ALESSANDRO MOLON X NILSON LEITÃO 29/07/2018
- CATARINA ALENCASTRO - ÉPOCA
Um é ambientalista. O outro, um dos líderes da bancada ruralista. O que eles pensam sobre o projeto das novas regras de uso dos agrotóxicos, o chamado PL do Veneno.
- Alessandro Molon, 46 anos, mineiro
Partido: PSB
Formação: História e Direito
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O que faz e o que fez: é deputado federal pelo Rio de Janeiro. Preside a Frente Parlamentar Ambientalista. Foi deputado estadual e professor univesitário e em Direito pela PUC-RJ. Foi deputado estadual e professor universitário.
- Nilson Leitão, 49 anos, sul-mato-grossense
Partido: PSDB
Formação: Contabilidade
O que faz e o que fez: é deputado federal por Mato Grosso e um dos coordenadores da campanha presidencial de Geraldo Alckmin. Presidiu a Frente Parlamentar da Agropecuária e foi prefeito de Sinop (MT).
A ENTREVISTA
Por que o projeto que revê as regras para registro de agrotóxicos no Brasil, conhecido como PL do Veneno, virou uma guerra?
Molon:
– Esse projeto é condenado por toda a comunidade científica brasileira. Instituições científicas e órgãos públicos respeitados, como a Fiocruz, o Instituto Nacional do Câncer, a Anvisa, o Ministério da Saúde, o Ibama, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho, emitiram notas técnicas contrárias ao projeto. Ele vai permitir o registro de substâncias que comprovadamente podem causar câncer, malformação fetal e mutação genética. É um enorme retrocesso num país que já consome elevadíssimos níveis de agrotóxicos.
Leitão:
– Virou guerra por uma questão ideológica, não por uma questão prática. O Brasil tem uma lei vigente de 30 anos. Há 30 anos, o Brasil era importador de alimentos. Hoje, é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Se o mundo inteiro compra alimentos produzidos no Brasil, a maioria in natura, que saem do campo e vão direto para outros países com exigências sanitárias enormes, quem chama o projeto de PL do Veneno quer fazer um debate ideológico. Quem compra o produto brasileiro não está reclamando. O Brasil não exagera no uso do agrotóxico. É a mesma quantidade que se usou nos 14 anos dos governos do PT. E os governos do PT não fizeram nada para mudar isso, porque sabiam que era a regra que podia ser usada.
As regras atuais dificultam a produção agrícola?
AM – Isso é uma falácia. A bancada ruralista apresenta a mudança legislativa que pleiteia como se, sem ela, não fosse possível produzir alimentos no Brasil. Se isso fosse verdade, o Brasil não teria alcançado elevadíssimos índices de produtividade. O que nós devemos fazer é pouco a pouco reduzir a quantidade de agrotóxicos, aproveitando técnicas modernas de agroecologia, porque o mundo caminha para querer consumir cada vez mais produtos orgânicos. Isso seria estratégico para a agricultura brasileira, para que sua lucratividade possa seguir elevada.
NL – Dificultam. Se um produto já existe e está autorizado, se o produto já é existente, por que é que vai continuar colocando dificuldades, burocracia, para a entrada desses produtos no Brasil?
As novas regras podem levar a um aumento da contaminação do solo, da água e dos alimentos?
AM – Se o projeto for aprovado desse jeito que está sendo proposto, sem dúvida nenhuma. Substâncias extremamente tóxicas serão registradas e poderão ser usadas, além das dezenas já autorizadas no Brasil. O país deveria aperfeiçoar sua legislação sobre agrotóxicos, tornando-a mais rigorosa, e não mais frouxa, como a bancada ruralista quer.
NL – Não, em nenhuma hipótese. As novas regras não estão mexendo em quantidade nem aumentando em nenhum milímetro o uso do agrotóxico ou do defensivo. E ninguém é obrigado a usar. Quanto menos o produtor usar, menos ele gastará. Ninguém quer gastar mais do que pode, porque isso custa dinheiro. O Brasil está usando produtos ultrapassados. O projeto vai aumentar o leque de produtos que podem entrar no Brasil, aumentar a concorrência e reduzir os custos da produção.
Defina um ambientalista.
AM – É alguém que entende a importância do desenvolvimento sustentável e a necessidade de produzir alimentos de forma a proteger a vida da espécie humana e também a biodiversidade, tão importante para o planeta.
