Embrapa perde relevância para o agronegócio 29/04/2018
- Cristiane Barbieri e Pedro Carvalho - O Estado de S.Paulo
A Embrapa comemorou 45 anos, na semana passada, enfrentando as maiores críticas de sua história. No mesmo dia em que o evento do aniversário aconteceu em Brasília, a entidade foi duramente criticada, num debate sobre inovação no agronegócio realizado na Fundação FHC, em São Paulo.
Nos meses anteriores, já enfrentara vários questionamentos, um dos quais resultou na demissão do pesquisador da instituição Zander Navarro, posteriormente reintegrado ao cargo pela Justiça.
Para os produtores rurais, principais interessados nas pesquisas da empresa, a verdade é que ela vem a cada dia perdendo mais relevância.
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Oriundos das diferentes e principais regiões rurais do País, produtores de portes e culturas diversas ouvidos pelo Estadão foram unânimes em elogiar o passado da Embrapa (sigla para Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Sobretudo nos grãos, lamentaram, porém, o distanciamento e a perda de espaço.
“O começo da expansão no Cerrado se deu graças à Embrapa: eram os técnicos da entidade que consultávamos sobre variedades de sementes, manejo de solo e formas de plantio, quando ainda não havia qualquer conhecimento sobre a agricultura tropical”, diz José Fava Neto, sócio da Agrofava e grande produtor de soja, milho, feijão e café em Goiás e na Bahia.
“É indiscutível o papel e a relevância da Embrapa, mas ela vem perdendo espaço.”
Quanto mais próximo o interlocutor é da operação, maior é a mudança percebida.
“A Embrapa deixou de ser o grande banco intelectual da agricultura, como foi até os anos 90”, afirma Inácio Modesto Filho, diretor de produção da Bom Futuro, grupo que cultiva 275 mil hectares de soja, 120 mil de algodão e 120 mil de milho, além de ter 120 mil cabeças de gado.
“Podia ser em genética, microbiologia, entomologia, fitopatologia, em qualquer campo do conhecimento eles tinham os grandes nomes e a serem consultados.”
Hoje, segundo Modesto, 95% da pesquisa em milho, soja e algodão são feitas pela iniciativa privada.
“Como a soja movimenta valores altos, muitas empresas vieram para o Brasil para fornecer esse tipo de pesquisa”, afirma Eraí Maggi, fundador do Bom Futuro e maior produtor de soja do Brasil.
“As multinacionais ocuparam muito esse espaço.”
Segundo Maggi, o papel de vanguarda da Embrapa foi trocado pelo de “regulador de preço” das tecnologias demandadas pelos grandes produtores.
“Ela não deixa o filão só para as multinacionais”, diz ele.
“Não vira as costas ao nosso mercado.”
Nas fazendas do Bom Futuro, porém, de cada 20 pesquisas realizadas pela iniciativa privada, só uma é da Embrapa.
Há dez anos, diz Fava Neto, 60% das variedades de soja utilizadas no cerrado haviam sido desenvolvidas pela Embrapa e suas coligadas. Hoje, não chegam a 5%.
Os produtores se ressentem pela falta da antiga parceria.
“A Embrapa tem a faca e o queijo nas mãos, mas parece que não está sabendo cortar o queijo”, diz Rodrigo Pozzobon, produtor de soja e milho de médio porte em Sorriso (MT).
“Ela poderia ser um norte mais seguro, se usasse sua estrutura de pesquisa para nos orientar em relação ao que as multinacionais oferecem, por exemplo.”
ESTRUTURA
Além de as pesquisas pouco próximas às necessidades do produtor, são comuns relatos de trabalhos não concluídos por equipamentos quebrados, falta de insumos ou pesquisadores que têm dificuldade de chegar ao campo por não terem transporte.
A Embrapa prevê investir R$ 66,8 milhões em pesquisa e inovação, em 2018. É o equivalente a apenas 2% do orçamento anual de R$ 3,4 bilhões.
Para se ter uma base de comparação, apenas a TMG, que produz sementes e tem Maggi entre seus sócios, recebe R$ 100 milhões por ano para pesquisa.
A Embrapa, que anunciou na semana passada uma série de mudanças internas e as perspectivas que vê para o setor até 2030, informou, por e-mail, que considera as despesas com pessoal, hoje em 68% do orçamento, como parte do gasto em pesquisa.
Só que, pelas regras contábeis, gasto com pessoal entra na rubrica de custeio.
“Estávamos fazendo uma pesquisa de manejo integrado de pragas com a Embrapa e, no dia em que o pesquisador precisava ir à fazenda, não havia mais diárias para que pudesse sair”, afirma Pozzobon.
“Nos oferecemos para buscá-lo, mas ele disse que não poderia. Essa morosidade de órgão público mata.”
Pozzobon também diz que muitos pesquisadores usam recursos públicos para completar sua formação e, na hora de prestar serviços aos produtores, acabam montando consultorias.
“Nada contra ganhar dinheiro, mas acho que isso precisaria ser mudado”, diz ele.
Para os produtores rurais, a entidade precisa ser reestruturada. Sem exceção, todos falam de uma reaproximação com o mercado.
“Seria interessante se trabalhassem como uma empresa privada”, diz Fava Neto.
Para Modesto, a redução dos cargos comissionados também seria uma alternativa, bem como a redução da burocracia e do peso estatal.
“Só quem vive no campo consegue entender o que foi a Embrapa no passado”, afirma.
“Como entramos numa era muito dinâmica, com inúmeras inovações tecnológicas, ela seria ainda mais importante agora.”
Para Marcos Neves, professor da USP e especialistas em planejamento estratégico do agronegócio, organizações de pesquisa precisam ser reorientadas permanentemente.
“Tal como a USP, a Embrapa tem áreas de excelência e outras que estão acomodadas”, diz ele.
“Toda organização merece ser rediscutida o tempo todo, principalmente quando se tem uma estrutura estatal, em que é difícil romper com a resistência da tecnocracia e do corporativismo.”
Ele cita como exemplo um conselho formado por empresários do setor para a própria USP.
Eles ajudam a orientar sobre temas a serem ensinados, lacunas na formação dos jovens, montagem e acompanhamento de projetos e alunos.
“Uma parte do pessoal da USP abraçou a mudança, mas outra nem participa das reuniões”, diz.
“A orientação pelas necessidades do mercado e pelos ‘benchmarks’ só pode ser vista como positiva, já que o objetivo é a ajuda e o desenvolvimento mútuos.”