Os frigoríficos brasileiros precisam trabalhar mais, para mostrar que a carne produzida no País é boa 09/02/2018
- VERA ONDEI - ISTOÉ DINHEIRO RURAL
O executivo holandês, Paul Vriesekoop, 58 anos, já dirigiu por oito anos um dos institutos mais importantes de seu país, o Centro de Pesquisa da Universidade Wageningen, especilizado em pecuária.
A experiência lhe valeu um desafio em 2014: mudar de lado do balcão para comandar, a partir do Brasil, o principal negócio da Cooperatie Rundvee Verbetering (CRV, em holandês) na América Latina.
A CRV é uma das maiores empresas de genética animal do mundo. Somente no País, vende por ano 2,4 milhões de doses de sêmen bovino.
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São cerca de 20% do mercado brasileiro, estimado em R$ 300 milhões, sem colocar nessa conta o setor de serviços das empresas do setor.
Para ele, a pecuária deve acelerar o passo.
“A pecuária necessita de mais planejamento de longo prazo”, afirma o executivo.
“Mas há tarefas imediatas. Os frigoríficos brasileiros precisam trabalhar mais, para mostrar que a carne produzida no País é boa.”
Em entrevista à DINHEIRO RURAL, Vriesekoop disse que o País pode ganhar muito se melhorar a produção do gado, investir na pesquisa e na marcação de uma posição mais firme no mercado internacional de carne bovina.
Como é possível ser otimista na pecuária, em um ano no qual o setor passou por tsunamis, indo da Operação Carne Fraca à delação da JBS, com viés de preço em baixa para a arroba do boi gordo?
– São fatos, não dá para fugir deles. No caso da operação Carne Fraca, o Ministério da Agricultura fez um bom trabalho. Mas isso aconteceu agora.
E oscilação do preço da arroba sempre vai existir, faz parte da cadeia. O mercado vai cair e se levantar sempre. Por isso, o pecuarista deve olhar a indústria da carne como um investimento de longo prazo e se planejar.
Não importa se um fazendeiro tem 100 vacas ou 5 mil, ele toma decisões, agora para um produto que estará pronto muito tempo depois. Uma vaca demora nove meses para parir um bezerro que vai ser abatido em 2,6 anos.
Então, como tomar uma decisão, hoje, baseada no preço de uma mercadoria que será vendida em cerca de três anos e meio?
O preço da arroba é baixo agora, mas não significa que será também lá na frente.
Que tipo de pecuária é praticada por quem planeja no longo prazo?
– A ordem é estocar comida e ter uma visão total do pasto, dos animais, da sanidade e de tudo que envolve a criação. O futuro é de quem acredita que a produção do País deve ser mais eficiente.
É preciso pensar em quilos de carne produzidos por hectare, o custo por hectare e como elevar a margem de lucro. Não dá mais para ter como medida quilos de carcaças de boi produzidos em uma propriedade.
É precido também saber como é possível melhorar o pasto da fazenda para que no fim a margem seja suficiente por hectare.
Até que ponto o Brasil está fadado a permanecer como um mercado de commodities, com pouca ascensão sobre aqueles que demandam por carne de qualidade?
– O padrão de mercado da Europa, que demanda por carne de qualidade é muito pequeno, é um nicho. Não deve ser esse o foco para volume. O Brasil tem um rebanho de vacas muito grande. Pode produzir muito mais carne e muito melhor.
Mas é o frigorífico que acessa o mercado, não é o fazendeiro. É a indústria que tem nas mãos as linhas de demandas, não apenas para a Europa, mas para os Estados Unidos, a China ou qualquer outro país.
O mercado global é muito grande e o volume em toneladas também. Mas a ideia da commodity como uma simples venda em tonelada deve ser abandonada como visão de futuro.
É preciso produzir o que é bom, com qualidade e com margem para os produtores. Isso significa mercado de qualidade.
Trabalhei com suínos nos anos 1980, na Holanda, inclusive em empresas ligadas ao Brasil.
Tudo era commodity naquela época. Mas vimos que o Japão, que demanda por uma carne mais avermelhada, não era atendido.
Esse mercado interessante levou os frigoríficos na Holanda a contratarem fazendas para produzir o suíno adequado. Ganhamos muito dinheiro buscando um mercado e fazendo um produto específico.
Mas, se a Europa paga mais pela carne e puxa outros mercados para cima, como mostrar a produção para que ela seja um tipo de garota-propaganda do Brasil?
