria dos entrevistados, para 81% dos agricultores e pecuaristas, a participação delas é vital ou muito importante”, diz Nicodemos.
LAVOURA NADA ARCAICA
A presença feminina à frente das propriedades rurais não é inédita. Mas a pesquisa da ABMRA mostra que elas ganham espaço nas pequenas, médias e grandes propriedades.
“Existem ótimos exemplos de mulheres de gerações passadas que tocaram propriedades muito bem. Mas acho que, de forma geral, quando só havia filhas mulheres na família, a expectativa recaía mais sobre os maridos mesmo”, conta a veterinária Andrea Veríssimo, de 44 anos.
Ela divide com o marido a administração de uma propriedade em Arambaré, também no interior do Rio Grande do Sul.
Na fazenda, herança dos pais do marido, o casal integra lavoura e pecuária.
Formada na década de 1990, Andrea foi complementar os estudos com um mestrado na Nova Zelândia em 2001.
“Trabalhei dois anos na propriedade do meu pai e fui buscar mais conhecimento. Era uma época em que os cursos de especialização na área eram raros.”
Hoje, além da fazenda, ela cuida de uma consultoria de relações públicas voltada para o agronegócio.
“Essa é mesmo uma característica muito feminina, de querer se aprimorar sempre”, avalia a paulista Teresa Vendramini, primeira mulher a ocupar um cargo de diretora executiva na Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Ela está no cargo desde março do ano passado.
“A mulher antes acabava indo parar no campo quando ficava viúva ou quando perdia os pais. Foi assim comigo e ainda acontece bastante. Mas a importância crescente do agronegócio também veio acompanhada de uma revolução cultural. Os jovens querem ficar no campo, muitas mulheres não são mais criadas para ficar em segundo plano e esses novos agentes estão transformando a agropecuária. É um caminho sem volta.”
CAMPO MAIS JOVEM
A faixa etária média dos produtores rurais caiu entre 2013 e 2017, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA).
No ano passado, os agricultores e pecuaristas tinham, em média, 46,5 anos. Em 2013, essa média era de 48 anos.
“A diferença parece pequena, mas não é”, diz o coordenador do levantamento, Ricardo Nicodemos.
“É uma indicação de que os filhos de produtores estão permanecendo no campo. Continuamos tendo muitos produtores mais velhos, mas os jovens também sentem que têm oportunidades no agronegócio.”
Entre os produtores, as faixas etárias mais baixas, de 18 a 25 anos, de 26 a 35 anos e de 36 a 40 anos foram as que tiveram crescimento entre 2013 e o ano passado.
A maioria dos entrevistados tem entre 51 e 60 anos.
O levantamento também aponta que 81% dos entrevistados não exercem outra atividade.
Em 2013, 43% deles tinham sua única residência no campo; agora são 56%.
Cinco anos atrás, 30% deles diziam ter duas casas, uma na cidade e outra no campo. Agora, apenas 19% têm.
"FOI DIFÍCIL, MAS AGORA ME RESPEITAM"
Ao ficar viúva, dez anos atrás, Maria de Fátima Diogo, de 50 anos, não sabia o que fazer para sustentar os dois filhos. A maranhense radicada em Brasília viu uma saída na chácara que o casal tinha comprado, em Brazlândia, no Distrito Federal, região famosa pela produção de morangos.
“O meu marido era médico e eu trabalhava com ele na clínica. Quando ele se foi, fiquei sem rumo. A gente tinha essa propriedade, para passar os fins de semana. Depois, os meus pais foram morar lá, quando saíram de Sambaíba ( MA). A gente comprou a chácara para ser uma válvula de escape e acabou sendo muito mais que isso. Eu, que antes de ir para Brasília sempre tinha vivido na roça, pensei: ou a gente faz essa terra produzir ou fica sem ela.”
A necessidade fez a Chácara Diogo começar a produzir morango e tomate-cereja – além de goiaba, graviola e outros produtos que nascem nos 5 hectares.
Maria de Fátima vende a produção em mercados locais.
“No início era difícil, mulher de madrugada, descarregando frutas. Agora eles me respeitam. Quando investi na plantação, financiei um caminhão e um trator.”
Além de conseguir manter a propriedade, a produção prosperou, fazendo Maria de Fátima buscar os irmãos que moravam no Maranhão para ajudar na plantação e na colheita.
“A volta para o campo começou sendo por necessidade, mas virou a minha vida. Não penso mais em voltar para a cidade, não troco a roça por nada.”
Quem também fez uma troca como essa foi a advogada Rita Oliveira, de 56 anos.
Ela deixou os processos e a rotina de Curitiba, comprou uma fazenda no interior do Paraná em 2005 e não se arrepende.
“Eu fui criada na cidade e antes o agronegócio não tinha o glamour que tem hoje. Meu pai dizia que eu tinha de ser advogada, como ele, para ser alguém na vida. Hoje, eu sinto que venci nas duas funções e tenho orgulho delas.”
Uma pesquisa com mulheres que atuam no agronegócio publicada no fim do ano passado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) aponta que, embora muitas delas trabalhem em propriedades rurais principalmente por vir de uma família de produtores, uma grande parte (36,2%) escolheu o campo.
“Apesar de muitas terem sido criadas afastadas das decisões e acabarem comandando uma propriedade por acaso, as mulheres não estão se intimidando, sabem que podem ir além e demarcar território”, diz Teresa Vendramini, diretora executiva da Sociedade Rural Brasileira.
Os dados também apontam que a maior parte delas sente-se totalmente preparada para o trabalho e que 59,2% se consideram sócias ou donas das propriedades.