Pesquisa da Embrapa contra HIV é premiada em concurso nos EUA 08/02/2018
- ISTOÉ CIÊNCIA
A pesquisa desenvolvida em parceria entre a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês), a Universidade de Londres e o Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da África do Sul (CSIR – sigla em inglês) recebeu o prêmio nacional do Consórcio Federal de Laboratórios (FLC, sigla em inglês) em 2018 pela excelência na transferência de tecnologia na área de saúde e serviços humanos em todo o território norte-americano.
O estudo conseguiu comprovar que sementes de soja geneticamente modificadas constituem a biofábrica mais eficiente e uma opção viável para a produção em larga escala da cianovirina – uma proteína extraída de algas – muito eficaz no combate à AIDS.
O FLC é dividido por seis regiões: Extremo-Oeste, Médio- Atlântico, Médio-Continente, Nordeste e Sudeste. A pesquisa já havia sido premiada em 2017 na região do Médio-Atlântico (FLC MAR).
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Em 2018, recebeu o prêmio nacional, abrangendo todas as regiões.
Este consórcio congrega mais de 300 laboratórios de renomadas instituições de pesquisa e ensino norte-americanas, como o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) e as Universidades de Cornell, Carolina do Norte e Maryland, entre outras.
O prêmio será entregue durante a reunião nacional do FLC no dia 25 de abril de 2018 em Rockville, Maryland.
Ao todo, serão 30 prêmios, envolvendo 24 laboratórios de 10 agências federais.
O pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Elibio Rech, coordenador da participação brasileira nos estudos, receberá a outorga, juntamente com os representantes das instituições internacionais que participaram do projeto.
Para Rech, além do reconhecimento científico, esse prêmio comprova a importância da cooperação técnica para o desenvolvimento de pesquisas de ponta na área de biotecnologia.
Sem falar na divulgação da Embrapa no cenário científico internacional.
“Essa homenagem coroa uma pesquisa de mais de uma década, que obteve excelentes resultados graças à parceria com os institutos internacionais”, comemora.
Na opinião do pesquisador, iniciativas como essa merecem ser intensificadas como modelos para a formulação de políticas públicas e desenvolvimento de produtos tecnológicos inovadores.
Vale destacar que, além de inovadora, a pesquisa tem um forte componente humanitário e, por isso, países em desenvolvimento com altos índices de infestação da AIDS, como alguns da África, por exemplo, terão licença de produção e uso interno, livre do pagamento de royalties.
Este continente continua sendo o mais afetado pela doença, especialmente na região Subsaariana, onde o problema é tão grave que a cada cinco mortos, um é em decorrência da AIDS.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), na Zâmbia e África do Sul, cerca de 20% de toda população adulta e jovem encontra-se contaminada com a doença.
No Brasil, segundo estimativas da ONU, o índice de novos infectados pelo vírus subiu 3% entre 2010 e 2016, ao contrário da média mundial, que sofreu contração de 11%.
A pesquisa, que começou a ser desenvolvida em 2005, se baseia na introdução da cianovirina, uma proteína presente em algas que é capaz de impedir a multiplicação do vírus HIV no corpo humano, em sementes de soja geneticamente modificadas para produção em larga escala.
O objetivo final é o desenvolvimento de um gel (com propriedades viricidas) para que as mulheres apliquem na vagina antes do relacionamento sexual.
Segundo Rech, foram realizados testes com outras biofábricas, como plantas de tabaco (N. tabacum e N. benthamiana), bactéria (E. coli) e levedura (S. cerevisiae).
Entretanto, a única biofábrica que mostrou ser uma opção viável para a produção de cianovirina foi a semente de soja transgênica porque permite que a proteína seja largamente escalonada até a quantidade adequada.
Aliado a esse fato está o benefício do baixo custo do investimento requerido na produção da matéria prima para extração da molécula.
O pesquisador faz questão de ressaltar que as sementes geneticamente modificadas não serão plantadas no campo.
Elas serão cultivadas em condições controladas de contenção dentro de casas de vegetação ou estufas.
Ele explica que os efeitos positivos da cianovirina contra a AIDS já estavam comprovados desde 2008 a partir de testes realizados com macacos pelo instituto norte-americano.
A capacidade natural dessa proteína, extraída da alga azul-verde (Nostoc ellipsosporum), de se ligar a açúcares impedindo a multiplicação do vírus já é conhecida pela comunidade científica mundial há mais de 15 anos.
“O que faltava era descobrir uma forma eficiente e econômica para produzir a proteína em larga escala”, completa.
A utilização de plantas, animais e microrganismos geneticamente modificados para produção de medicamentos faz parte de uma plataforma tecnológica com a qual o pesquisador vem trabalhando desde a década de 90.
“As biofábricas ou fábricas biológicas são capazes de expressar moléculas de alto valor agregado com custos baixos e, por isso, são opções viáveis para produção de insumos, como medicamentos e fibras de interesse da indústria, entre outros”, afirma.
Além disso, valorizam ainda mais o agronegócio brasileiro, já que permitem a agregação de valor a produtos agropecuários, como plantas, animais e microrganismos.
Por isso, ele acredita que o cenário no Brasil daqui a 10 anos será totalmente influenciado pela biogenética.
O faturamento da biotecnologia na indústria farmacêutica mundial cresceu muito nas últimas décadas e hoje alcança aproximadamente 10 bilhões de dólares por ano.
Os produtos biotecnológicos estão em franco desenvolvimento e hoje representam cerca de 10% dos novos produtos atualmente no mercado.
A expectativa da Embrapa ao investir em pesquisas com biofármacos, como explica Rech, é fazer com que esses medicamentos cheguem ao mercado farmacêutico com menor custo, já que são produzidos diretamente em plantas, bactérias ou no leite dos animais.
Existem evidências de que a utilização de biofábricas pode reduzir os custos de produção de proteínas recombinantes em até 50 vezes.
Ele afirma que as plantas produzem proteínas geneticamente modificadas, idênticas às originais, com pouco investimento de capital, resultando em produtos seguros para o consumidor.
Além disso, representam um meio mais barato para a produção de medicamentos em larga escala, pois como não estão sujeitas à contaminação, evitam gastos com purificação de organismos que são potenciais causadores de doenças em humanos.
Sem falar na facilidade de estocagem e transporte.