– O europeu comum pode não saber de nada, mas o importante é que tudo que coma venha de fonte natural. O conceito é de natureza da produção.
E o que isso significa? Na visão de muitos europeus o Brasil produz carne na Amazônia, de forma destrutiva. Mas quem está na região produzindo boi já está fazendo de maneira certa.
Qual a mensagem na comunicação do País? Mantemos nosso gado no pasto e depois ele vai para o abate.
Agora, como a Argentina se comunica com o europeu? Eles apenas dizem “nós temos pastagens.” Isso é conceito.
A maioria dos europeus não sabe a dimensão que tem a produção no Brasil. Mas eles sabem da Argentina, da Irlanda e dos Estados Unidos.
Os frigoríficos que querem exportar mais têm de trabalhar para que as pessoas saibam que o produto brasileiro é produzido com respeito à natureza.
O europeu não sabe que no Brasil há fazendas com 25 mil vacas. É importante eles entenderem que a produção no País é natural e o foco é a vaca pasto.
Até que ponto é ruim e atrapalha essa corrida por mercados o País não possuir um sistema oficial de classificação e de tipificação das carcaças bovinas após o abate?
– Até pode ser bom para o Brasil ter um programa oficial. Mas ele não foi feito, ainda, porque não precisou de fato e o frigorífico faz esse serviço. No fundo, em essência, isso não é determinante.
O frigorífico não vai pagar por um produto que não foi feito. Mas acho que a indústria frigorífica no Brasil deve avançar também.
Gerir melhor a demanda dos mercados. Os frigoríficos brasileiros precisam trabalhar mais, para mostrar que a carne produzida no País é boa.
Qual foi o maior desafio nos anos em que comandou um instituto de pesquisa?
– Como diretor, tive de transformar um instituto praticamente dependente do governo em um organismo que trabalha muito fortemente com as empresas.
Na época, entre os anos de 2003 e de 2012, o governo da Holanda decidiu não mais fornecer grandes volumes de dinheiro para as pesquisas.
E determinou para quem quisesse pesquisar que fizesse parceria com as empresas. Somente a partir daí o governo ajudaria no processo.
Que lições isso deixou ao sr. e que conselho daria por aqui?
– Eu não quero entrar em conflito com a Embrapa, mas é importante dizer por que o governo da Holanda tinha uma estratégia forte para passar de um modelo concentrado de pesquisa a um baseado em parcerias público-privada.
As pesquisas não custavam muito dinheiro para o governo, não era esse o caso. Mas era importante que os seus resultados fossem utilizados mais rápido e fortemente pela sociedade.
Quando uma pesquisa fica confinada apenas nas mãos do governo a sua aplicação leva mais tempo.
Mundialmente, a CRV tem um relacionamento muito forte com a universidade de Wageningen, em muitas parcerias.
Como sabemos o que queremos para o futuro, ao trabalharmos com os pesquisadores da universidade, as novidades são repassadas aos nossos clientes mais rapidamente.
O imediatismo na pesquisa sustentada por uma empresa não é conflitante com o longo prazo comum nas descobertas científicas?
– Mas as empresas sabem que precisam investir em conhecimento, não para amanhã, para dois anos, mas olhando bem mais para a frente.
E em determinados temas e ideias elas podem trabalhar em consórcios até determinado ponto e depois seguirem sozinhas. Isso gera competição entre as empresas, o que melhora a qualidade da pesquisa.
Quanto a CRV investe em pesquisa?
– Sem divulgar valores, a média é de 15% anual da receita. Isso, constantemente. A genética também é no longo prazo na pecuária, como a criação.
Hoje trabalhamos muito fortemente com genoma. Nos anos 2000 já investíamos nesse segmento, mesmo não sabendo muito o que fazer na época.
Hoje, qual a principal pesquisa realizada pela empresa no Brasil?
– Estamos começando uma pesquisa em parceria com o criador da raça angus Paulo de Castro Marques, há 17 anos selecionador de gado, para saber quais as diferenças entre linhagens da raça e entre touros.
Queremos saber qual touro transmite a melhor produção econômica nos produtos de cruzamento industrial. Vamos levantar os dados até o frigorífico. Em cerca de quatro anos teremos os primeiros números.
Serão analisados dados econômicos e reprodutivos de 300 animais por ano, como ganho de peso, tolerância ao calor, aparelho reprodutivo, musculosidade, conformação de carcaça.
A análise genômica servirá para aumentar a confiabilidade desses dados.