NL – Essa é uma palavra pejorativa que foi criada pela esquerda brasileira para tratar o setor rural, não é? Como se o ruralista fosse o brasileiro contra o Brasil. É o contrário. O maior veneno que há no Brasil é falar mal de quem gera emprego. O Brasil rural é o que sustenta a economia e gera emprego. As cidades com produção rural são também as que têm o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais elevado.
AM – É alguém que acha que a proteção do ambiente é sua adversária e que é possível continuar alcançando elevados índices de produção sem que se garanta o futuro do ambiente e do planeta. Isso é um grave equívoco. Felizmente nós temos agricultores, e não são poucos, que entendem que essas duas coisas devem caminhar juntas. Esses eu não classifico como ruralistas.
NL – Ambientalista é quem cuida do meio ambiente. E quem cuida do meio ambiente é o produtor rural, que mantém no fundo de seu sítio, de sua chácara a reserva ambiental, o córrego, a nascente. Ele mora lá e preserva como se fosse a casa dele, sem receber nenhum centavo por isso. Agora, existem os ambientalistas de apartamento, funcionários de ONGs.
Os ambientalistas ignoram a importância do agronegócio?
AM – Ao contrário. Os ambientalistas entendem que, para que a agricultura funcione bem, é fundamental ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Me surpreende que quem explora a terra não consiga entender a importância de cuidar do regime de chuvas no Brasil para que a terra continue produzindo seus frutos e alimentando a humanidade.
NL – Totalmente. A maioria não consegue enxergar o agronegócio com equilíbrio e respeito. O Brasil tem um dos melhores projetos de manejo florestal do mundo, mas não é reconhecido pelos ambientalistas. O Brasil tem 67% de sua floresta em pé. É o segundo país com mais árvores em pé do mundo. O Brasil ocupa apenas 8% de toda a área nacional para produzir. Então, o Brasil é um país que preserva. E quem preserva é o produtor, sem receber nenhum centavo por isso.
Os ruralistas ignoram a importância da preservação ambiental?
AM – A bancada que os representa no Congresso Nacional, em geral, ignora ou parece ignorar essa importância. É assustador.
NL – Ao contrário. O produtor americano comemora quando aumenta sua área derrubada para produzir mais. O brasileiro, não. Na Amazônia, você só pode derrubar 20% — e é caríssimo manter o restante. O Brasil é um dos países que mais exportam alimentos para o mundo porque produz bem, com qualidade e com respeito ao meio ambiente
Por que há tantos ruralistas e tão poucos ambientalistas no Congresso?
AM – Nós não temos um terço da população brasileira composto de ruralistas. Mas temos um terço da Câmara dos Deputados ou mais formado por ruralistas. As regras eleitorais vigentes têm favorecido a força do poder econômico e a representação de um setor, distorcendo seu tamanho, fazendo com que ele tenha um peso dentro do Congresso que nem de longe tem na sociedade.
NL – É a representatividade dos brasileiros. O Congresso Nacional é um estrato da sociedade. Essa representatividade tamanha significa exatamente o sentimento do brasileiro. Nós temos mais gente preocupada em produzir do que em atrapalhar.
É preciso aumentar a proteção ambiental no Brasil?
AM – É fundamental aumentar a proteção ambiental no Brasil. Inclusive para quem vive da agricultura e da pecuária. A China decidiu que em breve não comprará mais produtos transgênicos. Portanto, aqueles que pregavam tempos atrás que os transgênicos eram o futuro do Brasil terão de substituir aos poucos seus produtos para que possam continuar exportando para a China. Essa consciência da proteção ambiental é que é o futuro e vai crescer no mundo inteiro.
NL – Não. O Brasil tem o licenciamento mais rígido do mundo. Nenhum país do mundo exige licença ambiental para produzir, para plantar alimento. O Brasil também é o único país que exige licença ambiental para reflorestamento. Isso não existe.
É preciso dar mais incentivos para a produção agropecuária?
AM – É preciso incentivar a agroecologia, a agricultura familiar, novas formas de cultivo, produção de alimentos orgânicos, a substituição de transgênicos por sementes originais e assim por diante, porque o futuro da humanidade caminha para isso. É nisso que o Brasil deve apostar para se tornar no mundo sinônimo de comida saudável, orgânica e que protege a natureza.
NL – O Brasil chegou a um patamar em que não é preciso derrubar mais nenhuma árvore para manter a produtividade. Agora, é preciso desburocratizar o sistema. O Brasil não pode continuar fazendo leis socialistas para um país capitalista.