Arminio Fraga: a ideia de tabelar preço é totalmente fracassada 03/06/2018
- CÁSSIA ALMEIDA - O GLOBO
Ao GLOBO, o economista e sócio da Gávea Investimentos disse que reajustes de combustíveis com periodicidade mais espaçada não seriam um problema — hoje, a Petrobras pratica reajustes até diários, e política foi estopim para greve de caminhoneiros. Leia abaixo os destaques da entrevista.
Como o sr. analisa essa crise?
— A opção histórica pelo transporte rodoviário não foi a ideal. A concentração nesse tipo de transporte claramente foi excessiva. Faltou todo o lado ferroviário.
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Mais recentemente, houve o programa de subsidiar compra de caminhões e, como todo subsídio, tende a desequilibrar a economia.
O quadro foi agravado pela recessão que o país viveu e, sob certa maneira, ainda vive.
Então, teve uma tesoura com duas lâminas: o lado da oferta, que confirmou uma opção que até já se sabia que não era a ideal, por uma concentração maciça no transporte rodoviário, e depois uma série de equívocos de política econômica que levaram a essa depressão que o país vive hoje.
A resposta do governo foi adequada?
— Num primeiro momento teve um impacto muito grande nas ações da Petrobras, colocando em risco o magnífico trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Pedro Parente e sua equipe (a entrevista foi dada antes da renúncia do presidente da Petrobras), o que considero uma grande pena.
É um choque clássico de oferta e isso pegou um governo fragilizado.
É uma combinação: problemas antigos, problemas novos e o impacto em alguns setores do aumento do preço do petróleo.
Regionalmente foi bom, Norte do Estado do Rio, Espírito Santo, toda a cadeia do setor de petróleo se beneficia; outros setores, não. E aí os perdedores, que são em maior número, se mobilizaram.
Quais os efeitos?
— Do lado econômico, está acontecendo num momento muito delicado. O governo vem trabalhando com o cobertor muito curto, o que agrava a situação.
O governo optou por postergar o ajuste, tomando medidas de longo prazo, mas acabou que a mais importante não aconteceu: a reforma completa da Previdência.
O teto de gastos ficou fragilizado, com a falta da reforma da Previdência.
É um estado muito precário das finanças do país em geral, governo federal e vários entes da federação.
E essa é uma das muitas questões que deveria fazer parte do debate presidencial.
Vamos ver se isso acontece de forma clara que sinalize a eventual construção de um consenso.
Minha visão não é otimista, mas alguma esperança eu ainda tenho.
Quais os reflexos para a economia subsidiar o diesel?
— No mundo inteiro o que se faz é o oposto. Uma visão de sustentabilidade ambiental recomendaria fortemente não subsidiar.
O que está acontecendo é um desequilíbrio num mercado que foi estimulado pelo próprio governo.
A ideia de tabelar preço tem um histórico muito longo no nosso país e é uma ideia totalmente fracassada.
Eu não acredito em controle de preços, tampouco em subsídios.
Pode acontecer alguma forma de suavizar o aumento (dos combustíveis), que eu acho que é para onde parece caminhar.
Seria um aperfeiçoamento razoável que poderia ter acontecido, inclusive, sem greve. Suavizar em tese não traz custo fiscal.
Não vejo como isso pode ser feito através de impostos com grande impacto. Uma média móvel trimestral ajudaria.
Para que os reajustes não sejam diários?
— Sim. Agora, subsídio a essa altura do jogo eu tenho sérias dúvidas. Na minha leitura, o país está quebrado, não tem como pensar em subsídio.
Os reajustes no diesel poderiam funcionar como o do gás de cozinha, trimestralmente?
— Ajustes mais espaçados, algo assim. Sair do modelo de reajuste frequente não seria um problema maior.
Apesar de ter sido prejudicada, houve apoio da população à greve.
— Há um mal-estar, uma descrença no futuro, na política, e todo mundo quer mais.
É natural que assim seja, e o nosso sistema não está em condições de processar isso, desde o colapso fiscal de 2014, que foi agravado pelo colapso econômico que também teve origem por ali.
É natural, mas não é desejável. A maior parte das pessoas quer expressar seu descontentamento de alguma maneira.
É um sinal dos tempos e um sinal também que nós continuamos vítimas fáceis do populismo, para o imediatismo, para o atalho, para o gatilho, para política do “meu primeiro”.
Eu espero que tudo isso se resolva de uma maneira mais racional.
Pode fortalecer o discurso populista?
— É um terreno fértil para que ideias que parecem ousadas e superficialmente boas prosperem. A nossa história está lotada disso e a dos nossos vizinhos, também. Há inúmeros casos de populismo triunfando e depois se esborrachando.
O governo anunciou cortes em subsídio para exportadores e indústria química para compensar o diesel...
— Não precisa nem listar, eu não acredito em nada disso. É a mesma lenga-lenga de sempre, o mesmo Brasil, cada um tentando fazer lobby para defender o seu quinhão, a sua capitania, isso não dá em nada.
O Brasil precisa ter uma estrutura tributária simples, onde essas pessoas, em vez de ficarem fazendo lobby, cuidem de seus negócios e procurem se proteger dos riscos de mercado.
Esse modelo do barbante, do band-aid, isso aí esquece. Dá um alívio durante alguns dias, mas não é solução para nada. Tem que fazer uma reforma tributária para valer, simplificar as coisas.
Essa agenda que já está conosco há um quarto de século.
Que sinal o governo dá ao cortar programas sociais para subsidiar o diesel?
— Está faltando espaço para tudo que gostaríamos. Hoje temos um orçamento amarrado, que precisa de um ajuste. O grau do desequilíbrio é tal que, ou as coisas se ajustam ou vão piorar.
Assim que houver um governo novo, tem de desvincular o orçamento todo e repensar tudo.
E não há muito espaço. Uma parte do que é vinculado está dentro da previdência e folha de pagamento.
É uma discussão bem difícil, mas que precisa ser feita depois de eleito um novo governo.
Se a opção for para um caminho populista, aí tudo bem. Opção meio suicida, mas não vai ser a primeira vez que faremos isso.
Quais consequências?
— Num momento em que o PIB per capita caiu 10%, isso é incrivelmente ruim, a economia está desorganizada, o investimento está parado, e o país precisa, para sair desse círculo vicioso, arrumar a casa, não só no lado macro, do lado micro também.
Essa outra agenda de um modelo pesadamente intervencionista, fechado, sem foco em produtividade, na construção de estado mais eficiente e transparente, se for por aí, a receita é bem conhecida.
A gente vê algumas sinalizações já nesse início de debate que, se arranhar um pouco a superfície, sugerem que esse risco não desapareceu.